O Paraguai quer fazer a reforma agrária e precisa de recursos para as devidas desapropriações, muitas delas em terras de brasiguaios. O Brasil tem um tratado com o país, o de Itaipu, que prevê o recebimento subsidiado de energia não utilizada como compensação pelo investimento solitário feito em 1973 na usina hidrelétrica. O Paraguai quer rever o tratado e receber mais do Brasil pela sua energia, para ter dinheiro e desapropriar, justamente, os brasiguaios.
Em meio a essa situação complexa, o Itamaraty acena com o financiamento da industrialização paraguaia, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que levaria o país vizinho a consumir sua própria energia em vez de vendê-la a preço baixo. Seria uma forma indireta de ajudar o Paraguai, apoiando seu desenvolvimento.
O tema é delicado. Requer diplomacia. Aí, entrou em cena o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), brasileiro – apoiando o governo guarani. O MST se prontificou com o presidente paraguaio, o ex-bispo de esquerda Fernando Lugo, a disseminar a tese de que a reivindicação de rever o tratado é justa. E isso tem sido feito nos acampamentos e assentamentos sem-terra, com a explicação de que o Paraguai necessita de recursos.
Não estão descartadas, para as próximas semanas, manifestações de apoio aos vizinhos. De acordo com o líder sem-terra João Pedro Stédile, trata-se de “uma questão social e de soberania sobre os recursos naturais”. A proposta do governo paraguaio é transferir a dívida atual de Itaipu Binacional, que está em US$ 19,6 bilhões, para os Tesouros dos dois países. O do Paraguai ficaria com apenas US$ 600 milhões. O do Brasil, com US$ 19 bilhões.
O governo brasileiro tem buscado, nas últimas semanas, convencer o MST e outros movimentos sociais de que o tratado de Itaipu é perfeito e acabado: o Brasil assumiu o empréstimo para a realização da obra, e o Paraguai, que tem direito a 50% da energia gerada pela hidrelétrica, ficou de pagar a conta cedendo a baixo custo o que não fosse por ele utilizado. Tudo muito simples.
O MST, porém, tem se apoiado para defender os interesses guaranis na tese segundo a qual o acordo firmado pelos ditadores brasileiro Emílio Médici e paraguaio Alfredo Stroessner tinha conotação imperialista desde a origem.
Novas bandeiras
MAIS INVASÕES
Veja quais são as principais transformações em andamento no perfil do movimento dos sem-terra, cristalizadas no encontro de Sarandi, no Rio Grande do Sul:
Uma das principais determinações emanadas do encontro encerrado neste fim de semana é a ampliação das invasões de terra ao longo de 2009. Essa decisão é sustentada por dois fatores estratégicos, segundo o ponto de vista dos líderes dos sem-terra: neste ano não há eleição, e as ações mais agressivas do MST costumam ser refreadas em períodos eleitorais para não desgastar aliados políticos. O segundo ponto é a descapitalização das empresas de celulose devido à crise financeira, que em tese deixa uma área maior disponível para assentamentos em vez de serem adquiridas para receber plantações de árvores.
CAMPANHA O PETRÓLEO É NOSSO
Ao lado da tradicional luta pela terra para transformar acampados em assentados, o MST promete transformar a campanha pelo controle exclusivamente estatal da exploração e dos lucros do petróleo descoberto na chamada camada de pré-sal. Dessa forma, o movimento resgata um dos principais slogans que já mobilizaram a sociedade brasileira, nascido na década de 40 para manter o monopólio estatal sobre essa riqueza. Ao eleger essa bandeira, o MST diversifica sua pauta de lutas e abre um novo campo de ação e uma nova forma de readquirir visibilidade e força política.
MOBILIZAÇÕES NA ÁREA URBANA
A busca dos sem-terra por novos campos de atuação inclui a geografia espacial. Uma das conclusões do encontro de Sarandi é de que o movimento deve reforçar sua presença e sua atuação nos centros urbanos. Esse reforço deverá ser feito com o auxílio de sindicatos de funcionários públicos e centrais sindicais. O MST deverá aumentar sua presença em mobilizações conjuntas realizadas nas cidades – e não estão descartadas ações mais incisivas como invasão de áreas urbanas ligadas de alguma forma às lutas do MST.
NOVAS ALIANÇAS
O futuro imediato do MST deve incluir novas parcerias e o estreitamento das relações com entidades com as quais os sem-terra já tinham afinidades. Sindicatos de servidores públicos, como o Cpers, no Rio Grande do Sul, e centrais sindicais como a CUT são algumas delas. Mas associações de petroleiros e outras entidades que também demonstrem interesse no controle nacional sobre as riquezas do pré-sal também são possíveis parceiros estratégicos dos sem-terra a partir de agora, ao menos nesta questão.
RUPTURA COM O GOVERNO LULA
O encontro de Sarandi marcou, de maneira mais formal, o rompimento do MST com o governo Lula. Aliado histórico do PT, o MST chegou a classificar o presidente como um “amigo dos inimigos” do movimento, como os ruralistas. Ninguém do governo federal foi convidado para a festa.
– Não vamos dizer que Lula é nosso inimigo, mas também não é nosso amigo – afirmou, antes da realização do encontro, o líder nacional João Paulo Rodrigues.
Essa ruptura não é absoluta, já que o movimento depende de repasses de verba oriundas do governo federal, mas marca uma nova postura pública dos sem-terra.
USO DE TRANSGÊNICOS
Uma das principais e mais recentes bandeiras do MST é o combate ao uso de transgênicos na agricultura. Na visão dos sem-terra, a possibilidade de patentear sementes, como fazem multinacionais a exemplo da Monsanto, é um risco à segurança alimentar do planeta e uma forma de explorar os agricultores. No encontro de Sarandi, porém, os sem-terra admitiram usar sementes de soja geneticamente modificadas no assentamento Nova Sarandi, palco da festa de 25 anos do MST. Marina dos Santos, uma das porta-vozes do movimento, argumentou que isso não ocorre por vontade própria, mas por falta de opção decorrente do atual modelo de desenvolvimento. Na prática, marca uma flexibilização forçada dos sem-terra em relação a esse debate.
CRISE MUNDIAL
Para o movimento dos sem-terra, a crise financeira que aterroriza muitos países desde o ano passado é um fator circunstancial favorável à luta pela terra. Ao impor pesados prejuízos a gigantes da celulose como a Aracruz, interrompe a rápida expansão territorial que transforma milhares de hectares em área de plantio de pinus e eucaliptos. Devido à crise mundial e à falta de recursos para novos investimentos, sobrariam mais terrenos para aquisição por parte do governo federal a fim de receber assentamentos de sem-terra.
(Por Leo Gerchmann, ZH, 26/01/2009)