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aracruz/vcp/fibria celulose e papel BNDES
2009-02-05
"A indústria de papel e celulose daqui a 15 anos vai ser muito diferente do que ela é hoje, tecnologicamente. E estarão operando nessa indústria as empresas que se habilitaram a essa corrida tecnológica que está começando". A previsão é o economista David Kupfer, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. Sobre a fusão das empresas Aracruz e Votorantin Celulose e Papel, Kupfer entende que “a necessidade de adensamento patrimonial de operações, fusões e aquisições para que se criem grupos patrimonialmente mais fortes é imperativa para o avanço da competitividade da indústria e para a inserção da produção brasileira na economia mundial”, visto que a Aracruz, em termos internacionais, é considerada “uma empresa de tamanho médio”. E questionado sobre os danos ambientais que essa indústria gera, Kupfer declara: “não vejo num cenário de médio ou longo prazo o Brasil simplesmente desistir da produção de papel e celulose. A economia brasileira não pode prescindir das rendas ou dos empregos que são gerados nessa atividade”. E acrescenta: “Seria muito bom se não existissem atividades que impactassem negativamente o meio ambiente e que nós conseguíssemos erradicar qualquer tipo de produção com essa característica da indústria. Mas ainda está longe o momento em que isso vai acontecer”

David Kupfer é graduado em Engenharia Química, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também obteve os títulos de mestre e doutor em Economia da Indústria e Tecnologia. Na mesma universidade, é, atualmente, diretor do Instituto de Economia.  É autor dos livros Made in Brazil (Rio de Janeiro: Campus, 1996) e Economia Industrial: fundamentos teóricos e práticas no Brasil (Rio de Janeiro: Campus, 2002).



Com a recente fusão entre Aracruz e VCP, o BNDES se tornou acionista de 26% da nova empresa. O que significa esse apoio do governo? É simplesmente apoio a empresas brasileiras em tempos de crise?

Não conheço detalhes dessa operação e acredito que pouca gente conheça, pois ela não está totalmente destrinchada. Acredito que, nesse caso específico, os diagnósticos de competitividade no setor de papel e celulose há muito tempo identificam o pequeno porte relativo das empresas brasileiras como uma das limitações para a maior inserção internacional dessa indústria. A principal empresa brasileira é a Aracruz e, embora nos padrões da economia nacional ela seja uma empresa de grande porte, em termos internacionais é uma empresa de tamanho médio. Ela não tem condição de ser uma “player” internacional importante no mercado específico de papel e celulose. E a necessidade de adensamento patrimonial de operações, fusões e aquisições para que se criem grupos patrimonialmente mais fortes é imperativa para o avanço da competitividade da indústria e para a inserção da produção brasileira na economia mundial.

A crise facilitou

Acredito que a crise pode ter facilitado a operação por alguma razão. Ela pode ter induzido no sentido de estimular a solução, tornando mais pertinente, talvez por situações financeiras específicas de um grupo ou outro e tornou possível a execução da operação. E o papel do BNDES aí é clássico: é o de conseguir mobilizar parte do capital necessário a essas operações de fusão, que os agentes envolvidos, em geral, têm dificuldade de encontrar. Isso faz parte de uma atuação relativamente comum, que é cumprida pelo BNDES, como foram os casos da telefonia e da petroquímica, com a criação da Braskem e, posteriormente, as fusões que se seguiram. Então, vejo que foi uma medida de natureza ou de alcance estrutural e que, provavelmente, foi viabilizada por razões conjunturais. Ou seja, o porquê de ela estar acontecendo agora e não antes é que, provavelmente, em função da conjuntura atual, a disposição das empresas de se unirem se tornou maior. Alguém estava precisando realmente de aporte de capital.

A fusão de grandes empresas com o apoio do BNDES é o melhor caminho para o fortalecimento do capital nacional?

Acredito que não é uma fórmula mágica, que vai valer em qualquer situação, mas ela é uma necessidade, é um imperativo da nossa indústria de bens commodities, de insumos básicos. Por exemplo, essas razões de melhorar a inserção internacional na indústria é que tornam necessário o aumento do porte empresarial nesse tipo de atividade. E essas operações de consolidação, normalmente, dependem de esquemas financeiros que, no caso brasileiro, estão a cargo do BNDES. O financiamento de longo prazo na indústria é muito apoiado em atividades e em ações do BNDES. Nós tivemos um quadro diferente em 2007 e 2008, porque o que estava sendo viabilizado era uma maior presença dos mercados privados de capitais no financiamento dessas operações empresariais. Por um azar, exatamente quando o mercado de capitais brasileiro começou a se tornar mais operante, e quando as condições de captação das empresas brasileiras começaram a ficar boas, houve uma crise financeira internacional que fez desmoronar esse circuito de financiamento e nos devolveu a nossa velha tradição de depender do BNDES para o financiamento das operações de longo prazo, tanto de novos investimentos como de capitalização das empresas existentes.

