Cada vez que ligamos um pequeno aparelho de rádio, acionamos um controle remoto ou acendemos uma lanterna estamos consumindo energia acumulada em pequenas peças metálicas que, depois do uso, precisam receber um destino ambientalmente correto. Entender o ciclo de vida completo de cada produto - desde a escolha da matéria-prima até o encaminhamento pós-consumo - é uma preocupação crescente de consumidores, organizações da sociedade civil e instâncias governamentais. Com as pilhas e baterias, não poderia ser diferente.
Para definir o melhor destino para uma pilha ou bateria após o consumo é preciso levar em conta diversos fatores. Desconsiderar os riscos do descarte indevido de alguns tipos de pilhas e baterias seria um equívoco. Por outro lado, tratar todos os produtos desse segmento indistintamente é uma solução simplista - e que pode também acarretar em danos ambientais.
Desde a década de 90, diversos representantes do segmento de pilhas e baterias têm investido muito em novas tecnologias, que vão desde alterações em matérias-primas até o método de fabricação, de forma a afastar os prejuízos ambientais. Comparadas aos produtos existentes no mercado 15 anos atrás, as pilhas alcalinas atuais chegam a ter uma eficiência energética 50% superior. Em outras palavras, as indústrias conseguiram cortar pela metade a geração de lixo, o consumo de matérias-primas e os custos ambientais de logística - com grande ganho para o consumidor.
As melhorias vieram também pela mudança na formulação do produto, com a eliminação da adição de mercúrio, cádmio e chumbo do processo de fabricação. Isso possibilita que as pilhas alcalinas possam hoje ser colocadas no lixo comum, destinado a aterros sanitários, sem representar impacto ambiental significativo. Estudos mostram, também, que o custo-benefício de um processo de coleta seletiva e reciclagem ambiental desse tipo de pilha não se justifica.
Em primeiro lugar, porque a matéria-prima tem baixo valor de revenda e baixa capacidade de reaproveitamento em novos produtos. E, em segundo lugar, porque a própria movimentação de carros e caminhões para operacionalizar o processo de coleta, e os gastos energéticos da operação de reciclagem, gerariam uma produção de dióxido de carbono (CO2) que traria um dano ambiental muito maior do que o da simples disposição do produto no lixo comum.
É verdade que nem todo o segmento se adaptou a esses novos parâmetros produtivos - e é aí que reside o ponto crucial de qualquer decisão a respeito da destinação final das baterias. Infelizmente, boa parte do consumo brasileiro é alimentada pelo mercado informal de pilhas. São produtos muitas vezes de baixíssima qualidade e durabilidade - e, o que é pior, alto nível tóxico. Além disso, o mercado informal se abastece também de pilhas de primeira linha descartadas pelos consumidores - que muitas vezes são reembaladas e revendidas, sem qualquer autorização, representando prejuízo e risco ao consumidor, pois terão uma durabilidade mínima.
A contraposição entre essas duas situações tão diferentes mostra que é necessário tratar esses segmentos de mercado de forma diferenciada quando se discute a disposição final das pilhas. Ao considerar a obrigatoriedade de coleta e reciclagem de todas elas, estaríamos ao mesmo tempo penalizando aquelas indústrias que investiram em tecnologia limpa e legitimando outras que optaram por trabalhar sem preocupação ecológica para baratear seus custos. Ou, o que é pior, estaríamos incentivando o próprio mercado informal.
Em contrapartida, o estabelecimento de parâmetros diferenciados para as pilhas de acordo com seu grau de toxidade poderia trazer um benefício significativo para todo o mercado. Exigir a coleta pós-consumo de baterias com alto teor tóxico é uma necessidade inegável. Mas, ao diferenciar o joio do trigo e permitir a destinação em lixo comum dos produtos ambientalmente corretos, estaríamos incentivando a indústria e o consumidor a optarem por produtos de melhor qualidade. Desta forma, reduziríamos os riscos do mercado de pilhas e baterias como um todo, evitando os gastos ambientais e econômicos da reciclagem nos casos em que ela não é necessária.
Para que uma iniciativa dessas tenha resultados efetivos, será preciso atacar, também, a informalidade. Mais do que uma questão fiscal ou regulatória, a informalidade é um problema ambiental. Esse segmento sobrevive graças ao uso de produtos de baixa qualidade e alta toxidade e ao reaproveitamento criminoso de material usado, lesando o consumidor.
Com uma abordagem integral da questão, o Brasil terá condições de estabelecer parâmetros adequados de segurança ambiental nesse segmento. Com isso, todos sairão ganhando: a indústria e o comércio, os consumidores e, principalmente, as gerações futuras.
(Por André Vilhena, Valor Econômico, 27/01/2009))