Há quase quatro anos, a Prefeitura de Pirenópolis (Goiás) decretou 1.380 hectares de seu território como monumento natural. Naquela área de Cerrado está a maior cidade de pedra conhecida no Brasil, com cerca de 500 hectares de fantásticas formações rochosas. O Parque Nacional de Sete Cidades, no Piauí, por exemplo, tem seis mil hectares e pedreiras ocupando em torno de 250 hectares. Por isso e muito mais, a reportagem de O Eco fez uma visitinha ao interior goiano e averiguou a quantas anda a implementação da área protegida. A situação não é nada animadora.
Para reencontrar a Cidade de Pedra, contratamos um guia junto à Associação dos Condutores de Visitantes de Pirenópolis (ACVP), marcamos dia e horário. O município histórico goiano fica a pouco mais de cem quilômetros de Brasília. De lá, percorrem-se outros 50 quilômetros de pouco asfalto e muita terra, nos contornos do Parque Estadual dos Pirineus. Na época de chuvas intensas, como agora, alguns trechos dão trabalho até para jipes com tração nas quatro rodas.
Do estacionamento improvisado em um trecho aberto na mata, praticamente nada se avista da cidadela rochosa. Para adentrar seus portais, basta uma caminhada de poucos minutos. O roteiro por suas “ruas” e “avenidas” tem menos de nove quilômetros, com algum sobe e desce, mirantes e ângulos corretos para encontrar, no contorno pedregoso, figuras humanas, dinossauros, aves ou simplesmente caprichos esculpidos pela água e pelo vento.
Em seus interiores, se deslocando sobre o terreno arenoso e pontilhado de curiosas espécies de plantas e animais, observando jardins suspensos ornados de bromélias, a sensação é de que o passado nos espreita a cada curva, observa por detrás de cada curiosa formação em pedra. No entanto, nem tudo é belo na realidade daquela fortaleza encravada no Cerrado.
Palco de ilegalidades
No Brasil, são inúmeras as áreas protegidas que enfrentam problemas com descaso do poder público, invasões, roubos, desmatamentos e conflitos fundiários. A imponente Cidade de Pedra não foge à regra, mesmo ostentando o título de “maior do país”.
Mauro Cruz, presidente da ACVP, conta que as condições das estradas e a carência de estrutura tornam a visita um passeio para poucos obstinados. “Há procura, mas a visitação é bastante restrita. A estrada é ruim, não há infra-estrutura, não há cachoeiras ou água durante todo o ano. É um passeio muito seletivo, onde o bonito é o selvagem”, disse. O guia também dá a sua receita para tornar o ponto mais atrativo. “Temos que mapear e demarcar a área, definir uma trilha, regras para visitação, pontos de parada e de observação, além de montar um centro de visitantes”, comentou.
Enquanto o abandono circunda a Cidade de Pedra, por suas portas sempre abertas cruzam turistas de todas as índoles, contam os guias locais. A área também é alvo de extração irregular de vegetação, mesmo que suas vocações de monumento natural sejam pesquisa, educação ambiental e visitação controlada. “Lá acontece muito saque de plantas por raizeiros. Outros cortam árvores e colocam fogo, para soltar gado lá dentro”, denuncia Cruz.
Segundo ele, outro problema é o roubo de pedras. “Arrancam pedras inteiras para colocar nos jardins de granfinos. Não há ninguém tomando conta do local”, relata.
Terra de muitos, terra de ninguém
Durante a visita à Cidade de Pedra, a reportagem de O Eco também soube que suas terras são disputadas na Justiça. Confira o enredo.
As formações foram “descobertas” em 2002 pelo historiador goiano Paulo Bertran Chaibub (falecido em outubro de 2005). Em dezembro de 2003, o médico psicanalista José Sahium, irmão do ex-prefeito de Anápolis Pedro Sahium, entrou com ação judicial solicitando a posse das terras por uso capião.
Adiante, uma audiência pública realizada em 8 de abril de 2005, em Pirenópolis, aprovou a criação de um monumento natural, abrangendo as formações rochosas. Isso foi reconhecido com um decreto, de junho de 2005, e lei municipal, de outubro de 2005 (confira documentos abaixo).
Sahium disse não ter escritura do local, mas afirmou ter adquirido o mesmo em 1993, já com uma cerca de arame farpado. “Só a melhorei. E de lá para cá, comprei e fechei nove pedreiras na região”, contou. Ele garante ter planos para transformar o local em reserva particular (RPPN) e desenvolver o turismo. “Aquilo lá não é meu e nem é de ninguém, é do povo de Pirenópolis e de Goiás”, ressaltou.
Na querela territorial, figuram como réus Leonel Moraes, Luzdalva Teixeira Moraes e Antenor Pereira de Brito. O procurador de Moraes em Pirenópolis, o advogado Pompeu Christovam de Pina, assegura que seu cliente é o legítimo proprietário da Cidade de Pedra. Disse que o mesmo possui escritura do terreno e apontou Sahium como responsável pela cercamento de 80% (cerca de 400 hectares) da formação. A barreira, conforme Pina, foi instalada após a “redescoberta” do local, no início de 2005. “Ele (Leonel) tem toda a escritura, tudo organizado. Isso (a cerca) é uma grande safadeza”, limitou-se a dizer.
O julgamento da questão, em primeira instância, está marcado para 29 de abril.
Conforme o secretário de Turismo de Pirenópolis, Sérgio Radi, a disputa de terras tem prejudicado a implementação do monumento natural pelo município. Ele espera um desfecho acelerado para o problema, mesmo que a procura pelo local ainda seja pequena. Isso porque há uma possibilidade de jogos da Copa do Mundo de 2014 ocorrerem na capital federal e a cidade, próxima de Brasília, poderá receber uma enxurrada de turistas. “Não temos dados oficiais sobre quanto será investido (pelo governo federal), mas temos a intenção de melhor organizar o turismo até lá”, ressalta.
A secretária de Meio Ambiente de Pirenópolis, Iara Gouveia, foi procurada pela reportagem, mas não foi localizada na cidade. A assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal informou que ela estava em viagem à Goiânia, mas não forneceu nenhum telefone para contato. Também comentou que o município não estimula o turismo na Cidade de Pedra, pela total ausência de infra-estrutura. O atrativo é citado em mais de mil endereços na Internet.
Naturalmente monumental
Monumento natural é um tipo de unidade de conservação de proteção integral prevista na Lei 9985/2000, que diz: “Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. (...) pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. (...) Havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário às condições propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei. (...) A visitação pública está sujeita às condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas em regulamento”.
Atalhos relacionados
Audiência pública sobre a Cidade de Pedra
Lei Municipal 007/2005
Decreto Municipal 1.389/2005
O processo de número 200302747375 pode ser conferido na página do Tribunal de Justiça de Goiás.
Mais sobre a Cidade de Pedra
Cidade de Pedra
A cidade do futuro no Planalto Central
(Por Aldem Bourscheit, OEco, 24/01/2009)