Um grupo de cientistas na Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, identificou uma mutação genética que permite que vermes nematoides sobrevivam em condições extremas com níveis muito baixos de oxigênio.
Segundo os pesquisadores, a sobrevivência em ambientes de hipóxia pode ter importante implicações em tratamentos de alguns dos problemas de saúde mais comuns aos humanos, como infarto, derrame ou câncer. A sensibilidade a situações de pouco oxigênio ajuda a determinar a extensão dessas condições médicas.
O estudo está sendo publicado na edição desta sexta-feira (30/01) da revista Science.
“Em casos de derrame ou infarto, células morrem porque ficam sem oxigênio. No câncer, ocorre o contrário. Células cancerosas são muitas vezes resistentes à hipóxia e seu potencial de se espalhar pelo corpo tende a se relacionar com o grau de sua resistência ao cenário de baixo oxigênio”, disse Michael Crowder, um dos autores da pesquisa.
Segundo ele, quando se entender melhor como as células se protegem da privação de oxigênio, será possível desenvolver terapias mais eficientes para tais casos. Para infarto ou derrame, as alternativas envolveriam tornar as células saudáveis mais resistentes à hipóxia. Terapias contra o câncer poderiam funcionar melhor se fosse possível tornar as células menos resistentes à hipóxia.
No estudo agora publicado, Crowder e colegas manipularam genes no Caenorhabditis elegans de modo a alterar a sensibilidade do verme a ambientes com níveis baixos de oxigênio. A modificação foi conseguida por meio da identificação do gene que controla a tradução da informação genética em proteínas específicas.
De acordo com os autores, inibir a tradução – ou síntese – ajuda a proteger as células da hipóxia por meio da redução do consumo de energia, uma vez que a produção de proteínas exige muito gasto energético. Os pesquisadores se surpreenderam com o grau de resistência conseguido após o corte na taxa de tradução.
Em um segundo experimento, eles induziram uma outra mutação nos vermes de modo a avaliar seu efeito na primeira modificação. A segunda mutação afetava um processo conhecido como enovelamento de proteínas.
“Em algumas células, verificamos que a hipóxia gerou proteínas não enoveladas. Identificamos então uma carga dessas proteínas que podem ser tóxicas e promover a morte celular por falta de oxigênio. Imaginamos que suprimir o processo de síntese na célula a tornaria resistente à hipóxia por meio da redução de proteínas não enoveladas e foi justamente o que observamos”, afirmou Crowder.
O enovelamento é importante para fazer com que as proteínas funcionem corretamente. Cada proteína tem formas específicas e locais ativos que se unem aos de outras proteínas de modo a realizar funções variadas. Se uma determinada proteína não se enovelar em uma forma apropriada, ela não realizará sua função corretamente.
O novo estudo sugere que um número menor de proteínas não enoveladas pode tornar a exposição a baixos níveis de oxigênio menos tóxico, ou seja, mais tolerada.
Ligar as descobertas obtidas em potenciais terapias para doenças humanas implica um longo trabalho a fazer. O grupo da Universidade de Washington pretende inicialmente verificar se a técnica se aplica a outros cenários, como na proteção de neurônios em mamíferos.
“No momento, estamos apenas arranhando a superfície dos mecanismos fundamentais que controlam os danos causados pela hipóxia. Pode ser que a síntese de proteínas não seja a resposta, mas também pode ser que ela nos conduza a uma resposta. Ela já nos trouxe até aqui”, disse Crowder.
O artigo "Survival from hypoxia in C. elegans by inactivation of aminoacyl-tRNA synthetases", de Michael Crowder e outros, pode ser lido por assinantes da Science.
(Agência Fapesp, 30/01/2009)