Charles Moore e seus colegas da Algalita Marine Research Foundation (1), da Califórnia, levaram um mês navegando com o barco de pesquisa da Alguita do Havaí até Los Angeles, percorrendo um enorme círculo de lixo plástico no meio do Pacífico. Apresentamos aqui uma visão do interior desta jornada - uma resenha do blog da expedição, a maioria da qual foi escrita por membros da tripulação de Anna Cummins.
Terça-feira, 22 de Janeiro de 2008
Deixamos Hilo (2), Havaí, no início da noite de Domingo, poucas horas antes de escurecer. A lua cheia emprestava seu brilho prateado gentilmente sobre a maré, fazendo da observação da primeira noite um espetáculo estonteante.
Nosso primeiro foco de amostragem planejado ficava justamente em Kamilo Beach, a praia mais poluída dos Estados Unidos. Poucos dias antes de nossa partida, brava e perigosamente dirigimos por duas horas rumo a Kamilo, para ver por nós mesmos - uma costa pitoresca, vulcânica, longe de qualquer desenvolvimento visível, com águas azul claras e praias espetaculares - inteiramente cobertas por restos de plásticos.
São cenas como estas que exemplificam a necessidade de melhor entendimento de quão longe realmente se chegou com a questão dos resíduos de plásticos no mar. E uma poderosa lembrança visual de porque embarcamos nesta longa jornada de um mês.
Dois membros da tripulação atacharam uma bóia a uma 'rede fantasma'. Centenas de redes de plástico são abandonadas no oceano causando um dano que se difunde por todo o ambiente marinho. As bóias têm transmissores que permitem às redes serem rastreadas por satélite. A Alguita já capturou seis 'redes fantasmas' desde 2005.
Quinta-feira, 24 de Janeiro
Latitude: 21 39.297 Norte;
Longitude: 160 32.787 Oeste.
Dirigindo-se para o Norte e começando a notar pedaços de plástico no horizonte. Ao nascer do sol nós rumamos para Kaula (3), uma ilha pequena e rochosa, buscando proteção do vento para nossa primeira amostragem do dia. Chegamos à ilha no final da manhã - uma completamente improdutiva e no entanto semivulcânica paisagem lunar destacada delicadamente do mar. Nossas três primeiras investidas renderam pedaços aleatórios de plásticos, poucas partes visíveis (pellets de matéria-prima plástica) e um conjunto de organismos coloridos - numerosos crustáceos, salpas (4), Guerreiro Português (5) e outras criaturas minúsculas. Nós não saberemos certamente quanto plástico essas amostras contêm até as trazermos de volta a nosso laboratório.
Segunda-feira, 28 de Janeiro
Latitude: 30 08.447 Norte;
Longitude: 165 24.955 Oeste
Entramos na célula central de alta pressão da corrente oceânica do hemisfério Norte e começamos a coletar amostras. Isto realmente ilustra o termo que o Capitão Charles Moore usa para descrever o sistema de giro das correntes oceânicas, 'sopa de plásticos'. É realmente difícil compreender a vastidão deste fenômeno. Há um mal-entendido público de que essas correntes sejam um 'lugar', um foco detectável, quando na verdade elas são uma região enorme, extremamente difusa.
Terça, 29 de Janeiro
Latitude: 32 09.17 Norte;
Longitude: 165 28.47 Oeste
Começamos a usar rede de arrasto nesta manhã. Enquanto ajustávamos nosso curso a Oeste, localizávamos mais pedaços de plásticos, incluindo uma garrafa de detergente coberta por algas e briozoários (6) e um crustáceo oceânico. Foi então que uma descarga desordenada irrompeu-se por sobre a corda flutuante, trazendo junto todo um ecossistema de peixes, em movimento giratório para baixo. Um efeito colateral dos pedaços de plásticos marinhos é que eles, além disto, atraem peixes.
Tão igualmente interessante como o que encontramos em nossa amostra foi o que não encontramos. Joel notou que a maioria dos plásticos que ele viu quando mergulhou estava a cerca de um metro da superfície. Quando as partículas de plástico são reduzidas em tamanho, elas passam a perder a capacidade flutuante e se incorporam à coluna de água. Assim, é possível que por remoção da superfície estejamos perdendo grandes quantidades de pequenos fragmentos de plásticos. Embora estejamos plenamente preparados e esperando encontrar grandes quantidades de plásticos, é ainda chocante - eles simplesmente não estão aqui.
