Henry Ford sonhava fazer carros de pástico usando soja. Agora, a Dow, a DuPont e outras gigantes químicas também estão sonhando com um futuro 'verde'. Mas, como argumenta Jim Thomas, os bioplásticos não são a eco-solução de que têm a fama de ser.
O futuro do plástico sempre resplandeceu como branco. A 'casa do futuro' de plástico, da Monsanto, que uma vez ficou no coração do Disneyworld Epcot Center, e o espaço futurístico do Hotel Hilton no filme de Stanley Kubrick '2001: Uma Odisséia no Espaço', ambos caracterizavam-se por portas brancas brilhantes, muros, tetos e mobílias de plástico. Para os designers de meados dos anos 60, os plásticos duros, brancos e inquebráveis, como o iluminismo de uma revolução tecnológica, devem ter representado um futuro puro moldado em nome do modernismo. Como memoravelmente sussurrou o Sr. McGuire a Dustin Hoffman no filme de 1967, "O Graduado" (1): "Há um grande futuro no plástico. Pense nisto."
Quarenta anos depois, sua reputação arrefeceu, sua 'casa do futuro' desmantelou-se. A indústria do plástico está lutando para ressuscitar a imagem do plástico como um nobre 'material do futuro'. Agora estão nos dizendo que o plástico será leve, degradável e que irá se misturar à natureza. Estes são os chamados bioplásticos, e a indústria tem uma nova cor em mente: verde.
Procure na Internet e você poderá ser perdoado por pensar que a indústria de plásticos atual se tornou uma empresa de jardinagem. Existem por exemplo, a Mirel, que fabrica bioplástico de cana-de-açúcar ou óleos vegetais e cujo website parece um anúncio de plantio de sementes. Ou a Sphere Inc, líder européia na produção de biofilmes cuja homepage é adornada com tulipas, mesmo que seus plásticos sejam fabricados a partir de batatas. A DuPont promove seu mais recente bioplástico com imagens de colinas floridas, enquanto que o website da NatureWorks (uma joint venture entre a Cargill e a corporação japonesa Teijin) mostra uma animação a partir de folhas de ávores. Ambas as companhias produzem seus próprios bioplásticos principalmente de milho transgênico regado com pesticidas - nenhuma folha de árvore ou semente à vista.
Falando estritamente, um bioplástico é um polímero que foi produzido a partir de vegetais ao invés de petróleo. Isto não é nem uma ruptura, nem uma garantia de bom sinal ecológico. O plástico mais antigo, como o celulóide, era fabricado de celulose de árvores antes de o petróleo provar ser uma fonte mais barata. Hoje, com os preços do petróleo nas alturas, é a matéria-prima mais barata, mas não há princípios verdes guiando as companhias de volta aos bioplásticos.
De fato, verde, para a indústria de plásticos, significa principalmente dinheiro - um grande novo pote disto. Os bioplásticos já significam 10% a 15% do mercado global e se espera que cresçam a quase um terço do total da produção em apenas uma década. Eles atualmente trazem em torno de 1 bilhão de dólares por ano. Uma cifra destinada a crescer e chegar a mais de 10 bilhões de dólares até 2012. Apesar de tentativas de se fazer marketing dos bioplásticos como 'próximos da natureza', seus produtores são as mesmas corporações de agronegócios e da indústria química que continuam a produzir venenos tóxicos e a promover a monocultura industrial. A ADM e a Cargill - que entre si alinhavaram uma das maiores gigantes do mundo na área de comércio de grãos - são dois dos maiores players, controlando a NatureWorks e a Mirel. DuPont, BASF e Dow - três das maiores companhias químicas do mundo - também são players chaves.
Ruptura e não-senso
Bioplásticos podem trazer retorno verde para investidores, mas eles são de fato verdes para o planeta? A evidência não é convincente. Para começo de conversa, bioplásticos podem ou não ser degradáveis ou biodegradáveis - os dois termos significam coisas muito diferentes. Muitos plásticos chamados "bio", como o Sorona da DuPont, não fazem a apologia de se degradarem no ambiente.
