O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira foi apresentado como a salvação econômica e social para o povo de Rondônia e energética para o Brasil. Mas a verdade é outra.
Em 2003, o projeto do Complexo do Madeira foi apresentado no seminário internacional de co-financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e da Corporação Andina de Fomento (CAF) e identificado como uma fonte de energia renovável, de larga escala, competitiva e, portanto, de interesse do País. Sob a ótica dessa apresentação feita por Furnas Centrais Elétricas S.A. e Construtora Norberto Odebrecht, ele lideraria a era de interiorização do desenvolvimento da América do Sul no bojo do projeto da Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul Americana (IIRSA).
A possibilidade fictícia de estabelecer um novo paradigma tecnológico de geração hidrelétrica em rios de planície, como o Rio Madeira, presentes na Bacia Amazônica, com determinadas características de velocidade e volume de água, foi cantada em verso e em prosa pelos empreendedores, às fontes de financiamento futuro.
Sob o aliciamento de instituições públicas e privadas, os empreendedores acenaram criminosamente com uma oportunidade para a população da região usufruir de benefícios utópicos. Com a falsa intenção de preparar a sociedade para assumir compromissos e enfrentar os riscos e desafios oriundos da implantação de um capital físico do porte do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, criaram o sonho.
Energia essencial para quem? - O primeiro devaneio que pretendia justificar esse projeto como âncora do eixo de integração Brasil/Peru/Bolívia da IIRSA seria o de superar os obstáculos naturais à navegação do Rio Madeira e seus afluentes, com a construção de eclusas. No segundo, o estado de Rondônia iria suprir o País de energia em quantidade expressiva gerada pelas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau. Mais uma falácia para vender a obra.
No entanto, o Plano Decenal de Energia (PDE) 2008/2017, lançado em dezembro de 2008, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mostra que as usinas Santo Antônio e Jirau deverão contribuir com apenas 6,3% da capacidade instalada do País, até o horizonte de 2017.
Para reforçar a necessidade visceral do governo pelos empreendimentos que mudariam para sempre a face da Amazônia, e justificá-los, foram inventados outros “benefícios” que eles trariam, como a integração da infra-estrutura energética e de transporte entre o Brasil, Bolívia e Peru; a consolidação de pólo de desenvolvimento industrial do agronegócio na região Centro-Oeste; a integração elétrica dos estados de Rondônia, Acre, Mato Grosso e Amazonas ao Sistema Elétrico Interligado brasileiro; acréscimo de 4.225 quilômetros de rios navegáveis à montante de Porto Velho – Brasil, Bolívia e Peru; e geração de energia a baixo custo.
Nessa época [2003], faziam parte do Complexo outra hidrelétrica e a hidrovia no trecho binacional Abunã – Guajará-Mirim, que estavam na fase de estudos de inventário. O governo boliviano já havia sido contatado e os estudos em território nacional iniciados. Faltou informarem aos bolivianos a técnica dos “Impactos Teleguiados” .
Os valores dos investimentos previstos para as usinas e as eclusas do Complexo do Madeira estavam calculados em dólares. Para Santo Antônio seriam necessários US$ 2,7 bilhões; para Jirau, US$ 2,5 bilhões; para o sistema de transmissão, US$ 650 milhões; e para as duas eclusas, US$ 106 milhões e US$ 127 milhões. Os investimentos para os projetos no trecho binacional Abunã – Guajará-Mirim, ainda na fase de estudos de inventário, não tinham sido estabelecidos.
Trata-se da implantação de uma “lógica econômica” e que, na verdade, é uma lógica perversa. A que os investimentos trariam a ocupação de áreas de baixa densidade populacional - a floresta - com benefício local e regional.
Um “santo” projeto - Calcularam, inclusive, um aumento da produção agrícola de 25 milhões de toneladas/ano e redução do custo de produção, além de se induzir a maior acessibilidade à região, que nessa lógica perversa seria, na verdade, a indução à ocupação . Acrescentaram à “lógica econômica” da destruição, os incríveis “beneficios” nacionais, como a melhoria do saldo da balança comercial com o aumento das exportações, a descompressão das grandes cidades, o impacto positivo na indústria de equipamento e insumos agrícolas. O Rio Madeira se transformaria num verdadeiro milagre para o capitalismo.
O libelo continuaria, ainda, com o aumento das encomendas na indústria de base, de turbinas, geradores e outros equipamentos para as usinas. Com o alívio dos portos de exportação do Sudeste depois da criação de uma alternativa em Itacoatiara. Empreendedores e governo intuíram também “benefícios” multinacionais como a integração completa entre o Brasil, Bolívia e Peru, a facilitação do acesso ao Oceano Pacífico e ao mercado asiático para o Brasil e a Bolívia, o combate ao narcotráfico, a facilitação do acesso ao Oceano Atlântico e ao mercado europeu para a Bolívia e o Peru, o incremento da produção agrícola na Bolívia em 24 milhões toneladas/ano. O paraíso seria atingido facilmente!
Toda essa lógica perversa que foi criada em 2003 para “vender” o Complexo do Madeira fez a sociedade acreditar numa utopia de geração de riquezas com a construção de pictóricas obras encravadas na Amazônia. Pura fantasia de “benefícios” socioambientais. Argumentos mirabolantes, como o de construir usinas de baixa queda e usar turbinas bulbo como forma de reduzir as áreas alagadas, passaram a ser veiculados pela imprensa como verdades oniscientes. A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva chegou a dar entrevistas anunciando que haviam resolvido o problema dos grandes impactos ambientais com a utilização de turbinas bulbo!
Considerar a viabilização da diversidade agrícola no Centro-Oeste como benefício é o mesmo que incentivar o recrudescimento da marcha do agronegócio sobre a floresta e sobre os biomas. Que as hidrelétricas do Madeira iriam, inclusive, substituir a geração térmica, foi outro grande engodo. Mais uma vez o Plano Decenal de Energia 2008/2017 é a prova da grande mentira em que se transformou o projeto do Madeira. Ele prevê um acréscimo da ordem de 135% em geração termelétrica que exigirá investimentos de R$ 9 bilhões. Então, onde está o milagre do Madeira?
Outros “benefícios” ambientais, ainda, foram inventados pelos então planejadores de empreendimentos milagrosos. O Complexo do Madeira, enganoso paradigma na implantação de projetos de infra-estrutura sustentável na Amazônia, traria, pasmem, até um descongestionamento do tráfego na região Sudeste.
Incrível poder de fascínio!
“Trata-se da implantação de uma “lógica econômica” e que, na verdade, é uma lógica perversa.”
“O Plano Decenal de Energia 2008/2017... prevê um acréscimo da ordem de 135% em geração termelétrica que exigirá investimentos de R$ 9 bilhões. Onde está o milagre do Madeira?”
(Por Telma Delgado Monteiro, texto recebido por E-mail, 28/01/2009)