Belém registra a maior participação de povos indígenas no Fórum Social Mundial. São quase dois mil índios de 85 povos de toda a América que vieram ao Fórum a fim de chamar a atenção dos tomadores de decisão para a Amazônia e exigir o reconhecimento da humanidade pelos “serviços ambientais prestados em proteger, conservar e evitar o desmatamento da floresta”.
BELÉM - A frase do índio Marcos, do povo Apurinã, dá sentido à presença dos 85 povos indígenas que estão participando do Fórum Social Mundial em Belém: “Nossa casa grande tem que ser reconstruída”, disse Marcos, um dos quase dois mil índios que, na manhã do dia 27, em frente ao palco principal do Acampamento Intercontinental da Juventude, no campus da UFRA, participaram da montagem de uma “faixa humana” formando a frase “Salve a Amazônia”. Marcos é de um povo genuinamente amazônico. Os Apurinãs vivem às margens do rio Purus.
Ostentando cocares multicoloridos, arcos e flechas, chocalhos e corpos pintados com cores primárias, índios do Brasil, Bolívia, Argentina, Peru, Equador, Venezuela, Guatemala, México, Panamá, Belice, Nicarágua, Colômbia, Honduras, Uruguai e Costa Rica pretenderam chamar a atenção das autoridades para a sua “continuidade como seres humanos diversos” e reafirmam algumas deliberações da Carta de Cuiabá quando as principais organizações indígenas da América Latina (Coica, da Bacia Amazônica; CICA , da América Central; Coordenação Andina; Coiab, da Amazônia Brasileira) exigiram que todos os Governos avaliem as conseqüências e readequem os grandes projetos de desenvolvimento e infra-estrutura que ameaçam as florestas e os povos e territórios indígenas e que provocam grandes desmatamento das florestas. “Sem isso, a humanidade não conseguirá conter o agravamento das mudanças climáticas,” alerta Marcos Apurinã.
Os índios pedem ainda o reconhecimento pelo que chamam de “serviços ambientais prestados” pelos povos em proteger, conservar e evitar desmatamento na floresta Amazônica e outros biomas. “Afinal, sem as florestas indígenas as mudanças climáticas serão grandemente agravadas e a humanidade não sobrevivera”, finaliza Marcos.
Egberto Tabo Chipanuvi, do povo Cavineño, coordenador da Coica (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica) veio a Belém por considerar que o Fórum é uma oportunidade única para conscientizar os idealizadores de política de todo o mundo de que a Amazônia está em risco. “Nós, os povos indígenas, desenvolvemos formas sustentáveis que mantém a natureza e não estamos de acordo com o depredadores”.
Datsiparabu
Depois de uma breve cerimônia de purificação (chamada Datsiparabu – coreografia enérgica que busca a comunicação com os espíritos) realizada por dois representantes do povo xavante, foi lido o manifesto dos povos indígenas da Amazônia:
“Com a permissão dos espíritos, de nossos ancestrais, aqui, nós, os povos indígenas e nossos amigos e amigas de todos os centros da terra, com nossos corpos, construímos este símbolo como um clamor dos seres viventes dessa verde floresta, deste planeta, por nossa continuidade como humanos e diversos.
O símbolo, em posição de flechar, tem três significados: o primeiro, nosso alvo, os tomadores de decisões, cada homem, cada mulher, cada criança para cuidar de nosso planeta; o segundo, uma posição de defesa dos direitos dos povos indígenas e da natureza do planeta, da nossa casa, a Amazônia; o terceiro, enviamos uma mensagem ao mundo para que cada um ajude proteger nossa morada, nosso ar, nossa água, nosso alimento.
A cerimônia Datsiparabu é a purificação de nossa mente, nosso espírito, nossa alma, nossos corações. Salve a Amazônia!”
Formada a “faixa humana” filmada a partir de dois helicópteros, cada povo realizou rituais festivos próprios com cantos e danças.
Zootécnica que trabalha com agroecologia no Espírito Santo, Gelma Boniares, 29 anos, era uma das muitas representantes do povo branco que, na cerimônia, ajudavam a formar a faixa. “O espírito de comunhão manifestado aqui pelos povos indígenas, é uma das coisas de que o mundo necessita para ser outro, para mudar, para ser melhor”.
(Por João Manoel de Oliveira, Carta Maior, 28/01/2009)