Apesar de usarem o absurdo como matéria-prima em obras cujo traço central está na inconformidade com as leis da coerência e da lógica, autores como Camus, Kafka, Beckett e Ionesco teriam dificuldade em entender como a questão ambiental é tratada no Brasil.
As críticas ao Plano Decenal de Energia – PDE 2008-2017 pelo aumento das emissões de CO2 são bom exemplo disso. Ambientalistas rufam os tambores contra as termoelétricas do plano. Esquecem, ou fazem questão de esquecer, que essas usinas térmicas decorrem de sua própria ação a impedir o licenciamento de hidrelétricas!
As termoelétricas do PDE são resultado dos leilões realizados. Houve poucas hidráulicas nesses leilões porque são poucos os projetos com licença ambiental prévia (LP), requisito para uma usina participar dos certames.
De fato, no leilão de 2008, realizado para contratar energia para 2013, apenas uma hidrelétrica, de 350 MW, detinha LP. Em contrapartida, quase uma centena de centrais térmicas, com mais de 22 mil MW gerados com combustíveis fósseis, apresentou esta licença. Há algo errado.
Na realidade, o PDE é até otimista. Praticamente não considera novas termoelétricas além das já contratadas. Da potência total em novas usinas, apenas 2,5% se referem a térmicas a combustível fóssil. O plano assume, portanto, que a nova expansão se fará basicamente com hidrelétricas e outras fontes renováveis. Tal cenário só se concretizará com mudanças no processo de licenciamento e, mesmo, no comportamento de movimentos ambientalistas.
Esses movimentos carecem de uma visão holística. A análise dos projetos é segmentada. Não se discutem as alternativas. Privilegia-se demasiadamente a sustentabilidade do meio físico, em detrimento de outros dois pilares do desenvolvimento sustentável: a desejabilidade social e a viabilidade econômica.
É comum se dizer que o País, sem prejuízo de seu desenvolvimento econômico, pode atender à demanda futura de energia por meio de fontes alternativas e da promoção da eficiência energética. Por óbvio, qualquer ação para maior eficiência no uso da energia é meritória. Contudo, utilizar esse argumento para limitar a expansão adequada da geração, como o fez o WWF-Brasil em 2006, é condenar o País e sua população ao atraso.
Para essa ONG, o consumo de cada brasileiro em 2020 seria de apenas 2.380 kWh, comparável ao que se consumia aqui no ano 2000 ou ao que se consome hoje na Jamaica. E ainda muito inferior ao consumo atual na Venezuela ou na Bulgária (entre 2.700 e 4.000 kWh/hab).
Por mais que se promova a eficiência energética, contraria o bom senso admitir que o brasileiro de 2020 consuma menos energia do que consome hoje um cidadão daqueles países.
E é certo que as fontes alternativas terão papel da maior relevância na matriz energética nacional. São destaques a biomassa e a energia eólica. Nessa linha, o governo organizou em 2008 a aquisição de bioeletricidade e prepara, para 2009, um leilão para comprar energia eólica.
Contudo, essas fontes ainda são caras. Enquanto a energia das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, foi comprada por menos de R$ 80/MWh, a das usinas a biomassa foi contratada por uma receita fixa de R$ 156/MWh. Os geradores eólicos pleiteiam mais de R$ 200/MWh.
Sem dúvida, é auspiciosa a ação do ministro de Meio Ambiente e do presidente do Ibama para acelerar o licenciamento ambiental, sem prejuízo do rigor do processo. Mas a ação de certas ONGs no sentido de judicializar o licenciamento de hidrelétricas traz um custo desnecessário e produz um impacto ambiental negativo em sua matriz energética.
Mais térmicas significam aumento de custo e de emissões de CO2. É lamentável, sobretudo em um país em que dois terços do potencial hidrelétrico ainda estão inexplorados.
Mas é também inquietante o traço paradoxal do movimento ambientalista brasileiro, que, ao fim e ao cabo, luta contra a alternativa que nos permite manter uma matriz elétrica mundialmente invejada, por ser renovável, limpa e altamente competitiva. Nunca, em nome de sua pretensa defesa, tanto mal se perpetrou ao ambiente.
(Mauricio Tolmasquim,
CartaCapital, 30/01/2009)
Mauricio Tolmasquim é Presidente da Empresa de Pesquisa Energética