São João da Barra, no norte fluminense, que por muitos anos viveu da pesca e da fama de seu conhaque de alcatrão - e mais recentemente dos royalties do petróleo -, deve passar por uma transformação radical nos próximos anos. A mudança está ligada ao Super Porto do Açu, projeto da LLX, empresa de Eike Batista, que pretende desenvolver no local um complexo portuário integrado a um grande condomínio industrial. Na Secretaria municipal de Planejamento, um cartaz anuncia: "Porto do Açu - Embarque com a gente rumo ao Desenvolvimento."
O Açu é definido como um projeto estruturante, uma aposta no Brasil, segundo Ricardo Antunes, presidente da LLX. Visão semelhante tem o secretário estadual de Desenvolvimento, Júlio Bueno, que vê o porto como empreendimento transformador para a economia do norte fluminense, região mais pobre do Estado.
O investimento no porto é de US$ 1,6 bilhão. Ele está previsto para começar a operar no fim de 2011 com a movimentação de minério de ferro das minas da Anglo Ferrous Brazil, em Minas Gerais. A Anglo American já admitiu atraso na conclusão desse projeto de mineração em Minas.
O minério chegará ao porto por um mineroduto de 525 km de extensão que passará por 32 municípios em Minas e no Rio. O minério será a carga âncora do Açu, mas a LLX aposta que a infraestrutura oferecida vai atrair empresas interessadas em movimentar carga geral em contêineres, produtos siderúrgicos, granéis líquidos e carvão, na importação. Estima-se que o terminal de contêineres poderia movimentar 300 mil TEUs (contêiner equivalente a 20 pés) por ano.
O Açu também receberá termelétrica da MPX Energia, empresa do grupo EBX, e servirá como base de apoio para as atividades de exploração e produção de petróleo e gás na Bacia de Campos, situada na área de influência do porto. Se for implantado conforme o plano original, os impactos sociais e econômicos do Super Porto do Açu para a região serão de grande magnitude.
Na área ambiental, a empresa negociou acordo com o Estado para criar área de preservação permanente em zona de restinga junto ao porto e ao distrito industrial . Entre pequenos empresários que trabalham com turismo na região, há quem entenda que o projeto não trouxe, por enquanto, geração de emprego e renda. O secretário de Planejamento de São João da Barra, Victor de Aquino Fernandes, diz que o desafio é planejar a cidade para os próximos anos.
O Valor teve acesso a uma versão preliminar da Avaliação Ambiental Estratégica, estudo preparado pela consultoria Arcadis Tetraplan, sob encomenda da LLX, que faz projeções sobre os efeitos do Super Porto do Açu para o município e a região até 2025. O trabalho considera a instalação potencial no município de empresas que seriam atraídas para o porto, incluindo siderúrgicas, cimenteiras, pelotizadoras e indústrias metal-mecânicas, entre outras. No total, os investimentos desses projetos poderiam chegar a US$ 36,2 bilhões.
A população de São João da Barra, de 28,8 mil habitantes, segundo dados de 2007 do IBGE, poderia chegar a 250 mil pessoas em 2025. Com os projetos industriais implantados, seria preciso preparar 45 mil refeições coletivas por dia, haveria necessidade de construção de 84 mil novas residências, de 995 salas de aula (hoje são 120) e de 666 leitos hospitalares (ante os 30 atuais).
Antunes, o presidente da LLX, diz que existem 64 memorandos de entendimento assinados com empresas que querem usar o Açu como base industrial, de serviços ou para uso da estrutura portuária como plataforma logística avançada. "Os memorandos são anteriores à crise e não foram cancelados (depois que o cenário econômico piorou em setembro do ano passado)", disse Antunes.
Ele não citou os nomes das empresas pois existem cláusulas de confidencialidade. Segundo o executivo, os memorandos ainda não foram transformados em contratos firmes mas a maioria deles estabelece parâmetros que determinam a relação social, o investimento e os termos dos serviços. Antunes falou de setores. Disse que o Açu é o local melhor estruturado para instalação de novas siderúrgicas considerando a oferta de minério via mineroduto e ligação ferroviária.
Comenta-se que o grupo Techint, da Argentina, é uma das empresas interessadas em instalar usina para fabricação de tubos de aço no Açu. De forma paralela, a LLX assinou um acordo com a Ferrovia Centro Atlântica (FCA), controlada pela Vale, para desenvolver um corredor logístico. O projeto prevê a construção de um ramal de 45 quilômetros de extensão ligando Campos dos Goytacazes ao Açu em investimento estimado em US$ 60 milhões. O trem também poderá transportar insumos da região Sudeste para as fábricas que irão se instalar no distrito industrial.
No fim de janeiro, o Valor visitou o porto, cujas obras concentra-se na construção de um quebra-mar e de uma ponte que avança do continente mar adentro por 2,9 mil metros. A ponte terá 26,5 metros de largura com uma pista para o trânsito de caminhões e outra para as correias transportadoras de minério de ferro e carvão. Na ponte, serão construídos onze berços para atracar os navios. "Em um ano e meio a ponte deverá estar pronta", diz Romeu Rodrigues, gerente de operações portuárias da LLX.
A construção da ponte, píeres e quebra-mar está a cargo do consórcio ARG-Civilport. As máquinas de pátio e carregadores de navio para minério foram comprados da Bardella e outros equipamentos, como transportadoras de correias, da Tecno Moageira. As pedras do quebra-mar são retiradas de uma pedreira da MMX, outra empresa do grupo, em Campos.
Também foi contratada a chinesa Shangai Dredgingworks (SDC), encarregada do pacote de dragagem. O porto terá 18,5 metros de profundidade e capacidade de receber navios com capacidade de carregar 220 mil toneladas de minério. Os navios vão chegar ao porto por um canal de acesso com 13 quilômetros de extensão. Em uma primeira fase, entre o fim de 2011, início de 2012, o porto começará a operar com capacidade de movimentar 26,6 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
O terminal de minério também prevê a construção de dois pátios com capacidade de 2 milhões de toneladas e equipado com sistemas de filtragem na chegada do mineroduto (para separar o minério da água). O terminal de minério do Açu é desenvolvido pela LLX Minas Rio, parceria da LLX Logística, com 51%, e da Anglo Ferrous Brazil, com 49%. No fim de janeiro, a LLX Minas Rio assinou os contratos definitivos de financiamento no valor de R$ 1,32 bilhão com o BNDES para o porto do Açu. O empréstimo não inclui o projeto do mineroduto, que está em fase de terraplanagem em alguns trechos.
(Por Francisco Góes,
Valor Econômico, 09/02/2009)