O aquecimento global é irreversível e, mesmo se todas as emissões de gases-estufa fossem cortadas a zero, as temperaturas continuariam elevadas por mil anos, causando secas graves em regiões como o Nordeste do Brasil. A conclusão é de um estudo publicado hoje por uma das principais cientistas do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas.
Escrevendo no periódico "PNAS", da Academia Nacional de Ciências dos EUA, a climatologista americana Susan Solomon e colegas afirmam que um aquecimento médio de 2C da superfície terrestre reduziria as chuvas no inverno em 10% no Nordeste brasileiro e no sul da África, e em 20% na bacia do Mediterrâneo e na Austrália. Esse efeito deve perdurar até depois do ano 3000.
"Para comparação, o "dust bowl" americano esteve associado com reduções médias de chuva de cerca de 10% em um período de 10 a 20 anos", afirmam os cientistas. O "dust bowl" foi uma grande seca que arrasou a agricultura das Pradarias dos Estados Unidos na década de 1930, agravando a crise econômica da época e a Grande Depressão.
O novo estudo usa modelos climáticos para aprofundar previsões feitas pelo IPCC em seu relatório sobre o estado das mudanças climáticas lançado em 2007. Solomon foi uma das coordenadoras do relatório.
Segundo o novo resultado, a mudança climática é "irreversível" por mil anos depois que as emissões cessam porque, apesar de o gás carbônico persistir por apenas um século na atmosfera, o oceano continua reemitindo calor por séculos.
"As pessoas imaginavam que, se nós parássemos de emitir dióxido de carbono, o clima voltaria ao normal em 100 ou 200 anos. Isso não é verdade", disse Solomon, em uma entrevista coletiva. "A mudança climática é lenta, mas irrefreável", afirmou a pesquisadora da Noaa (Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera).
As simulações de computador rodadas por Solomon e seus colegas também tentaram estimar o que aconteceria com o nível do mar no fim do século 21 e além. Aqui a divergência com os resultados cautelosos do IPCC é radical.
Para uma concentração de CO2 na atmosfera de 600 partes por milhão -hoje ela é de 385 partes por milhão-, os oceanos subiriam de 40 centímetros a 1 metro até 2100, continuando a subir depois disso, mesmo sem um grama a mais de gás carbônico na atmosfera após a estabilização. Isso só por expansão térmica, sem contar o efeito do degelo polar, ainda incerto.
Segundo os pesquisadores, a única conclusão possível é a óbvia: cortar mais e mais as emissões. "Taxas de desconto usadas em estimativas econômicas assumem que uma mitigação mais eficiente pode ocorrer em um mundo mais rico, mas ignoram a irreversibilidade mostrada aqui."
(Folha de S. Paulo, 27/01/2009)