Os preços atuais do barril do petróleo não favorecem os investimentos em alternativas energéticas. Contudo, como a busca de uma matriz energética global mais limpa é imprescindível para que se combata o aquecimento do planeta, a ação dos governos será essencial. É o que avaliam os professores Roberto Schaeffer, da Coppe, e José Goldenberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE-USP).
"No atual patamar de preços, fora o nosso etanol, nada mais é economicamente viável", salienta Schaeffer, responsável pelo programa de planejamento energético da Coppe e membro do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC). Segundo ele, até mesmo os investimentos em petróleo, como no pré-sal brasileiro, devem ser analisados com cautela. Afinal, depois da drástica redução de consumo provocada pela crise, há uma folga estimada de 5% na produção mundial. Em resumo, dependendo do ritmo de recuperação da economia, a oferta poderá continuar sendo maior do que a demanda por mais dois anos. Logo, os preços do barril podem continuar baixos, quando comparados aos praticados faz menos de um ano.
Schaeffer considera, contudo, que o interesse estratégico dos norte-americanos pode levar o preço do barril a oscilar mais perto da casa dos US$ 65, o que viabiliza a extração de óleo das areias betuminosas do Canadá e, obviamente, reduz a dependência da produção do Oriente Médio.
"Não acredito que o preço fique abaixo de US$ 35 ou US$ 40, já que os custos de produção estão na casa de US$ 25 a US$ 30. O petróleo que custa menos de US$ 5, na Arábia Saudita, é aquele cujas estruturas foram montadas há 30, 40 anos e já estão pagas", diz o professor Goldenberg.
Ele lembra, porém, que o custo da emissão do carbono na atmosfera não está no preço do petróleo. "Deveria ser cobrada uma taxa, como são cobradas as taxas de lixo ou o custo para coletar o esgoto das residências", explica, para depois acrescentar que o preço dessa possível taxa já foi estimado entre US$ 20 e US$ 50 por tonelada de CO2 emitido. Estima-se que a emissão anual média de um carro seja de uma tonelada por ano.
Goldenberg diz que o custo da emissão de carbono na atmosfera não está no preço porque é uma externalidade. Nicholas Stern, autor do relatório encomendado pelo governo britânico sobre o impacto econômico das mudanças ambientais provocadas pelo efeito estufa, afirmou que essa externalidade é também a responsável pelo maior erro já cometido pelo mercado na história da humanidade: o de não saber precificar o custo gerado para as gerações futuras pelo impacto ambiental provocado pelas atuais gerações.
As externalidades têm efeitos positivos ou negativos - em termos de custos ou de benefícios - gerados pelas atividades de produção ou consumo exercidas por um agente econômico e que atingem os demais agentes, sem que estes tenham oportunidade de impedi-los ou a obrigação de pagá-los. Portanto, externalidades referem-se ao impacto de uma decisão sobre aqueles que não participaram dessa decisão.
Um exemplo típico de externalidade negativa é a da fábrica que polui o ar, afetando a comunidade próxima. Cabe ao Estado criar ou estimular a instalação de atividades que constituam externalidades positivas, e impedir ou inibir a geração de externalidades negativas. A cobrança de taxa proposta por Goldenberg serviria para fazer exatamente isso.
Até porque o desafio é colossal. O mundo deve ter cerca de 8,2 bilhões de seres humanos em 2030. Destes, 61% vão viver em cidades - onde viviam 49% da população global de 6,1 bilhões em 2000. Para atender esse conjunto, segundo a Energy Information Administration (EIA), haverá um crescimento maior do uso de fontes renováveis, de 2,38% ao ano até 2030, além do incremento das fontes não-renováveis de 2,25% ao ano no mesmo período. "Na ausência de medidas governamentais que alterem esta tendência, a demanda global por energia primária aumentará em 53% entre hoje e 2030; mais de 70% desse aumento vêm de países em desenvolvimento."
Conforme Fernando Almeida diz em seu livro "Os desafios da Sustentabilidade - Uma Ruptura Urgente", o IPCC traçou um cenário para o consumo de energia até 2050 que, em linhas gerais, prevê mais ou menos o mesmo que a EIA. Isto é, tanto para um alto como para um baixo cenário de crescimento mundial, o carvão, o petróleo e o gás natural - combustíveis fósseis responsáveis pelas maiores emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera - vão continuar a ser as fontes básicas de energia.
Assim, o IPCC acredita que, se nada for feito e mantida a tendência atual, as emissões devem atingir 16 gigatoneladas de carbono ou 16 bilhões de toneladas - uma concentração de 1000 ppm (partes por milhão) de CO2 na atmosfera, o que, segundo os cientistas do IPCC, levaria a um aumento desastroso da temperatura média do planeta de seis graus Celsius em torno de 2100.
Dito de outro modo, para evitar o aquecimento global e atingir as metas do IPCC, será preciso mudar o curso e gerar cada dólar do produto mundial bruto com metade da energia que o planeta consumia em 2002. Isso exige aumentar a eficiência econômica em 1,5% ao ano, uma taxa de evolução 20% maior do que a obtido nas últimas três décadas, frisa Almeida em seu texto. No caso específico das emissões de carbono na geração de energia, o objetivo é ainda mais desafiador: redução de 45% nas emissões, o que "significa dobrar a taxa de descarbonização global registrada nos últimos 30 anos".
Hoje, a geração de energia e calor pela queima de combustíveis fósseis é responsável por 40% das emissões de CO2. Desse total, 70% são provenientes do carvão. Assim, atingir as metas fixadas pelo IPCC vai significar mudar os padrões de consumo e de geração de energia. Sem a ação governamental, o mundo fica mais próximo do pior do que do melhor cenário previsto pelo IPCC.
Além da taxação do carbono emitido, outras formas de ação são possíveis, lembra Schaeffer. Ele cita como exemplos a taxação diferenciada por tipo de combustível ou a adoção de medidas de incentivo direto para a construção de instalações de geração mais sustentáveis.
Incentivo é o que reivindica Lauro Fiúza, presidente da ABEEólica, ao pedir que o governo realize leilões periódicos e não mais apenas esporádicos, como os atuais, para dar mais segurança para empreendedores e fabricantes. Fiúza acredita que o investimento em energia eólica é economicamente viável, já que seu custo é comparável ao de uma usina hidroelétrica como a do Madeira. "O custo é apenas o do investimento inicial, já que o combustível é custo zero."
O potencial energético do país em eólica é estimado em 143 mil megawatts, o que equivale uma vez e meia a capacidade total (incluindo todas as formas de geração) instalada no Brasil. Hoje, os parques eólicos instalados ou que vão operar ainda em 2009 têm capacidade de gerar 1,4 mil megawatts.
(Por João Carlos de Oliveira, Valor Econômico, 27/01/2009)