Quinta-feira, 31 de Janeiro
Latitude: 32 46.18 Norte,
Longitude: 170 03.41 Oeste
O embalo do início da tarde foi quebrado por um outro sinal de confusão com o conjunto das cordas. Enquanto havíamos puxado a corda a bordo, dezenas de peixes e moluscos correram rapidamente para fora. Os capturamos a mão e os jogamos em um mini-aquário, para observá-los e fotografá-los antes de liberá-los.
Um membro preocupado do grupo quis saber se é seguro para nós comer peixe aqui, no meio desta sopa de plásticos: uma questão excelente. A verdade é que nós realmente não sabemos ao certo. Não tem havido pesquisa suficiente sobre o impacto das substâncias químicas dos plásticos em organismos vivos. Será que os poluentes atraídos por partículas plásticos migram para os organismos que os consomem?
Os poluentes se tornam crescentemente mais concentrados à medida que vão atuando cadeia alimentar acima. Assim, quanto maior o peixe, maior a probabilidade de se comer pequenos peixes contaminados e absorver a soma total de suas toxinas.
O 'giro' do Norte do Pacífico - um vasto redemoinho que se estende da Califórnia ao Japão, que mantém o lixo, a maioria plástico, circulando em suas correntes por décadas. Embarcações freqüentemente ficaram encurraladas por semanas aqui e tentaram diminuir suas cargas jogando o volume extra no mar, inclusive os provimentos alimentares. Daí o nome: 'latitudes de cavalo'.
Segunda-feira, 2 de Fevereiro
Alô. É o Capitão Moore dando à chefe do nosso blog Anna uma pausa, de modo que eu posso conversar com vocês sobre o tamanho da rota de lixo ocidental e quais tipos de pedaços de plásticos ela contém. Os atuais modelos de correntes da superfície oceânica mostram 'rotas de lixo' do tamanho do Texas, a leste e oeste do Pacífico Norte, onde muitos pedaços residem por décadas. Descobrimos que milhões de milhas quadradas de oceano, de 20ºN a 40ºN, e de 135º Oeste até próximo da Linha de Dados Internacionais (International Date Line) (7), estão significativamente impactados.
O albatroz (8) de Laysan (9) foi a primeira amostra de larga escala da praga do plástico no Pacífico Norte. Sua dieta de restos naturais de cefalópodos (moluscos) era suplementada com pedaços de plástico não muito depois do começo da era do 'jogar fora'. Temos dezenas de fotos de conteúdos de estômagos regurgitados de albatrozes de Laysan que contêm objetos que você certamente encontra uma lista de coisas que existem em sua loja de conveniência - entre tampinhas de garrafas, pequenas garrafas, acendedores de cigarros, canetas e escovas de dentes estão fragmentos de plásticos de vários tipos, tamanhos e cores.
Terça-feira, 5 de Fevereiro
Latitude: 33 45.655 Norte;
Longitude: 160 21.999 Oeste
Entramos na rota da circulação de Langmuir (10), uma série de contracorrentes circulares que se encontram, varrendo camadas mistas de superfícies de materiais para o topo, numa espécie de rio oceânico, visível como uma faixa na superfície do oceano. Em condições perfeitas, ela consistiria principalmente em nutrientes. Mas essa tinha uma linha visível de pedaços de plásticos flutuantes.
Após ancorar e esperar pelo cair da noite, deslizamos nas águas geladas e observamos uma rica cena de vida submarina - águas transparentes com criaturas não usuais. Joel mencionou ter focado um tubarão Mako (11). Ele de fato foi-se embora, já que Anna, Herb e Marcus começaram a se agitar no bote.
Sábado, 9 de Fevereiro
Latitude: 36 23.448 Norte;
Longitude: 150 15.747 Oeste
Uma das mais populares perguntas que recebemos é 'como podemos limpar esta bagunça?'
