Causou mal estar no interior do governo a decisão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de recorrer à Advocacia Geral da União (AGU), pedindo que seja revista a demarcação de terras de quilombolas em Alcântara, no Maranhão. "Estou surpreso com essa atitude ", disse ontem o ministro da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos. "Nas negociações que tivemos, não houve objeções à demarcação final da área. Isso gera inquietação junto às comunidades quilombolas e cria um desgaste desnecessário."
A decisão também surpreendeu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual está subordinado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - órgão responsável pela identificação e delimitação da área de 78,1 mil hectares de Alcântara destinada aos quilombolas. Na verdade, no pedido à AGU, Jobim aponta que o conflito é entre seu ministério e o Incra. Apesar da surpresa, o ministro Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, não quis comentar o caso.
No documento que enviou à AGU, no início de dezembro, o ministro Jobim pediu a instalação de uma Câmara de Conciliação para dirimir "conflitos de interesses públicos". Afirmou que a demarcação trará sérios prejuízos ao Programa Nacional de Atividades Espaciais - um dos itens prioritários da Estratégia de Defesa Nacional, divulgada em dezembro.
De acordo com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, produzido pelo Incra e publicado no Diário Oficial no dia 3 de dezembro, a área reservada ao programa espacial é de 8,7 mil hectares. É uma área insuficiente, segundo o ministro.
Para ter sua continuidade assegurada, disse Jobim, o programa precisa que o centro de lançamento avance para a área norte de suas instalações atuais. Sem essa área, destinada aos quilombos, a empresa binacional Brasil-Ucrânia Cyclone Space não poderá desenvolver plenamente suas atividades.
Pelo que foi acordado, segundo representantes dos quilombolas, a Aeronáutica cederia à binacional uma parte da área que ocupa em Alcântara. A Aeronáutica, porém, afirma que só concordou com essa decisão de forma provisória. Não aceita que seja definitiva.
Em Alcântara, a divulgação da atitude do Ministério da Defesa também causou surpresa. "É preocupante: o governo firma um acordo com os quilombolas e depois diz que não vai cumpri-lo", disse ontem um dos líderes do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial, Sérvulo Borges. "Nós vamos à Justiça defender nossos direitos. Estamos ocupando todas essas terras há mais de 200 anos. Nós é que estamos cedendo uma parte para a base - e não o contrário."
As câmaras de conciliação da AGU foram criadas para resolver conflitos entre órgãos do governo. Ainda não se sabe, porém, se o pedido de Jobim será aceito pelo advogado-geral, José Antonio Dias Toffoli. Existe a possibilidade de devolver o pedido, para que seja feita nova tentativa de entendimento.
(Por Roldão Arruda,
Estado de S. Paulo, 05/02/2009)