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áreas protegidas terras quilombolas parque nacional dos aparados da serra
2009-01-29

Quem se interessa por conservação da natureza devia atentar sobre uma reunião para lá de importante que acontece em Brasília, na semana que vem. Conciliadores da Advocacia-Geral da União (AGU) darão prosseguimento a uma delicada negociação entre Instituto Chico Mendes (ICMBio) e Incra, dia 3 de fevereiro. A missão é resolver com quem ficam 2.400 hectares pleiteados por uma comunidade quilombola dentro dos parques nacionais de Serra Geral e Aparados da Serra, ambos na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.

Segundo a AGU, a reunião pretende fazer com que cada órgão federal apresente propostas para solução do impasse, a ser posta em prática o quanto antes. Este é o processo de conciliação mais avançado da categoria. Mas outros seis, não menos complicados, estão na fila de espera.

Além dos parques no Sul, a câmara de conciliação instaurada na AGU trata de processos de sobreposição envolvendo áreas quilombolas e unidades de conservação no Amazonas (Parque Nacional do Jaú e comunidade de Tambor), Amapá (Parque Nacional do Cabo Orange e comunidade Cunani), Minas Gerais (Reserva Biológica da Mata Escura e comunidade de Mumbuca), Pará (Reserva Biológica do rio Trombetas e Floresta Nacional de Sacará-Taquera e comunidades Abuí, Paraná do Abuí, Tapagem, Sagrado Coração e Mãe Cué) e Rondônia (Reserva Biológica do Guaporé e comunidade de Santo Antônio do Guaporé). Se todos esses pleitos forem aceitos pelo governo, mais de um milhão de hectares (quase o dobro da área do Distrito Federal) podem ser destinados a pessoas reconhecidas como quilombolas.

De acordo com a diretora da câmara de conciliação, Hélia Bettero, qualquer órgão da administração federal pode solicitar a abertura de um processo na AGU para resolver conflitos com outro dessa esfera de governo. Desde setembro de 2007 é assim. “Entendemos que não temos partes adversas, mas interessadas na construção de soluções para o conflito”, explica. É por isso que, quando não há resolução aparente, os casos são encaminhados para uma espécie de “campo neutro” na Advocacia-Geral da União.

Conciliadora no processo dos parques nacionais no Sul, Sávia Gonçalves, da AGU, esclarece que a intenção é garantir que ICMBio e Incra consigam efetivar sua política pública – conservar a natureza e titular áreas de comunidades reconhecidas como quilombolas. “A administração não pode criar o caos para si mesma. A manutenção da controvérsia é prejudicial a todos, inclusive para a sociedade, por isso conversamos com os órgãos federais, estimulamos um diálogo para encontrar a conciliação”, diz.

Em muitos casos, esse caos é atribuído a fortes críticas diante do pleito dos quilombolas. É o caso da reivindicação de mais de 40 mil hectares de áreas alagadas na Reserva Biológica do Guaporé, a uma comunidade que vivia da extração de borracha em áreas de terra firme próximas dali. Ou a mais de 700 mil hectares de dentro do Parque Nacional do Jaú a uma comunidade que teria se originado de um casal descendente de escravos radicado no Amazonas, após 1910.

De todo modo, uma vez que o choque de interesses se estabelece, os conciliadores tentam chegar a algo que, em sua visão, não comprometa a execução das políticas do governo de maneira geral. “O ideal seria o melhor consenso. Se, hipoteticamente, há sobreposição de 30%, o ICMBio cederia 10%, o Incra outros 10% e os 10% restantes poderiam mudar de categoria, para que haja preservação do interesse ambiental e os quilombolas não precisem sair”, sugere Sávia.

Complicadores
No entanto, os conciliadores sabem que chegar até este consenso não é tarefa simples. Segundo Deonir Zimmermann, chefe dos parques nacionais do Sul, o ICMBio reuniu provas, utilizadas para a elaboração da defesa do órgão, mostrando que o laudo antropológico que baseou a demarcação do território quilombola é uma farsa. “Se algum dia houve algum quilombo na região, ele se localiza muito longe do local reivindicado”, conta. Por esse motivo, acredita ser difícil propor uma conciliação quando existe discordância sobre o próprio fato da legitimidade do quilombo. Além disso, a zona pleiteada pela comunidade São Roque, dentro dos parques nacionais, inclui o cânion Faxinalzinho, muitas áreas de preservação permanente por conta da proximidade com o rio e declividade acentuada, em sua maioria de Mata Atlântica. “Já há regiões abertas, autuadas e embargadas. Para alojar todas as famílias, necessariamente terá que haver mais desmatamento”, explica o chefe.

Mas, se não houver acordo possível, a decisão caberá aos conciliadores e, como nos demais casos, será homologada pelo advogado-geral da União. Constará no termo de conciliação em quanto tempo ela deverá ser implementada e, como a AGU é o órgão máximo de assessoramento do poder executivo, não cabe mais recurso. “Os interessados querem colocar a solução em prática, é uma ótica diferente de um processo judicial, pois se pressupõe que as duas partes queiram colaborar para solucionar o conflito”, complementa Hélia Bettero.

Posição do Chico Mendes
Para uma colaboração mais justa, é preciso preparo. Mas, internamente, ainda sobram dúvidas. Segundo Zimmermann, houve uma reunião em novembro com a coordenação de regularização fundiária do ICMBio, que estava prestes a mudar de responsável, mas até a semana passada ninguém ainda havia entrado em contato com as unidades de conservação para acertar os detalhes dos próximos passos dentro da câmara.

Rômulo Mello, presidente do ICMBio, assegura que suas equipes estão orientadas para buscar a integridade das duas unidades de conservação. Se o direito consolidado dos quilombolas for comprovado, buscará negociação. “Podemos eventualmente propor uma mudança de categoria, mas se não for possível, vamos ver a perspectiva de desafetação e ampliação dos parques para outras áreas. Vamos brigar pelas unidades, questionar tecnicamente os laudos. Mas não havendo possibilidade de convergência, estaremos sujeitos a uma decisão política superior”, considera.

Como há casos semelhantes em processo, a expectativa é a de que a decisão para os parques sulistas possa influenciar outros conflitos. Mas, para a AGU, nem sempre um caso vai abrir precedente para o outro. “Temos que partir da idéia de que estamos evoluindo. Podemos tirar uma boa primeira decisão. E no segundo caso, vamos tentar fazer melhor, e assim por diante”, considera Sávia Gonçalves.

Ainda segundo ela, as conciliações podem demorar dias, meses ou anos, dependendo do cumprimento do cronograma entre as partes. “Não temos uma prévia definição cronológica, como no processo judicial, mas buscamos a melhor solução, no menor tempo e com menor dispendio de recursos”, explica Sávia. Enquanto isso, nas pontas, a administração da área segue ansiosa por uma definição favorável às unidades de conservação. “Continuamos trabalhando como sempre, autuando algumas pessoas, que se dizem quilombolas, por desmatamento dentro e fora do parque, mas não porque são quilombolas, e sim porque estão infringindo a legislação ambiental”, explica Zimmermann.

O Incra foi procurado pela reportagem, mas não quis conceder entrevista.
Veja mais:
Cartilha da AGU sobre a câmara de conciliação

Serras quilombolas

Quilombo até embaixo d’água

Nem a escravidão fez tanto quilombo

Mais quilombo, menos parque

Correções necessárias

(Por Andreia Fanzeres, OEco, 28/01/2009)


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