Constantemente as pessoas perguntam se não h* alguma maneira de enterrar, ensacar ou filtrar estes resíduos. É simplesmente... muito...grande. É como sugerir que varramos os Estados Unidos. Ou que drenemos o deserto do Saara. E, como as pessoas têm visto por nossas amostras de imagens, muito desses restos é formado por pequenos pedaços- fragmentos - que requerem uma rede fina para removê-los. O que significa também remover toneladas de plâncton - a base de toda a cadeia alimentar marinha. Se apenas os pedaços de plásticos estivessem contidos em uma grande 'ilha de tralhas', talvez os pudéssemos remover. Mas estão espalhados por uma área incrivelmente muito grande. Os termos 'caminho do lixo' ou 'tralha do tamanho do Texas' compreendem áreas tangíveis quando, de fato, esta 'sopa de plásticos' estende-se para além do giro do Pacífico. Junta-se a isto o desconhecido: quanto plástico está acumulado na base do mar? Ou está espalhado por colunas de água? Adicionam-se a isto os custos e as dificuldades de se conseguir e ainda a impossibilidade de a área do Giro do Pacífico tornar-se limpo. Necessitamos focar nossos esforços na prevenção; a limpeza simplesmente não é viável.
Segunda-feira, 10 de Fevereiro
Latitude: 35 41.046 Norte;
Longitude: 147 38.013 Oeste
Voltamos à área que serviu de inspiração inicial à missão do Capitão Moore em 1997. Por duas áridas horas pescamos o mais rápido que pudemos, puxando redes, escovas de dentes, garrafas de plástico e vidro, uma bola de golfe, uma bola de bilhar, um pote de cola não utilizado e um emaranhado de cordas de pano cobertas com crustáceos e finos pedaços de peixe. Porém, o mais apavorante foram os confeitos de plástico: uma faixa delicada e sem fim, como brancos flocos de neve, pós de plástico coberto com a superfície do oceano.
Removemos nossa primeira 'rede fantasma' no início da manhã, pesando mais de uma tonelada. O que aparecia de uma grande superfície, um ninho emaranhado de redes desordenadas e pedaços de plásticos encaixados, era apenas a ponta do iceberg. Fazer isto era como um pesadelo náutico, com potencial para matar a foca macaco, espécie ameaçada do Havaí, a única foca tropical, e muitas outras critauras, incluindo corais.
Terça-feira, 13 de Fevereiro
Latitude: 35 31.691 Norte;
Longitude: 141 00.317 Oeste
Recém ultrapassamos três mil milhas de nossa jornada. As amostras do dia de hoje renderam algo que não havíamos visto na superfície - numerosos microfilamentos e pequenas e tênues linhas de fragmentos. Essas fibras são os principais resíduos de plásticos encontrados logo abaixo da superfície das nossas redes, em até cem metros de profundidade. As águas calmas permitiram a esses fragmentos flutuarem para a superfície, onde eles se depositaram, em nossas redes. O pequeno tamanho das partículas pode significar que os restos de plásticos foram amassados por aqui durante algum tempo, vagando ao redor em um movimento circular sem fim, onde acabou por se fragmentar em finos e nojentos fragmentos.
De acordo com dados coletados de limpezas de áreas costeiras, 80% dos resíduos de plásticos marinhos que varrem as praias se originam de fontes terrestres - onde o lixo das ruas é carregado para o mar por meio da drenagem de temporais. Fora daqui, muitos dos resíduos identificáveis que estamos vendo vêm da indústria pesqueira - bóias de pesca, cordas, fragmentos de redes e outros equipamentos de pesca jogados fora. A maior parte disto são fragmentos de plásticos.
Quinta-feira, 15 de Fevereiro
Latitude: 35 45.287 Norte;
Longitude: 138 34.245 Oeste
Completamos nossas duas últimas amostras hoje, concluindo uma reprise de nossa pesquisa de 1999. Enquanto é muito cedo para tirar qualquer conclusão, podemos seguramente dizer que a massa e o número de partículas de plásticos por área de superfície marinha aumentou dramaticamente. O rápido acúmulo de pedaços de plástico marinhos, faz páreo ao aumento na produção e no consumo de disposição de plásticos ao redor do mundo.
Também gastamos muito tempo discutindo como comunicar esta questão ao público. Um ângulo que queremos explorar mais é como a ingestão de plástico pode impactar a cadeia alimentar marinha e, por extensão, nós mesmos.
Quarta-feira, 20 de Fevereiro
Latitude: 35 19.77 Norte;
Longitude: 125 50.314
As questões sobre as soluções continuam - continuamos refletindo à medida que nos aproximamos da terra, contemplando o trabalho pela frente. Mudança de comportamento é uma responsabilidade monumental. E a eliminação de plástico de nossas vidas seria impossível. Os problemas começam com nosso consumo ineficiente, excessivo, e de nosso sistema de reciclagem de plástico imperfeito. O conceito de plástico de petróleo com uso durável - designado a durar por milhares de anos - que leva nossas mercearias a embalar sanduíches por hora, é ridículo.
