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transgênicos monsanto
2009-01-26
"A biotecnologia em si não é boa nem ruim. Ela é uma ferramenta." Eis um bom argumento usado com frequência por cientistas defensores do uso de plantas transgênicas. Quem não enxerga, por exemplo, o mérito de distribuir para países pobres um arroz geneticamente modificado para conter mais vitaminas? Certamente ajudaria a combater a desnutrição. A declaração acima, porém, não é de um biólogo molecular, e sim de Robert Shapiro, ex-presidente da Monsanto -a empresa detentora de 90% do mercado global de transgênicos.

A fala está em um dos raros discursos públicos do executivo, que aparece no documentário "Le Monde Selon Monsanto" ("O Mundo Segundo a Monsanto"), lançado no início de 2008 na França e ainda sem previsão de estreia no Brasil.
Um livro homônimo que acompanha o filme, porém, acaba de sair em português (Radical Livros, 372 págs., R$ 54,00).

As duas obras são assinadas pela jornalista Marie-Monique Robin, aclamada pela esquerda francesa por suas reportagens sobre direitos humanos. O livro é um libelo contra os OGMs (organismos geneticamente modificados). E o seu foco não é nenhum vegetal candidato a salvar o mundo, mas a soja que a Monsanto criou para ampliar a venda de seu produto líder, o herbicida Roundup.

Robin não menciona em nenhum momento pesquisas como a que produziu o arroz supervitaminado. Mas isso também não faz muita falta, do ponto de vista dos negócios. Segundo seu livro, 70% das sementes transgênicas vendidas no mundo são de vegetais resistentes ao Roundup, que pode agora ser borrifado indiscriminadamente sobre as plantações, matando só as ervas daninhas. Um gene inserido na soja torna-a imune ao veneno, que já era popular na agricultura.

Os outros 30% dos transgênicos são quase todos plantas de uma variedade chamada Bt, que exala inseticida de suas folhas e caules. Em tese, isso livra o agricultor da necessidade de mais veneno contra insetos.
"É uma façanha tecnológica admirável", reconhece Robin, antes de dizer ao espectador a que veio: mostrar por que a Monsanto ganhou o apelido de "Monsatã" de ambientalistas.

Equivalência
Sua principal crítica é que os alimentos derivados dessas plantas não passaram pelos testes adequados. Seu documentário conta como o processo de discussão legislativa sobre os transgênicos nos EUA na década de 1990 acabou legando ao país uma espécie de liberalismo sanitário. A opção da FDA (agência de vigilância sanitária dos EUA) foi a de não criar uma regulamentação específica para os OGMs.
Plantas "Roundup Ready" ou Bt passaram então a ser vistas pela lei como vegetais comuns. Um gene a mais ou a menos não altera a "equivalência em substância" entre as plantas transgênicas e variedades comuns, diz uma portaria da FDA de 1992. E daí veio a controvérsia.

"Estas são plantas-pesticidas e deveriam ser testadas como pesticidas", diz Robin. "Testar a segurança sanitária de um pesticida leva dois anos. Os OGMs que estão sendo plantados agora foram checados por no máximo três meses, e os problemas que surgem da intoxicação crônica não aparecem."
Como evidência do potencial tóxico do glifosato, princípio ativo do Roundup, Robin apresenta um estudo de Robert Bellé, do Instituto Pierre e Marie Curie. Em um teste em ouriços-do-mar, um animal modelo da biologia experimental, o herbicida afetou sua divisão celular, "a primeira etapa que conduz ao câncer", diz.

O trabalho de Bellé não é o único a apontar problemas, e na França o Roundup já perdeu o direito de exibir em seu rótulo a inscrição "biodegradável", já que a substância é mais persistente do que se achava.

O peculiar na história dos transgênicos nos EUA é que o personagem-chave por trás do conceito da "equivalência em substância" não é um químico, conforme mostra Robin, mas o advogado Michael Taylor.
Tendo trabalhado para a Monsanto até 1990, largou seu escritório quando convidado pela gestão Clinton para ocupar um novo cargo na FDA, onde ajudou a definir a política de governo para os OGMs. Depois de alguns anos, deixou a posição e voltou à empresa para ocupar a vice-presidência.

O livro referencia diversos documentos históricos mostrando como a empresa criou uma cultura particularmente eficaz para omitir efeitos nocivos de seus produtos.
O PCB, por exemplo, fluido usado em aparelhos elétricos por meio século, foi banido na década de 1970. Bem antes disso, a empresa já sabia dos malefícios da substância, indicam documentos internos.

Robin aponta que omissões similares ocorreram com o agente laranja (desfolhante usado na Guerra do Vietnã), o hormônio de crescimento usado em vacas e um herbicida à base de dioxina. Todos produtos Monsanto.
Por fim, ela fala da estratégia da empresa para esgotar a oferta de sementes de soja não-transgênica nos EUA, comprando empresas pequenas e processando agricultores por royalties. Sojicultores que tiveram suas plantações "invadidas" pela soja da Monsanto via polinização natural são acusados pela empresa de usar sementes "piratas", diz o livro.

Capitalismo globalista
"Tudo isso, claro, é uma coisa paradigmática do capitalismo da era da globalização, mas a Monsanto tem mesmo uma história muito especial nos EUA", disse Robin à Folha. No mês passado, a jornalista esteve no Brasil para lançar seu livro e negociar direitos de distribuição do documentário. Uma TV brasileira, diz, estava interessada, mas seu representante não fechou negócio. "Obtivemos a informação de que eles queriam comprar o filme para engavetá-lo depois."

Francesa "confunde o público"
Apesar de não ainda ter encontrado espaço no Brasil, o documentário de Robin teve boa aceitação na Europa e em outros lugares do mundo. A única frustração que a jornalista parece ter agora é pelo fato de ainda não ter conseguido ser processada pela Monsanto.

"É interessante que meu livro tenha sido traduzido para várias línguas, meu documentário visto em 20 países, e a Monsanto não tenha dito nada", disse Robin à Folha. "Mas aqui [no Brasil] acabaram de me dizer que o site deles eles fala algo sobre meu documentário. Até aqui, em todos os lugares que eu tinha ido, os representantes da Monsanto me diziam: "sem comentários"."

A empresa de fato publicou em seu site um comunicado sob o título "Documentário francês tenta denegrir imagem da Monsanto" (www.monsanto.com.br/monsanto/para_sua_informacao/documentario_frances.asp).
O documento rebate denúncias do filme de Robin, a quem acusa de "confundir o público" e "colocar os eventos fora de contexto".

A empresa nega que seus testes de segurança sejam insuficientes e diz que as avaliações de risco de seus produtos "se estendem por muitos anos".
Nega também, uma a uma, as acusações de que teria omitido dados de segurança que pudessem prejudicar seus produtos, como o PCB. A Monsanto "voluntariamente parou de produzir PCBs", afirma, "oito anos antes de a EPA (Agência de Proteção Ambiental) dos Estados Unidos bani-los, em 1979".

Sobre o herbicida Roundup, a multinacional norte-americana diz que o produto tem "mais de 30 anos de história de uso seguro" e que "alguns ativistas já fizeram testes científicos falsos para desafiar este grande recorde de segurança".

A Monsanto também nega usar tráfico de influência sobre governos. "Na realidade, a demanda para pessoas competentes com vasta experiência no segmento é sempre grande", diz o comunicado. "Estamos certos de que a maior parte dos funcionários do governo comporta-se com a mais alta integridade, independente da empresa ou segmento ao qual estiveram afiliados no passado." (RG)

(Folha de São Paulo,
25/01/2009)

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