O incêndio de segunda-feira na Vila Chocolatão destruiu quase metade dos casebres, mais de 50. Passa de 250 o número de desabrigados. A maior parte deles é crianças. Depois da chuva da noite de quarta, o terreno estava todo embarrado.
Seu Paulo Roberto Soares Correia fazia um sopão para sua família com um pacote de massa. Além disso, café preto. Ele está morando provisoriamente num galpão de reciclagem com sua mulher, seus quatro filhos e seus cachorros – um deles chama-se Faísca. Nome ruim para um cão que vive em um local que incendiou sete vezes desde 2003.
Paulo aponta para a região agora terraplanada e diz “eu moro ali, queimou tudo”. Apesar das perdas provocadas pelos incêndios recorrentes e do prazo de dez meses que têm para deixar o terreno da Justiça Federal, o discurso dos moradores é sempre o mesmo. “Vão fazer casas de emergência, mas o pessoal não quer sair daqui. É uma questão de sobrevivência”, diz ele. Na mesma linha, Marlene Isabel Queiroz de Souza, moradora da Chocolatão desde 1984, argumenta: “lá na Zona Norte vamos morrer de fome, porque aqui todo mundo puxa carro”. A maior fonte de renda da comunidade é a separação de lixo reciclável.
Na vila há muita solidariedade. “Cada pessoa agasalhou uma família”, diz Marlene. Há quase tanto cachorro quanto pessoas em frente aos barracos que sobraram. No meio do terreno há ainda alguns sinais da queimada, mas já está limpo e aterrado. Ali serão construídas casas de emergência, de 3 metros por 3 metros. Três bares queimaram, com todos os produtos que eram vendidos e o dinheiro. Antônio Lázaro Silva de Oliveira também não teve sorte: “Estou na casa de um vizinho. Não deu para salvar nem os documentos”.
Doações de estantes e armários foram feitas de forma misteriosa. No bar Dois Irmãos, que não foi atingido pelo fogo, Fabiano diz: “Se não foi um anjo, foi uma anja”. Se aqueles móveis vão caber nas casas que deverão ser construídas para a comunidade, é outra questão. Neste bar, alguns objetos que foram salvos das chamas, entre eles um fogão de seis bocas e uma moto.
Outros pavilhões de separação de lixo também viraram dormitórios. Na vila há uma pracinha e uma estrutura de banheiros com tanques de lavar roupa. Os casebres construídos com lonas, telhas e madeira, junto com o lixo espalhado pelo chão, produzem um colorido estranho para a paisagem. O café da manhã da criançada da vila foi banana e copinhos d’água. Um ou outro adulto apareceu com um pedaço de pão na mão. Na casa onde a comida é distribuída há também pilhas de roupas.
De todos os políticos que passaram pela Chocolatão na época da eleição, só apareceram por lá durante o incêndio os vereadores Pedro Ruas e Carlos Comassetto, e o prefeito Fogaça, que “entrou lá por trás, pelo lado limpo”, diz Tia Lena. Ao sair da vila, o homem que veio junto com os caminhões preparar o terreno para a construção das casas de emergência disse: “Pessoal relaxado, deixa tudo sujo”. Não é por nada, afinal eles vivem recolhendo lixo nas ruas.
(Por Daiane Menezes, Jornal JÁ, 29/01/2009)