Há tempos o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o da Agricultura, Reinhold Stephanes, se estranham em público e recentemente descambaram para as ofensas pessoais. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, resolveu intervir, pediu que parassem de brigar e, caso contrário, entregassem a carta de demissão. Para o presidente, divergências devem ser resolvidas "dentro do governo". Pois este é justamente o caso há meses e toda vez que questões relevantes são empurradas para baixo do tapete, e o árbitro não aparece, elas voltam à tona de forma estridente.
Mais do que uma arbitragem, as relevantes polêmicas que dividem Minc e Stephanes deveriam ser dirimidas por uma política oficial clara e cristalina. O governo brasileiro adquiriu posição de destaque nas negociações internacionais contra o aquecimento global, concluiu um elogiado plano contra o desmatamento na Amazônia e, por isso, deveria exercer extrema vigilância sobre medidas que possam minar esta credibilidade e trazer prejuízos ao país.
Há enorme pressão internacional para que os países emergentes assumam metas de redução das emissões de carbono na atmosfera e o Brasil defende ao mesmo tempo, com algum apoio de países desenvolvidos, a necessidade de que a redução do desflorestamento seja bancada por fundos internacionais constituídos pelas nações ricas.
Este ano será decisivo para a definição de um acordo global que substitua o protocolo de Kyoto e estabeleça metas significativas de redução das emissões. Minc e Stephanes já mexeram com fogo ao fechar acordos que permitem aos agricultores que desmataram além dos limites legais realizar a recuperação de florestas e matas nativas em outros locais e cultivar plantas exóticas nas áreas devastadas.
Nas discussões sobre o novo Código Florestal, que está no Congresso há décadas, Stephanes propôs a redução da reserva legal na Amazônia de 80% para 50%. Assim, ou o plano para conter o desmatamento amazônico, elogiado internacionalmente, era para ingleses e ONGs verem, e não ser levado a sério aqui, ou um ministro não poderia propor ao Congresso a redução da reserva legal.
Cabe ao presidente zelar pelas políticas de seu governo, e coibir seus auxiliares que tentam desrespeitá-las. Stephanes não está onde está para "representar" interesses de agricultores, nem Minc para agradar aos "companheiros" ambientalistas e fazer pose para ONGs. A representação cabe aos parlamentares. Ministros existem para executar políticas de governo e defendê-las.
Os ministros divergiram publicamente sobre a autorização para o plantio de cana em áreas do Pantanal ocupadas por pastagens ou culturas. O script da novela piorou. Dessa vez, Minc e Stephanes foram à Casa Civil e saíram cada um dizendo uma coisa - que a autorização para o plantio fora e não fora dada.
Como se fosse pouco, os embates prosseguiram, tendo como campo de batalha o Código Florestal. Stephanes defendeu anistia para os desmatadores de Áreas de Proteção Permanente, enquanto Minc acenou no início com um acordo que contivesse exceções para a regra do decreto que assinara para reforçar a Lei de Crimes Ambientais ("O Globo", 26 de janeiro).
Pressão de ambientalistas de um lado, de ruralistas de outro, boicote a reuniões no Congresso e mudanças de posição de Minc em relação ao compromisso que esboçara levaram à ruptura pública entre os dois ministros.
O que parece ter irritado mais o presidente Lula foi o fato de Minc ter pedido a mediação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como se esta não fosse uma das funções dela. Predileta do presidente para disputar sua sucessão, ela já começa a ser blindada pelo Planalto. Lula não quis que Dilma se envolvesse e acabasse por desagradar aos ambientalistas, aos ruralistas ou a ambos. E até agora não apareceu um árbitro. Essa parece ser a sina das questões ambientais no país.
O ministério da área tem de levar suas posições a extremos limites até que se abra uma polêmica pública e o presidente defina sua posição. As brigas de Minc e Stephanes revelam falta de norte do governo em relação às políticas ambientais. Este amadorismo é incompatível com os compromissos e a responsabilidade que o Brasil tem com as negociações sobre o clima - e serve claramente para desmoralizá-los.
(Valor Econômico, 30/01/2009)