Quinta-feira, 22 de Fevereiro
Latitude: 35 55.923 Norte;
Longitude: 118 45.508
A manhã final de nossa jornada. O propósito desta viagem foi continuar reunindo evidências, responder algumas questões importantes sobre a saúde de nossos oceanos e dar um ultimato a nós mesmos. Nós sabemos que os resíduos de plástico são um problema. Sabemos que eles não devem estar aqui, a milhares de milhas da terra. Sabemos que não é bom para criaturas marinhas engoli-los e que é moralmente errado para nós estar sabotando seu lar.
Mas para que o mundo preste atenção e comece a mudar, precisamos PROVAR isto. Precisamos de dados apurados e de números rígidos que tragam informações aos governos, indústrias e ao público - para mostrar-lhes quão séria esta questão se tornou. Para mais informações sobre o trabalho da Fundação Algalita, veja aqui.
(New Internationalist, Nº 415, Setembro 2008, tradução Cláudia Viegas)
Notas do Tradutor
(1) The Algalita Marine Research Foundation é uma organização dedicada à proteção do ambiente marinho e áreas costeiras por meio de pesquisa, educação e restauração.
(2) Hilo é a cidade mais ao sul dos Estados Unidos, uma região censo-designada localizada no Estado americano de Havaí, no Condado de Havaí. Localiza-se junto à Baía de Hilo e fica perto de duas importantes montanhas: Mauna Loa, um vulcão ativo, e Mauna Kea, onde estão localizados diversos observatórios astronômicos.
(3) Kaula Kaula (seu nome oficial é Ka'ula - é uma ilha das Ilhas do Havaí. É parte do estado norte-americano de Havaí. A ilha não possui habitantes permanentes, mas é freqüentemente usada por pescadores e para exercícios militares.
(4) Espécie de peixe que vive em águas mornas.
(5) Portuguese Man O'War (Physalia physalis), também conhecido como bolha azul, garrafa azul, guerreiro, ou guerreiro Português, é comumente mas erroneamente confundido com a mãe d'água; de fato, não é um animal comum, mas um sifonoforo - uma colônia de quatro tipos de indivíduos altamente especializados, com formato de pólipos e medusas, que são dependentes uns dos outros para sobreviver. Essas colônias pelágicas de hidrozóides ou hidrozoários são infames por suas picadas dolorosas e poderosas.
(6) Briozoários são tênues colônias de animais que geralmente constroem esqueletos de pedra de carbonato de cálcio, superficialmente similar ao coral (embora algumas espécies não tenham qualquer calcificação na colônia e, ao invés disto, tenha uma estrutura de musgo.) Briozoários também são conhecidos como animais musgo ou microscópicos, animacule (o que é literalmente a tradução grega para os briozoários), ou como pólipos do mar. Eles geralmente preferem águas tropicais quentes, mas se sabe de sua existência por todo o mundo. Há cerca de 8 mil espécies vivas, com muitas vezes mais o número das formas fósseis conhecidas.
(7) International Data Line - Situada a 180º graus de latitude, no meio do Oceano Pacífico, é uma linha imaginária que separa dois dias consecutivos do calendário.
(8) Albatroz-errante ou albatroz-gigante (Diomedea exulans) é uma ave da família Diomedeidae que ocorre na maior parte do oceano austral, das margens do gelo que circunda a Antártica (68°S) até o Trópico de Capricórnio (23°S) e, ocasionalmente, até mais ao norte, com alguns registros fora da Califórnia e no Atlântico Norte.
(9) Laysan - Localizada a 808 milhas náuticas (1,496 km) a norte de Honolulu, é uma das ilhas mais ao norte do Havaí
(10) Circulação de Langmuir são faixas de material ou bolhas flutuantes que se formam na superfície da água. Elas se alinham na direção predominante do vento, embora haja, com freqüência, um leve desvio de 0 a 20 graus.
(11) Tubarão Mako - Espécies de tubarão (Isurus paucus e I. oxyrinchus) que são de cor azul escuro por cima e branco por baixo com cabeça alongada e notável por ser um hobby de muitos pescadores.
(12) Foca macaco do Havaí, Monachus schauinslandi, é uma das mais antigas espécies ameaçadas, endêmica às águas das ilhas havaianas.