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praga de gafanhotos
2009-01-30

De médico e de monstro, todo gafanhoto tem um pouco. Esse poderia ser o título de um estudo que acaba de revelar como uma espécie inofensiva e reclusa deste inseto pode se transformar numa praga devastadora. Biólogos revelaram que a serotonina - a mesma substância cuja falta no cérebro humano pode levar à depressão - faz os gafanhotos mudarem de visual e comportamento.

O gafanhoto-do-deserto (Schistocerca gregaria) é uma praga capaz de causar graves perdas na agricultura na Ásia, África e Austrália. Mais conhecido como uma das pragas bíblicas lançadas contra o Egito, seus enxames podem ter bilhões de insetos.

E 20% do mundo é vulnerável à praga, segundo Stephen Rogers, biólogo da Universidade de Cambridge e um dos autores do estudo, publicado na edição de hoje da revista científica "Science". Normalmente, o gafanhoto vive isolado. Mas, quando chove e a vegetação cresce, ele se reproduz e aumenta a sua densidade. Ele passa a se tornar gregário. Pesquisas anteriores tinham mostrado que estímulos físicos causam a mudança - cheiro, visão e toque de outros gafanhotos. Em dado momento, o comportamento gregário agrupa um enxame migratório em busca de comida.

O novo estudo demonstrou que os insetos operando no "modo gregário" tinham cerca de três vezes mais serotonina no sistema nervoso do que aqueles em "modo solitário". "A serotonina é encontrada em todo o reino animal, no qual um dos seus papéis é alterar o modo com que as células nervosas se comunicam", disse Rogers à Folha. "Muitas vezes, ela atua no contexto de alterar o modo como os animais respondem a estímulos vindos de outros animais."

Em várias espécies, ela regula a agressividade. Em humanos, a sensação de bem-estar ou depressão. "Nos gafanhotos, foi cooptada para produzir a mudança de comportamento que precede a formação do enxame", diz Rogers.

Poção mágica
O neurotransmissor tem no gafanhoto um efeito como o da famosa poção tomada pelo bondoso médico Henry Jekyll, transformando-o no maligno Sr. Edward Hyde, do clássico romance do escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894). Assim como no livro "O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde", se suspeitava que os dois fossem pessoas diferentes. Só em 1921 que foi provado que o gafanhoto verde-solitário e o amarelo-gregário eram a mesma espécie. A serotonina faz o bicho pacato enveredar pela formação de quadrilha.

Andar em bando tem suas vantagens. "Um enxame acontece quando os gafanhotos têm que se mover para fora de uma área que não mais é capaz de suportá-los e achar comida em outra parte. Sendo móveis eles são mais conspícuos, mas os números dão segurança", diz Rogers. "Se você está sozinho e um predador o detecta, você é o alvo. Se você faz parte de um grupo, você é apenas um alvo possível entre muitos".

Em "modo enxame", o gafanhoto pode comer o equivalente ao seu peso em um dia. O enxame pode voar 100 km entre cinco e oito horas, devastando o que encontra pelo caminho. O biólogo alemão Paul Stevenson, que comenta a descoberta em outro artigo, diz que o estudo de Rogers ajudará a criar um método de controle da praga, mas não será fácil. Para impedir a formação de enxames, drogas antisserotonina teriam de ser aplicadas em grandes extensões de habitat do gafanhoto solitário e conseguir penetrar o corpo do inseto.

(Por Ricardo Bonalume Neto, Folha de S. Paulo, 30/01/2009)


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