A 9ª edição do Fórum Social Mundial em Belém, Pará, está cercada de esperança. Depois do primeiro, em Porto Alegre, 2001, este talvez seja o mais importante. Por pelo menos três motivos principais: a conjuntura mundial, com a crise econômica em curso; o fato de ser realizado na Amazônia; e as mudanças em processo na América do Sul e América Latina.
O FSM surgiu no contexto do capitalismo neoliberal. Embora no início dos anos 2000 já houvessem os primeiros questionamentos ao Consenso de Washington, o modelo do Estado mínimo, da visão privatista, das políticas sociais compensatórias, acompanhado de toda uma gama de valores, era dominante. Como disse alguém anos atrás, seria o fim da história. O Fórum foi a primeira articulação mundial contra o neoliberalismo de todos aqueles que queriam algo diferente e novo, mesmo com sua pluralidade, seu amplo espectro de matizes ideológicas, sua falta de ambição em fazer proposições. (Após o término do primeiro Fórum, a grande discussão dos organizadores e de todos que participamos de sua construção - na época eu estava no CAMP, Centro de Assessoria Profissional, de Porto Alegre - era se o Fórum não deveria se transformar, de um centro de debates, troca de idéias e experiências, em um centro formulador e mobilizador de políticas e propostas para o mundo, a sociedade e os governos).
De toda forma, o Fórum começou a dar um sentido e um rumo a milhares de ações dispersas, a milhares de organizações que não tinham um espaço aglutinador. E passou a ser um contraponto ao Fórum Econômico de Davos. A partir daí, mudanças começaram a acontecer especialmente na América do Sul e Latina, já latentes, mas agora impulsionadas por novos referenciais e valores.
A crise econômica, da qual ainda não se sabe bem a extensão e profundidade (cada dia especialistas trazem novas avaliações), com certeza abre oportunidade de repensar projetos de desenvolvimento e de sociedade. O modelo neoliberal faliu, não o capitalismo por certo. Mas no meio da crise é possível pensar que tipo de Estado se quer e precisa, que formas de produção caminham no sentido da igualdade e da partilha e têm base na solidariedade, que relações humanas e sociais devem ser (re)construídas, que valores devem ser predominantes para vencer o individualismo, enfrentar a violência crescente, a fome e a desigualdade.
O fato do Fórum realizar-se na Amazônia adquire um simbolismo especial. O mundo começa a dar-se conta que os temas da ecologia e do meio ambiente são decisivos hoje para a humanidade. E que o atual modelo de desenvolvimento, baseado no crescimento econômico, no acúmulo de bens, na massificação da produção de mercadorias, é insustentável a médio e longo prazo. A Amazônia, por todas as razões, é o exemplo maior dos dilemas e problemas a resolver. Como preservá-la, por um lado, com seus rios, água, florestas e biodiversidade? Como garantir que o capitalismo predador e a ganância desmedida não a destruam em pouco tempo? Como, por outro lado, construir, junto com a população local, um projeto de desenvolvimento que aproveite suas riquezas, dando condições de vida digna para seus habitantes? Ao mesmo tempo, como incorporar nas perguntas, respostas e nas soluções para a Amazônia o tema ambiental e a ecologia em plano mundial e até planetário?
A América do Sul e Latina estão vivendo o momento mais rico de sua história de quinhentos anos, da qual são expoentes países que fazem parte da Amazônia - Brasil, Bolívia, Venezuela e Equador. As experiências de governos de esquerda, centro-esquerda e progressistas são fruto da busca de um projeto alternativo que os movimentos sociais e diferentes organizações vêm tentando construir e implantar nas últimas décadas, baseadas em experiências locais de base, na auto-organização dos trabalhadores e excluídos, na educação popular, na construção de políticas públicas e de processos democráticos de baixo para cima. Estas experiências, de matizes diversas, têm um ponto em comum, Um Outro Mundo é possível, isto é, não aceitam e não querem mais o que está aí, e precisam ser fortalecidas e consolidadas.
Os desafios, portanto, deste FSM são muitos. As mais de cem mil pessoas esperadas estarão, com certeza, imbuídas deste sentido e compromisso. É preciso avançar e o momento histórico abre possibilidades que não podem ser desperdiçadas. A Rede Talher de Educação Cidadã, coordenada pela Assessoria de Mobilização Social da Presidência da República, e por sinal uma das organizadoras do Fórum, realizará na tarde do dia 29 de janeiro o seminário Organização, Educação popular e Participação Social na América Latina: Dilemas e Desafios, com participação do ministro de Direitos Humanos do governo brasileiro, Paulo Vannuchi, de Frei Betto, do educador popular da Costa Rica, Oscar Jara, e do Vice-Ministro de Educação Superior da Bolívia, Diego Pari. O objetivo é contribuir no debate e conhecimento "das experiências em curso no Brasil e na América Latina desenvolvidas pela sociedade civil e por governos comprometidos com a construção de modelos de sociedade justos e democráticos".
Os lutadores e lutadoras sociais estão em festa por poderem viver este momento. O 9º Fórum Social Mundial de Belém será mais um tijolo colocado na construção de ’Um outro Mundo possível’.
(Por Selvino Heck *,
Adital, 26/01/2009)
* Assessor Especial do Presidente do Brasil