A primeira fábrica integrada de alcoolquímica do país, um projeto entre a Santelisa Vale e a americana Dow Chemical, não deverá sair do papel tão cedo. Em meio à crise em que enfrentam, as duas companhias decidiram colocar o pé do freio do projeto de fabricação de resinas plásticas a partir da cana-de-açúcar, a ser construído em Santa Vitória, no Triângulo Mineiro.
O empreendimento, cujo orçamento está estimado em cerca de US$ 1 bilhão, já tinha dado seus primeiros passos, com o plantio de viveiros de cana nos arredores da cidade de Santa Vitória. A unidade, que integrará uma usina de açúcar e álcool com a produção de 350 mil toneladas de polietileno, estava projetada para entrar em operação a partir de 2011. Agora, se for levado adiante, o início de suas operações será jogado mais para frente, sem data conhecida.
"O projeto é grandioso, um investimento de peso. Mas diante do atual cenário, está sendo deixado de lado porque as prioridades da companhia [Santelisa] mudaram", afirmou ao Valor uma fonte familiarizada com o projeto. Do lado da Dow Chemical, a pressa é de outra natureza: a gigante americana precisa resolver o imblóglio bilionário no qual a empresa se meteu em transações com ativos nos EUA e no Kuait.
Quando anunciado pelos executivos da Santelisa e da Dow, em julho de 2007, com a presença do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e do embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel, o acordo foi considerado a união perfeita da produção altamente competitiva do etanol brasileiro com a 'know how' tecnológico de fabricação de plásticos. Se o projeto de produção do chamado plástico verde for bem-sucedido, a Santelisa seria a parceira ideal da Dow para replicá-lo em outros lugares do mundo.
Mas a situação das empresas mudou repentinamente, obrigando as rever o projeto. Procuradas, a Santelisa e a Dow no Brasil, por meio de suas assessorias de imprensa, não quiseram comentar o assunto.
A Santelisa está atualmente no meio do olho do furacão para reduzir seu endividamento. Com dívidas da ordem de R$ 2 bilhões, o grupo está à procura de um sócio estratégico para ganhar maior robustez e dar continuidade aos seus planos de expansão. Boa parte da alavancagem da companhia, a segunda maior produtora de açúcar e álcool do Brasil, resulta do processo da fusão envolvendo a Santa Elisa, de Sertãozinho (SP), Vale do Rosário, de Morro Agudo (SP), e outras três empresas paulistas (MB, Continental e Jardest), ocorrido no fim de 2007.
Agora, os maiores credores da companhia, os bancos Bradesco e Itaú, que assessoraram financeiramente a fusão, também participam de negociações para encontrar um parceiro estratégico para o gigante sucroalcooleiro. O BNDESPar, braço de participações do BNDES, poderá elevar sua participação na companhia.
A sociedade na Santelisa já foi oferecida para grandes grupos, como São Martinho; ETH, da Odebrecht; Bunge; Cargill; ADM; Louis Dreyfus e a gestora de investimentos BTG, do investidor André Esteves, e até mesmo para Cosan, que fez em fevereiro de 2007 uma oferta hostil para a compra da Vale do Rosário, conforme já informou o Valor.
Com faturamento em torno de R$ 1,5 bilhão e moagem de quase 20 milhões de toneladas de cana, o grupo contratou há cerca de três meses a consultoria Angra Partners para dar novo rumo à companhia, que também deverá contratar um novo CEO. André Biagi, um dos principais acionistas da Santelisa, exerce desde dezembro esta função. Ontem, a empresa anunciou a demissão de 109 funcionários administrativos e de operação em razão de ajustes de produção, devido à crise.
Tão encalacrada quanto sua parceira brasileira, a Dow enfrenta dificuldades bilionárias numa estratégia que deu errado pelas mãos de seu principal executivo, Andrew Liveris. A fabricante americana está sendo pressionada na Justiça de Delaware, nos EUA, a concluir a aquisição da Rohm & Haas, uma empresa de especialidades químicas, na qual ofereceu, em julho, US$ 15 bilhões para levar seu controle.
Mas a estratégia do executivo saiu pela culatra depois que uma parcela generosa do dinheiro - cerca de US$ 9 bilhões - que pretendia receber com a venda de metade de seus negócios com plásticos básicos para uma estatal petrolífera do Kuait foi recusada pelo governo daquele país. Agora, a Dow agora corre o risco de acumular prejuízos se não concluir o negócio com a Rohm & Haas.
Segundo apurou Valor, o projeto de alcoolquímica no Brasil é considerado "superestratégico" pela Dow, uma vez que traz a diversificação de fontes de matérias-primas além dos gás e nafta. O projeto foi estudado minunciosamente pelo conselho da companhia desde 2004. Quando livrar-se de suas dificuldades, a Dow poderá pensar no futuro a retomada do projeto do plástico verde individualmente.
(Por Mônica Scaramuzzo e André Vieira,
Valor Econômico, 04/02/2009)