O conhecimento sobre a riqueza da flora amazônica está concentrado hoje na memória de apenas nove pessoas. Mas essa não é a única má notícia. Todos - sem exceção - já iniciaram a contagem regressiva para a aposentadoria por 35 anos de trabalho. Em cinco anos, os chamados parabotânicos, os mais experientes identificadores de árvores da floresta, estarão oficialmente fora do mercado.
"Essas são as verdadeiras espécies em extinção da Amazônia", ironiza Carlos Franciscon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, uma das três instituições públicas que formam esses especialistas.
"Temos só dois parabotânicos e eles se aposentarão daqui a dois anos. O pior é que a situação é a mesma nas outras instituições". Francisco tem razão. No Museu Paraense Emilio Goeldi e na Embrapa Amazônia Oriental, ambos em Belém, os números tampouco enchem uma mão. Há apenas quatro e três parabotânicos na ativa, respectivamente.
A escassez desses profissionais coloca em xeque o futuro das pesquisas na região. Isso porque os parabotânicos são um elo fundamental no processo investigatório da flora. Com baixa escolaridade, eles entram nas instituições como ajudantes dos pesquisadores.
Começam, por exemplo, subindo até a copa das árvores -na Amazônia muitas delas atingem 20 metros de altura - para retirar ramos que depois serão catalogados e acrescentados ao herbário, a grande coleção de espécies vegetais dos institutos.
Suas funções centrais estão nas viagens à floresta, que podem durar semanas, e na manutenção das coleções. Com a experiência, viram "doutores" na identificação de espécies por seus nomes científicos. "
Ele precisa ter o jeitão pra coisa. Aí, de tanta prática e ouvir o nome da planta, aprende sobre morfologia", diz Regina M. da Silva, curadora do herbário da Embrapa Amazônia Oriental. Parabotânicos experientes chegam a ganhar salários de R$ 3 mil por mês, apesar de não terem sequer o primeiro grau completo.
Eles tornam-se também não só indispensáveis mas imbatíveis. "Já vi casos em que um parabotânico nosso recolheu uma planta mas não soube dizer o seu nome. Ele falou: 'essa aqui é espécie nova'. Mandamos para análise e foi confirmado. Era realmente uma planta inédita", conta Franciscon, que é curador do herbário com cerca de 220 mil registros de plantas da Amazônia do Inpa. "E é esse profissional da floresta, tão importante, que está sumindo".
O desaparecimento dos parabotânicos é o reflexo direto de uma mudança no sistema de contratação ocorrida na década de 90. "O gargalo começou quando o regime de CLT foi substituído por concurso, que exige segundo grau completo", diz Rafael Salomão, do Museu Goeldi.
De acordo com os pesquisadores, foi o golpe de misericórdia. "Quem acaba preenchendo as vagas são estudantes universitários ou pesquisadores mais graduados, que já saem com vantagem nas provas", explica Salomão.
O problema vai além. Por terem alto nível de escolaridade, os aprovados para as vagas de técnico raramente desempenham as funções que cabem ao cargo. "O concurso é só a porta de entrada para a instituição de pesquisa", explica Salomão. Na prática, os concursados tendem a migrar para áreas de maior projeção para carreira.
Franciscon, do Inpa, relata um episódio recente que exemplifica as dificuldades nos herbários. "Em um dos nossos concursos foi aprovada uma estudante de biologia. Mas algum tempo depois ela decidiu mudar de curso. Foi fazer odontologia. Hoje ela conseguiu uma transferência e trabalha como dentista do Inpa".
A solução paliativa é detectar pessoas com "jeitão" para a coisa, e contratá-los como diaristas. "A saída é chamar por fora quem é bom e não passa no concurso. Aqui em Manaus temos cinco desses", diz Franciscon.
(Por Bettina Barros,
Valor Econômico, 04/02/2009)