O Brasil está em vias de se tornar o quinto país com mais certificações Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), selo verde mais disputado no mercado da construção civil hoje no mundo. Hoje, o país tem quase cem edifícios pré-certificados ou em processo de certificação. Entre eles, os conglomerados comerciais Eldorado Business Tower, da Gafisa, em São Paulo, e o Ventura Corporate Towers, da Tishman Speyer Properties, no Rio.
A incorporação de valores ecoeficientes pela construção civil é uma das grandes urgências planetárias. Fala-se aqui de um setor responsável pelo consumo de até 40% de energia do planeta, pela geração de 40% de todos os resíduos sólidos despejados no ambiente e pela emissão de 40% do carbono na atmosfera -segundo dados dos últimos relatórios do Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC).
Ante esse grande débito público, grandes representantes do setor são obrigados a se posicionar. A Holcim, por exemplo, uma das maiores indústrias cimenteiras do mundo, patrocina um prêmio de arquitetura responsável, o Holcim Awards, que até hoje distribuiu mais de US$ 2 milhões para projetos considerados inovadores e sustentáveis.
Com o estreitamento das metas climáticas, a cada ano surgem mais ações do tipo, que estimulam o desenvolvimento de tecnologias construtivas e também fazem crescer o espaço do marketing verde.
Nenhuma empresa quer ter o nome ligado a vilões ambientais. E os selos dão credibilidade a esse trabalho. O Leed, do Green Building Council (EUA), e o Aqua, do francês Centre Scientifique et Technique du Bâtiment (CSTB), organizado aqui pela Fundação Vanzolini, são as únicas opções no Brasil de certificação sustentável na construção civil.
As duas propostas apresentam critérios e metodologias um pouco diferentes. Mas tanto o Aqua, que tem de fato uma versão brasileira, como o Leed, que neste ano deve ganhar uma versão adaptada, atendem fundamentalmente aos critérios internacionais de sustentabilidade. O ponto é: até onde esses critérios podem ser plenamente adaptados a uma realidade tão diversa entre países?
O conceito de sustentabilidade é um tripé. É sustentável o projeto considerado ambientalmente correto, economicamente viável e socialmente responsável. A descrição dos pontos que levaram os edifícios da Gafisa e da Tishman Speyer Properties à pré-certificação propõe uma inteligente combinação de estratégias de economia de energia, reuso de água e gerenciamento de entulho, que inclui implantação de sistemas de reciclagem durante a obra. Também se fala do compromisso na opção por materiais regionais para evitar o uso de transportes poluidores.
Não existe nada que mencione uma proposta na redução do número de ônibus que os trabalhadores dessas obras (seja no erguimento ou depois, na manutenção) precisarão tomar para chegar ao trabalho. Nem a quantidade de horas do dia de trabalho que serão garantidas para que ele se dedique ao lazer, à família, ao descanso.
Empresas abertasAté a abertura de capital das principais construtoras do país na Bolsa de São Paulo, a informalidade era a principal forma de "contratação" de pessoal para edificações. Depois da criação do Simples, a subcontratação passou a ser a relação mais comum entre construtoras e seus trabalhadores.
Hoje, cerca de 10% dos operários no país são analfabetos, e quase 40% não têm mais que quatro anos de ensino formal. Nos dois empreendimentos pré-certificados, a falta de mão-de-obra especializada foi driblada com a criação de cursos rápidos semanais ou diários. Marcos Casado, gerente técnico do Green Building Council Brasil, emissor do Leed, admite que hoje a responsabilidade social não está entre os itens necessários para a certificação.
"Mas sabemos que isso é uma necessidade no Brasil e, a partir de março deste ano, as obras serão pontuadas se tiverem operários a partir do cargo de mestre de obra com diploma de cursos técnicos do Senai."
O trabalho no Brasil tem uma realidade historicamente difícil, que carece de políticas públicas. Mas havia bem pouco tempo não era possível erguer um edifício de escritórios sem causar um estrago ambiental estrondoso e hoje se fazem prédios capazes de gerar energia própria e devolver ao ambiente em ganho. O que era impensável se tornou possível diante de uma exigência de mercado.
(Por Ana Weiss e André Palhano,
Folha de S. Paulo, 27/01/2009)