A nona edição do Fórum Social Mundial (FSM) terminou neste domingo (01/02), em Belém, com a “Assembléia das Assembléias” adotando dezenas de resoluções e propostas que serão temas de um programa de mobilizações ao redor do mundo em 2009.
As 21 assembléias temáticas, assim, quebraram o que parecia ser um tabu do FSM, ou seja, adotar posições políticas comuns sob a pressão de milhares de grupos da sociedade civil, ansiosos por agarrar a oportunidade criada pela crise econômica global de uma mudança progressiva.
Uma semana de demonstrações e ações propagandístas acontecerão entre 28 de março e 4 de abril para pressionar por uma drástica mudança na balança política mundial e medidas urgentes para interromper as alterações climáticas.
O principal alvo dessa iniciativa é a reunião do G-20 dos países industrializados, marcada para 2 de abril, em Londres, que acontecerá em meio à crescente crise econômica global.
Espera-se que Argentina e Brasil, membros do G-20 e ambos liderados por governos progressistas, sejam as vozes das reivindicações do FSM, como a dispersão ou uma profunda reforma do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio.
O dia 30 de março, o Dia Palestino de Retorno à sua terra, é outro importante marco do programa, que pretende impor um boicote comercial, sanções internacionais e políticas para cancelar investimentos, com o objetivo de forçar Israel a interromper incursões militares contra Gaza e a engajar-se em verdadeiras negociações de paz.
Sob uma leve chuva em um gramado ensopado no vasto campus da Universidade Federal Rural da Amazônia, um porta-voz da Assembléia de Movimentos Sociais do FSM listou alguns dos mais generalizados conteúdos programáticos da mobilização:
- Nacionalização dos bancos;
- Não redução de salários em empresas atingidas pela crise;
- Soberania energética e alimentícia para os pobres;
- Retirada de tropas estrangeiras do Iraque e do Afeganistão;
- Soberania e autonomia para os povos indígenas;
- Direito a terra, trabalho decente, educação e saúde para todos;
- Democratização da mídia e do conhecimento.
Em 12 de outubro, dia no qual os conquistadores espanhóis chegaram nas Américas, outro conjunto de ações em todo o mundo vai prestar honras à “mãe Terra” e reivindicar os direitos dos povos indígenas em todo o mundo.
Esta foi a vez em que o FSM chegou mais perto de tornar-se uma força política global, um dilema que tem enfrentado desde o seu início na cidade de Porto Alegre, no sul do Brasil, em janeiro de 2001, como um evento correlato ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.
Correspondentes estrangeiros e a imprensa local salientaram o acentuado contraste entre a atmosfera vibrante em Belém e os rostos sombrios dos diretores empresariais e líderes ocidentais em Davos, onde o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, chegou a admitir que a crise não tem precedentes e nenhuma previsão confiável.
O jornal conservador Folha de S. Paulo, localizado na capital financeira do Brasil, observou, no domingo, que o planeta pode não se tornar o outro mundo “extravagante” sonhado em Belém, mas também não vai permanecer do jeito que está, o que foi “tantas vez celebrado com otimismo em Davos”.
“Assim como o ultra-liberalismo econômico, os atuais mecanismos internacionais de decisão também estão sendo questionados. Questões tão diversas como os desequilíbrios ambientais, terrorismo, tráfico de drogas e conflitos regionais éticos e religiosos sobrecarregam a capacidade de intervenção de uma única potência ou de um clube exclusivo de países mais desenvolvidos”, diz o editorial da Folha.
Candido Gzrybowsky, responsável pela iBase, uma ong brasileira e um importante participante do FSM, insistiu que a crise tem provado – como tem sido tacitamente admitido pelos governos ocidentais – que muitas das advertências feitas por movimentos sociais nos últimos anos estavam certas.
Apesar disso, ele advertiu nessa semana em Belém que, enquanto a crise representa uma oportunidade histórica para democratizar estados, economias e o cenário internacional, se não for dominada pode levar a uma recuperação capitalista “ainda pior” do que o paradigma fundamentalista agora em pedaços.
Expondo ângulos diferentes para que se atinja justiça social, igualdade e participação popular, os presidentes da Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela, reunidos em Belém, compartilharam nesta semana da mesma convicção: a crise deve levar a um diferente esquema global.
Luiz Inácio Lula da Silva salientou a proteção aos trabalhadores por meio da regulação e da promoção de um forte investimento econômico estatal, uma afirmação à qual o FMI teria reagido com ameaças em um passado não muito distante.
O presidente Rafael Correa, do Equador, um economista, foi mais audaz: a resposta para a crise é o socialismo, ele disse, com o controle popular de organismos econômicos, políticos e sociais, amparados por um Estado comprometido em tornar-se um canal descentralizado para a participação democrática.
Hugo Chávez, da Venezuela, conclamou o FSM a partir para a ofensiva, agora que os pólos centrais do poder capitalista parecem estar perplexos e desorientados.
Para os organizadores, o nono FSM foi um sucesso tanto político quanto no que diz respeito à organização.
No encerramento do evento no domingo, Gzrybowsky disse, em uma entrevista coletiva, que 115 mil participantes marcaram presença representando movimentos sociais, ongs ou eles próprios. Além disso, o Campo da Juventude recebeu 15 mil jovens, mais três mil crianças e adolescentes.
No total foram 133 mil participantes vindos de 142 países, embora o Brasil tenha sido, de longe, o mais representado. Sendo a bacia Amazônica o principal assunto do nono Fórum Social Mundial, o evento recebeu mais de 1.900 indígenas de 190 grupos étnicos ou tribos, mais 1.400 “quilombolas” (descendentes de escravos fugitivos).
As organizações participantes chegaram ao número de 5.808, das quais 4.193 da América do Sul, 489 da África, 491 da Europa, 334 da América Central, 155 da América do Norte e 27 da Austrália e Nova Zelândia, disse Gzrybowsky.
O Pará, que deu apoio ativo ao Fórum, investiu 11 milhões de dólares em infra-estrutura (estradas, comunicação e instalações sanitárias), da qual agora vai se beneficiar a comunidade, em particular a das favelas que cercam os campi da Universidade, disse a porta-voz Ana Claudia Cardoso.
Por ter muitas vezes sido repudiado pela mídia como um carnaval em desvanecimento da esquerda, de sonhos selvagens, sexo e maconha, sem poder de fogo político, o FSM parece estar vivo e em forma. Seu poder de fogo pode ser a força ganha apenas pelo fator união, ou, nas palavras do teólogo Frei Betto, por “encher o tanque de combustível” para o ano que vem pela frente.
Tem sido dito que o próximo Fórum Social Mundial acontecerá na África, em dois anos. Até lá, é provável que as atuais incertezas, esperanças e metas tenham tomado forma e um caminho para o bem ou para o mal.
(Por Alejandro Kirk, IPS/TerraViva, Envolverde, 02/02/2009)