O apoio do BNDES a empresas que estão comprometendo o meio ambiente, através do plantio de eucaliptos, compensa economicamente, em um momento no qual só se fala em alternativas para salvar o meio ambiente?

Aqui temos um problema diferente. Não vejo num cenário de médio ou longo prazo o Brasil simplesmente desistir da produção de papel e celulose. A economia brasileira não pode prescindir das rendas ou dos empregos que são gerados nessa atividade. Não entendo que eu possa fazer uma conexão imediata entre essas duas questões. Mas o que me parece importante é que a produção, tanto na fase florestal, quanto na industrial de um setor que tem tanto impacto no meio ambiente tem que ser feita de forma adequada. Não vejo, neste caso, nenhuma contradição, desde que os investimentos que vão se suceder, no caso da nova empresa, cumpram os programas de redução de impacto ambiental que possam ser definidos com as autoridades do país. Seria muito bom se não existissem atividades que impactassem negativamente o meio ambiente e que nós conseguíssemos erradicar qualquer tipo de produção com essa característica da indústria. Mas ainda está longe o momento em que isso vai acontecer. Nós temos uma base bem estabelecida na indústria de papel e celulose. Temos uma vantagem muito importante, em termos tecnológicos nesse setor, que diz respeito à fase florestal e temos que ampliar essa vantagem e torná-la um caminho de desenvolvimento econômico no país.

Qual o papel do BNDES hoje?

O BNDES hoje é o principal operador da política industrial brasileira, assim como, de certo modo, vinha sendo no passado. Só que a política brasileira, hoje, é uma política mais ampla, que tem múltiplos focos, e está sendo demandado do BNDES que abra a sua linha de ação convencional para poder atuar melhor nesses múltiplos focos. Nós temos toda uma questão associada à inovação tecnológica que, de algum modo, a política industrial valorizou bastante e para qual o BNDES está tentando desenvolver formas de ação. Também tem a questão do apoio às empresas em processo de modernização, particularmente, as empresas de menor porte, o que não fazem parte da tradição do Banco. Acho que o BNDES está fazendo as adaptações necessárias para tentar cobrir, de forma mais completa, os múltiplos focos da atual política industrial.

E como o senhor avalia a indústria de papel e celulose no mundo hoje?

Se olharmos o setor de papel e celulose em termos mundiais, percebemos que já está em curso uma verdadeira batalha por inovações tecnológicas. O setor está pronto para uma reformulação, uma revolução tecnológica, que vai decorrer do uso mais intensivo de biotecnologias, tanto na fase agrícola, quanto de novos processos baseados em nanotecnologias, quanto na fase industrial, que vão ser os verdadeiros geradores das vantagens competitivas nesse setor. Isso significa que a capacidade de pesquisa vai ser muito grande. Estamos falando de empresas que vão depender de uma capacidade de gasto muito grande e, normalmente, não são apenas as grandes empresas que conseguem suportar os programas muito intensivos de desenvolvimento tecnológico por um prazo mais longo. A indústria de papel e celulose daqui a 15 anos vai ser muito diferente do que ela é hoje, tecnologicamente. E estarão operando nessa indústria as empresas que se habilitaram a essa corrida tecnológica que está começando.

Qual o saldo que podemos prever na sociedade e na economia brasileira com o aumento do índice de desemprego? Como entender que ele ocorre apenas em alguns setores, como a indústria automotiva? Vivemos uma crise de desemprego?

Ainda não há uma crise de desemprego, mas também não há quem diga que ela possa não existir. O quadro é preocupante. Evidentemente, a eliminação de postos de trabalho ainda está concentrada em alguns setores e em postos de trabalho e investimentos que estavam sendo feitos e foram interrompidos. Ou seja, ela ainda é um pouco relacionada à redução do emprego futuro, o emprego que iria existir, os empregos recém-criados, que estão sendo descontinuados. É preocupante a possibilidade da eliminação de empregos se generalizar na economia. É particularmente preocupante que nós, por causa das dificuldades associadas à crise e ao clima de negócios associado à crise, acabemos rumando para modificações muito grandes na relação capital/trabalho existente no Brasil. Também é preocupante a possibilidade de que acabemos enfrentando uma rodada de substituição de emprego por máquinas nos setores de serviços.

"Ainda não há uma crise de desemprego, mas também não há quem diga que ela possa não existir. O quadro é preocupante"
Há muito tempo tenho a percepção de que o setor de serviços no Brasil não se modernizou proporcionalmente ao setor industrial. Ainda é um setor muito baseado em emprego, em trabalho intensivo. A modernização pode ser desejada, mas ela tem que ser bem feita para que não gere um desemprego selvagem. Um exemplo é permitir que os postos de gasolina possam trabalhar com autoabastecimento e isso significa praticamente a eliminação dos postos de trabalho de frentistas. Centenas de milhares de empregos serão eliminados de uma vez só e, da mesma forma, outros tipos de trabalhadores dessas empresas que ainda existem em grande número no Brasil – e que faz sentido que existam, porque temos um mercado de trabalho enorme e uma necessidade de geração de emprego enorme, que eu temo que por causa da crise se encontre a justificativa para fazer essa substituição de trabalho do setor de serviço. Isso poderá ter um impacto muito negativo, inclusive pelo aspecto econômico, de enfrentar uma grande redução da renda disponível para consumo da população que, por sua vez, vai tirar a demanda da indústria, reduzir a produção industrial, reduzir o emprego industrial, reduzir o emprego derivado do emprego industrial, e aí podemos entrar em um círculo muito negativo.

