A prefeitura do Rio vai tombar o conjunto de obras que Roberto Burle Marx, considerado um dos maiores paisagistas do século passado, legou à cidade. Dos 88 jardins já inventariados, 22 estão em imóveis privados, sem acesso público. A decisão foi anunciada pelo subsecretário de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design do Rio, o arquiteto Washington Fajardo. Segundo ele, o processo deverá ser concluído em 20 dias. Então, faltará apenas a assinatura do prefeito Eduardo Paes (PMDB).
Mas o tombamento não basta. Fajardo reconheceu a necessidade de um mecanismo para garantir a conservação dos bens. Ele afirmou que pretende criar um fundo com objetivo de "assegurar recursos para manutenção". "A gente não pode deixar de tombar pelo fato de hoje não ter dinheiro para isso. Não podemos mais perder acervos."
Um dos jardins tombados que não podem ser visitados fica na casa onde morou o empresário e jornalista Roberto Marinho, morto em 2003, no Cosme Velho, zona sul. Outros estão em lugares públicos, como o Edifício Gustavo Capanema, no centro, o Hospital da Lagoa, na zona sul, e a sede do BNDES, também no centro. Este forma um conjunto com o entorno do Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca.
Alguns são muito conhecidos, como o calçadão de Copacabana e o Parque do Flamengo, na zona sul. Outros, nem tanto, como o projeto para a Avenida Presidente Vargas, no centro, um tanto desfigurado. Além de praças públicas (como a do Lido, em Copacabana), Burle Marx projetou jardins para casas (a do embaixador Sérgio Corrêa da Costa), prédios modernistas (Edifício Antônio Ceppas), condomínios (Riviera del Fiori) etc. Mas há projetos que parecem esquecidos, como o Açude da Solidão, na Floresta da Tijuca.
Centenário
Para Fajardo, o tombamento é uma forma de reconhecimento da responsabilidade do poder público. "Também é um ato simbólico, comemorativo, mais uma das homenagens", disse, referindo-se ao centenário de nascimento do paisagista. Segundo ele, a "plasticidade das obras de Burle Marx alcança grau de erudição, é única, inaugural".
Além de paisagista, Burle Marx foi também desenhista, pintor, tapeceiro, ceramista, escultor, pesquisador, cantor e criador de joias. Nasceu em São Paulo, no dia 4 de agosto de 1909, e passou a morar no Rio em 1913. De 1928 a 1929, estudou pintura na Alemanha. Lá, tornou-se frequentador do jardim botânico de Berlim, principalmente das estufas com flora brasileira. Seu primeiro projeto paisagístico foi para a arquitetura de Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, em 1932. Em 1949, com a compra de um sítio de 365 mil m², em Barra de Guaratiba, zona oeste do Rio, organizou uma grande coleção de plantas. Em 1985, doou o sítio com todo o seu acervo ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Ele fundou em 1955 a empresa Burle Marx & Cia., com a qual passou a elaborar projetos de paisagismo e a fazer a execução e manutenção de jardins residenciais e públicos. De 1965 até sua morte, em 1994, aos 84 anos, contou com a colaboração do arquiteto Haruyoshi Ono.
Na semana passada, Haruyoshi, de 65 anos, participou da primeira reunião com técnicos da prefeitura. "Acho a iniciativa muito boa. É um primeiro movimento. Mas o importante é a conservação dos jardins." Para o arquiteto, a lista de 88 obras deve aumentar. "Calculamos que exista mais que o dobro na cidade." Ele lembrou que já há tombamento estadual e federal, mas em número menor: cerca de 25 obras. Haruyoshi lamentou a falta de conservação de uma das criações mais famosas de Burle Marx, o calçadão e o canteiro central de Copacabana. "Os desenhos estão deformados."
(Por Felipe Werneck, Estado de S. Paulo, 27/01/2009)