Mesmo aqueles que declaram romper-se no meio podem apresentar apenas um leve impacto na redução da poluição por plásticos. Os assim chamados 'plásticos degradáveis', tais como as sacolas dadas em muitos supermercados, são predominantemente baseadas em petróleo. Teoricamente, eles se rompem pela ação da luz solar e pelo oxigênio ao longo de muitos anos. Na prática, segundo um relatório recente do governo australiano: "Há dados insuficientes para dizer, com qualquer margem de certeza, quanto tempo muitos polímeros degradáveis levam para se biodegradar plenamente." O mesmo relatório aponta que eles podem apenas se fragmentar em pedaços menores de plástico ao invés de se degradarem totalmente. Tais pequenos pedaços são muito mais provavelmente ingeridos por "pequenos animais como tartarugas marinhas recém-nascidas". Conseqüentemente, há um ceticismo amplo quanto ao valor ambiental ou à eficácia dos plásticos degradáveis.
Os plásticos biodegradáveis, aos poucos, fazem pressão. Esses materiais irão se decompor em elementos básicos e minerais, geralmente em um composto industrial por meio da atividade de calor, microorganismos e enzimas. Esta decomposição deve ser mensurada por testes padronizados e deve ocorrer dentro de um período específico de tempo, que varia de acordo com o método de 'disposição'. Infelizmente, as unidades industriais necessárias para esses compostos são tão raras que apenas uma pequena porção do plástico biodegradável produzido vai, de fato, para elas.
Ingeo - um bioplástico de ácido poliláctico (PLA) (2) desenvolvido pela NatureWorks - é um dos assim chamados plásticos 'compostáveis' que não se desintegrará em compostos domésticos. A NatureWorks também admite que o PLA não vai se desintegrar se largado como lixo pelos cantos do país, em solos, águas marinhas ou mesmo em aterros. Por um período de tempo muito longo, certamente, ele irá se desintegrar, provavelmente mais rapidamente do que os plásticos baseados em petróleo. Mas provavelmente já existam fragmentos de PLA boiando faceiramente ao redor dos oceanos do mundo. A NatureWorks insiste que o PLA pode ser reciclado, mas não há ainda sistemas instalados para capturar e reutilizar a resina do PLA. Aparentemente, o PLA pode ser confundido com PET (polietileno tereftalato) usado para garrafas plásticas e assim, de fato, prejudicar os esforços de reciclagem pela contaminação dos materiais recicláveis existentes.
Em outubro de 2004, um grupo de defensores da reciclagem requisitaram que a NatureWorks parasse de vender PLA para garrafas plásticas até que questões chave fossem devidamente encaminhadas. Em janeiro de 2005, a empresa parou de vender PLA 'adicional' para a produção de garrafas, mas quebrou a moratória em abril passado. A NatureWorks ainda tem que testar a reciclabilidade de qualquer PLA na fase pós-consumo.
Sacolas de alimentos
Há muito a dispor. Mas a substituição de combustíveis fósseis por plantas deve ser uma boa idéia, certo? Esta é a premissa sobre a qual os verdes mais reclamam para a permanência dos bioplásticos. Infelizmente, como os defensores dos biocombustíveis aprenderam, a mudança de petróleo para biomassa como matéria-prima de nossa economia industrial acarreta seu próprio conjunto de problemas. Como a fome.
Na primavera passada, os tumultos em função de alimentos na África, América do Sul e sudeste da Ásia despertaram a atenção da mídia mundial para como os custos exorbitantes dos alimentos estão elevando a população faminta para mais 100 milhões de pessoas em relação ao patamar já existente. Enquanto as causas são complexas, o uso de terras destinadas ao plantio de alimentos para o cultivo de lavouras de biocombustíveis é, sem dúvida, um fator de impacto na redução dos estoques de alimentos. Esta mudança é apenas a primeira repercussão em uma transformação muito mais ampla. Enquanto 30% da produção de plásticos migra para matérias-primas baseadas em vegetais, ambas, culturas de vegetais para alimentos e terras, que deveriam servir para aumentar os estoques alimentares, estão sendo removidas da função de alimentar pessoas para a de alimentar lucros da indústria do plástico. Se é inaceitável trocar alimentos por combustíveis em tempos de extrema fome, deveria ser duplamente inaceitável trocar alimentos por sacolas plásticas.
