"O que nós temos de melhor é o trabalhador". São palavras recentes de Roger Agnelli, presidente da Vale, logo antes que a crise estourasse. Poucos meses depois, esses mesmos trabalhadores estão gritando fora dos estabelecimentos da empresa: "Vale, o que é que eu fiz? Desempregado não dá para ser feliz!".
A felicidade que a Vale pinta no rosto dos trabalhadores de suas propagandas (páginas inteiras do jornal paraense nesses dias de FSM) não aparece no rosto dos sindicalistas que assessoram mais uma oficina da campanha "Justiça nos Trilhos". "A Vale e o povo: conflito econômico" é o tema da discussão.
Participam mais de cem pessoas, de Belém e do Pará, de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, do Canadá, do Moçambique e da Itália: os conflitos trabalhistas e os problemas econômicos que Vale refere à crise são comuns em várias partes do mundo. Francuccio Gesualdi, do Centro Novo Modelo de Desenvolvimento (Itália) alerta: "Prestem atenção, pois a crise é para muitas multinacionais a ocasião propícia para 'fazer limpeza' entre seus trabalhadores e justificar grandes cortes nos empregados ou nos salários!"
"Considerem também que o setor da mineração foi o último a ser afetado pela crise, estando no começo da cadeia de produção, e será provavelmente o primeiro a receber subsídios públicos caso o governo queira apoiar a economia", ressaltou.
De fato, até metade de Janeiro, a Vale já tinha demitido no Brasil 1.271 trabalhadores diretos, e cerca de 12.000 indiretos. Hoje a empresa propõe para seus empregados reduções de salários de até 25%, quando os acordos sindicais permitem um máximo de 15%, e oferece a muitos as férias coletivas, que Felipe Pedro, do Metabase de Itabira (MG) define simplesmente como "pré-demissões".
"O paradoxo - acrescenta Novarck de Oliveira, do sindicato dos ferroviários de Pará, Maranhão e Tocantins - é que a Vale está pagando as indenizações para os trabalhadores demitidos com o próprio dinheiro dos trabalhadores!". De fato, a Vale em abril de 2008 recebeu do BNDES 7,48 bilhões de reais para 'fazer caixa'; trata-se de dinheiro público (vem dos fundos trabalhistas, do FGTS, do FAT).
Felipe Pedro tenta fazer as contas no bolso da multinacional: "Vale tem ao todo uma reserva de dinheiro de 15 bilhões de dólares e gasta anualmente só 1 bilhão para a folha de pagamento de seus trabalhadores; por que pelo menos por um ano ela não quis investir esse seu fundo de segurança para manter todos os seus trabalhadores no serviço, se são eles, ao dizer de Agnelli, o verdadeiro tesouro da companhia?"
Helciane Araújo ajuda a enxergar o conflito econômico entre a Vale e o povo desde uma outra perspectiva. Ela é socióloga e realizou, com alguns estagiários da UEMA, uma pesquisa de campo em vários povoados ao longo dos trilhos de Carajás.
"Várias pessoas, para ganhar um ‘trocadinho’ e sobreviver, não têm outra possibilidade a não ser vender comida pelas janelas do trem que passa. Entrevistei velhinhas e crianças que a cada dois dias ficam esperando horas ao longo dos trilhos e correm agitadas para cima e para baixo nos poucos minutos que o trem dos passageiros pára ao lado de seu povoado".
Helciane destaca as condições de miséria desses povoados, em forte contraste com o 'dinheiro mineral' que passa a cada hora na frente deles: "Há lixões nas portas das casas, nas áreas de lazer; não há tratamento da água e 86% das casas não têm esgoto; 54% das famílias só vivem com um salário mínimo; existem graves problemas ambientais e, em relação à Vale, o povo se queixa pelos acidentes ao longo da ferrovia, mortes de pessoas e animais, barulho, poluição, corte das estradas e divisão dos povoados pela linha de ferro".
O debate a partir dessas situações desafiadoras se esquenta no FSM e introduz experiências do exterior, onde já se viveram conflitos desse tipo (Canadá) ou onde ainda estão sendo esperados (Moçambique, por conta de próximos grandes investimentos em mineração da Vale).
É opinião comum que a estratégia mais eficaz de enfrentamento à Vale seja atacá-la na imagem que ela retrata de si, mostrando as contradições. Também é necessário reforçar alianças entre os trabalhadores e sindicatos, além de entrelaçar laços de resistência, denúncia e conscientização nos vários povoados atingidos ao longo dos trilhos e no Brasil inteiro.
A agenda para a campanha "Justiça nos Trilhos" já se faz desafiadora!
(Adital, 02/02/2009)
*Parceria Adital - Ecooos Cambonianos Brasil Nordeste pela Justiça e Paz www.combonianosbne.org - www.justicanostrilhos.org