Como o senhor vê o novo plano de Mantega – empréstimo sim, demissões não? Quais as consequências? A medida é boa e ruim para quem?

"É preocupante a possibilidade da eliminação de empregos se generalizar na economia" Isso pode ser o princípio de um objetivo de política. Ele não pode ser levado a ferro e fogo, porque muitas vezes é preciso ajustar a força de trabalho aos níveis de produção ou aos projetos que estão em andamento. Como política, acho que é bem razoável, porque não é o momento de mudar estruturalmente, promover mudanças de fundo no relacionamento do capital e do trabalho no Brasil. A economia é uma teia de interações. Muitas vezes, é necessário eliminar empresas em um elo da economia para gerar em outros. Temos que ver o resultado global disso e não caso a caso. Muitas vezes, uma empresa precisa modernizar para reduzir custos, para continuar operando, para continuar demandando insumos e os empregos serão gerados nos fabricantes de insumos. No final da história, o balanço é positivo; ao menos tivemos a preservação do emprego, só que aparecerão em outros lugares. É necessária muita informação, não basta um monitoramento simples. Temos que olhar para a cadeia produtiva, para o sistema produtivo como um todo.

Como entender a aposta nos setores de petróleo e gás, energia elétrica e infraestrutura?

Acho isso fundamental. Desde que a crise se alastrou, comecei a insistir na necessidade de avançar nos programas de infraestrutura, nos quais o Brasil tem uma dívida enorme com o desenvolvimento. A estrutura brasileira é sabidamente deficiente e insuficiente. Mesmo em momentos de menor atividade econômica, a estrutura pode ser sempre ampliada e melhorada, porque quando a economia voltar a crescer, não haverá um processo de crescimento industrial com custos de infraestrutura baixos ou decrescentes, ao contrário do que estava acontecendo. Estávamos crescendo de forma mais rápida, mas com custos de infraestrutura crescente. Na medida em que a indústria ia avançando e a economia começou a crescer 5% ao ano, o custo de transporte, de energia, dos portos e aeroportos entraram em saturação, e o custo do crescimento vai aumentando. É evidente que é mais difícil ter crescimento sustentável nessas condições.

Como o senhor avalia a forma como vem sendo conduzida a economia no Brasil nesse contexto de crise internacional? O senhor acredita em uma crise do capitalismo e do neoliberalismo?

"É particularmente preocupante que nós, por causa das dificuldades associadas à crise e ao clima de negócios associado à crise, acabemos rumando para modificações muito grandes na relação capital/trabalho existente no Brasil"

Em relação a isso, penso em dois planos diferentes. Não vejo necessariamente a crise do capitalismo; isso seria algo de outra dimensão e outra natureza. De fato, o que provavelmente entrou em crise foi uma forma de gestão do capitalismo, que era capitaneado pelas ideias do neoliberalismo. Acho que o neoliberalismo é que mostrou os seus limites, se esgotou e revelou toda a sua incapacidade de manter o sistema capitalista funcionando sem perturbações, de uma forma organizada. Trata-se de uma questão específica, não do sistema. O sistema vai se recompor, não sofreu nenhum baque. São as ideias de gestão desse sistema que sofreram. Tudo indica que estamos ou vamos entrar em um quadro com mais regulação, com um papel mais ativo do Estado, novamente; com a ideia de que é necessário definir determinadas metas e objetivos, características mais ligadas aos Estados intervencionistas, os chamados Estados de bem-estar. Acredito que não houve tempo e me parece que seria equivocado exigir que o governo brasileiro operasse uma mudança tão radical em tão curto prazo. Não houve tempo para que nós retomássemos uma trajetória de intervenção do Estado de uma economia mais desenvolvimentista.

No caso da conjuntura, a melhor definição em relação ao desempenho do governo brasileiro está mais ou menos consensual de que ele se mexe na direção certa, mas com lentidão, com timidez, ou com ambas as características. O governo demorou demais para baixar os juros, para mobilizar fundos para investimentos, e para tomar outras medidas que tentam recompor a renda da população. A idéia de ter mais política fiscal é correta, bem como a de tentar preservar o mercado interno e a demanda efetiva, mas é preciso elaborar mais medidas, mais recursos e mais modificações do que as introduzidas até agora. 

Insituto Humanitas Unisinos, 04/02/2009

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