Considere, por exemplo, o bioplástico Sorona da DuPont's - uma fibra expandida usada para carpetes, vestuário e partes de carros. No ano passado, a DuPont construiu uma biorrefinaria industrial, no Tennessee, que converte 6,4 milhões de bushels (3) de milho, anualmente, em 373 mil a 453 mil quilos de plástico. O cultivo de milho para apenas uma biorrefinaria requer 40 mil acres. Até 2010, a DuPont pretende transformar 25% de seus produtos químicos globais e produção de plásticos em matéria-prima baseada em vegetais e, por fim, espera livrar-se totalmente do petróleo.
Segundo analistas da empresa Bio-Era Consulting, esta é uma indústria com largas perspectivas. Um quinto dos US$ 1,8 trilhão de substâncias químicas e do mercado de plásticos poderão ser derivadas de vegetais até 2015, principalmente do cultivo de lavouras para produção de açúcar. Se feito um ranqueamento do milho e de outras culturas já desviadas para a produção de combustíveis, isto chega a uma montanha que poderia servir para alimentar pessoas.
Fechando o círculo
Além disto, como se fossem fechar o círculo, as mais novas matérias-primas para bioplásticos parecem, de fato, ser biocombustíveis. No final de 2009, a maior indústria de petroquímica do Brasil, a Braskem, vai abrir uma fábrica de US$150 milhões destinada à produção anual de 200 mil toneladas de polietileno (usado para sacolas de compras) produzido a partir de etanol de cana-de-açúcar. Plantações de cana-de-açúcar para a produção de etanol, no Brasil, agora ocupam cerca de 6 milhões de hectares e têm atraído fortemente oposições, por sua incursão em áreas de florestas e uso de trabalho escravo. O Movimento Mundial pela Floresta Tropical (4) aponta que as plantações de cana-de-açúcar estão destruindo rapidamente o Cerrado brasileiro, a uma área que se espalha por 3,1 milhões de quilômetros quadrados de savana, habitat de uma grande biodiversidade. Segundo ativistas brasileiros e a advogada Camila Moreno, da ONG Terra de Direitos, a expansão dos monocultores de cana sob o poder corporativo dos oligopólios "está na rota de quase todos os conflitos socioambientais no Brasil, assim como no resto da América Latina".
Não há nada sustentável ou orgânico na maioria das matérias-primas da agricultura industrial. Com o atual cultivo de milho geneticamente alterado, o uso de pesticidas é provavelmente a fonte líder de bioplásticos de sacarose. Enquanto isto, os plásticos fabricados a partir de batatas, tais como o 'Bioplástico' da Stanelco, levantam preocupações similares. Observadores do Grupo de Trabalho Ambiental (Environmental Working Group), dos Estados Unidos, dizem que as batatas apresentam um dos maiores níveis de contaminação por pesticidas entre quaisquer outros alimentos - os vínculos entre alterações genéticas e bioplásticos do futuro estão por todo lugar.
Além do milho geneticamente modificado, já existem quarto tipos de batatas transgênicas aprovadas para cultivo na América do Norte, e a BASF agora produziu uma sacarose geneticamente modificada que possibilita dar formato quadrado a bioplásticos no mercado - brevemente, será aprovada para cultivo na Europa. De fato, apenas dois grandes produtores de bioplásticos, a Novamont, da Itália, e a EarthCycle, do Canadá, declaram seus produtos não-modificados geneticamente. A NatureWorks da Cargill oferece um esquema bizarro onde compradores podem "compensar" o uso de lavouras geneticamente modificadas por um determinado preço. A modificação genética pode, em breve, levar a que o plástico seja produzido diretamente de plantas. Se tais "lavouras de plástico" fossem contaminadas ou misturadas com estoques de alimentos, isto poderia causar sérios problemas ao meio ambiente e a saúde.
Vida sintética
Então existe a "biologia sintética'. Diferentemente do padrão da engenharia genética, que envolve seqüências de genes móveis entre espécies, biólogos sintéticos tentam construir formas de vida a partir de seu início. Moléculas de DNA artificial construídas por uma máquina são manipuladas juntas para produzir "programas" genéticos inteiramente novos, seqüestrando bactérias, fungos e outros micróbios para transformar açúcares em plástico. O bioplástico Sorona, da DuPont, por exemplo, é produzido por fungos contendo DNA inteiramente sintético projetado pela Genencor. O bioplástico Mirel da ADM é feito de um micróbio sintético projetado pela Metabolix. Todas as preocupações que têm cercado os organismos geneticamente modificados (contaminação genética, falta de testes de segurança e reclamações sobre as propriedades corporativas) são intensificadas no caso da biologia sintética, que ainda não está regulamentada, não está certificada e não é alvo de qualquer tipo de avaliação de segurança.
Sustentada por corporações, a agricultura industrial, não-biodegradável nos leva a profundas modificações genéticas. É difícil ficar entusiasmado com as visões de futuro verde da indústria do plástico. Contudo, há tentativas de se colocar os bioplásticos de volta em seu curso.
"Não sou tão universalmente cético com relação aos bioplásticos", explica Annie Leonard, uma ativista de longo tempo contra os tóxicos, cujo novo filme, "A História das Coisas", examina a economia dos materiais. "A transformação de materiais baseados em petróleo em materiais baseados em biodiesel deve ser parte de nossa visão de futuro. Se esta transição apenas substitui uma material-prima por outra dentro de um sistema profundamente falho, então, fico preocupada. Contudo, se a transição é acompanhada por comprometimento de reduzir resíduos na fonte, eliminando produtos tóxicos na agricultura e na produção, possibilitando fontes de energia limpas, práticas de trabalho justo e outras mudanças rumo à sustentabilidade e à eqüidade, então os bioplásticos podem ser um passo poderoso na direção correta".
Um desses passos é a Sustentabilidade Colaborativa de Biomateriais (SBC), uma rede de 16 grupos da sociedade civil e negócios éticos para a definição de uma verdadeira sustentabilidade para os bioplásticos. Um de seus fundadores, Tom Lent, explica que a SBC começou porque "a promessa dos bioplásticos não estava sendo cumprida".
A SBC lançou um extenso "Guia de Sustentabilidade do Bioplástico" que é baseado em cerca de 12 bons princípios variando desde evitarem-se lavouras geneticamente alteradas e pesticidas até o apoio à subsistência de agricultores. É um desafio e um documento revigorante, muito diferente da "lavagem verde" vazia da indústria do bioplástico. Pode não haver muitos "bioplásticos sustentáveis" para se indicar, mas pelo menos em um começo honesto - nenhuma figura de tulipas ou grama desta vez.
(Por Jim Thomas*, New Internationalist, Nº 415, Setembro 2008, tradução Cláudia Viegas)
*É pesquisador e escritor do Grupo ETC em Ottawa, Canadá.
Notas do tradutor
(1) "O Graduado", comédia norte-americana de 1967 dirigida por Mike Nichols, baseada em novela de mesmo nome escrita por Charles Webb. O filme conta a história de Ben Braddock (interpretado por Dustin Hoffman), um universitário recém-formado sem um objetivo bem definido na vida, que é seduzido pela Sra. Robinson (Anne Bancroft) e então se apaixona por sua irmã Elaine (Katharine Ross).
(2) O ácido poliláctico ou polilactato (PLA) é um material conhecido desde o século XIX, mas só bem mais tarde encontrou rota comercial viável. É um poliéster alifático, produzido do ácido láctico (AL) por fermentação de açúcares seguida de puriicação e polimerização [Pradella (2006)]. Citado por Bastos, V.D. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, V. 4, N. 28, p. 201-234, Dez/2007. Disponível aqui.
(3) Bushel é uma unidade de medida equivalente a 2150,42 polegadas cúbicas, nos Estados Unidos e na antiga Inglaterra, ou 35,24 litros. Na Grã-Bretanha, corresponde a 2219.36 polegadas cúbicas ou 36,38 litros.
(4) O Movimento Mundial pelas Florestas (Tropicais) (WRM) é uma ONG internacional e rede de grupos de indígenas, com sede no Uruguai, envolvida em esforços para defender as florestas do mundo de forças que as destroem.