Em tempos de maior conscientização ambiental, o aproveitamento de biogás proveniente do lixo para a geração de energia elétrica é a nova tendência. Com o intuito de investigar os possíveis benefícios do processo – não só ambientais, mas também econômicos –, o Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), ligado ao Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP, está instalando um sistema de produção de energia elétrica e iluminação no aterro sanitário Essencis, em Caieiras (a 35 km de São Paulo).
O aterro é o maior da América Latina e, por hora, produz cerca de 10.000 m³ de biogás – mistura de vários gases (principalmente metano e dióxido de carbono) liberados na degradação de matéria orgânica. Dessa quantia, 300m³ serão reaproveitados pelo projeto do Cenbio. “Não que gerar energia do lixo seja a solução de todos os problemas, mas, de certa forma, algo útil estará sendo produzido com todo esse lixo que é gerado”, afirma a engenheira Natalie Jimenez Vérdi, pesquisadora do projeto. De acordo com o IBGE, são coletadas diariamente cerca de 240 mil toneladas de lixo no Brasil.
O trabalho começou a ser feito há três anos, quando foi aprovado e financiado pelo Ministério de Minas e Energia. Segundo a coordenadora do projeto, Vanessa Pecora, o Cenbio já tinha experiência anterior com pesquisas de geração de energia a partir do biogás proveniente do tratamento de esgotos. Em 2006, os pesquisadores resolveram ampliar esse conhecimento ao utilizar o biogás gerado no lixo do aterro para produzir eletricidade (em um sistema com motor e gerador) e iluminar a área do aterro com a queima direta do biogás em postes.
Como funciona
Entenda como o biogás do lixo do aterro será aproveitado
1) A decomposição de resíduos sólidos (lixo) em ambiente anaeróbico (sem ar) gera o biogás, que é uma mistura de gases formada por metano e (CH4) dióxido de carbono (CO2), em maiores proporções, e outros gases, em menores proporções. Em aterros, cerca de 50% do biogás é composto por metano.
2) Em meio ao lixo, são instaladas tubulações perfuradas para a extração do biogás. Ele é sugado do interior do aterro até o sistema de tratamento, onde o chorume (líquido produzido na decomposição do lixo) e a umidade, que vêm juntos a ele, são removidos.
3) Após tratamento, o biogás segue três diferentes caminhos:
a) flare, equipamento onde é queimado* de maneira controlada;
b) grupo motogerador, no qual o biogás será utilizado como combustível para a geração de energia elétrica (que pode ser usada no próprio aterro ou comercializada);
c) postes de iluminação, onde ocorrerá a queima direta do biogás para iluminar a planta de biogás do aterro.
* O metano é um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento de 21 vezes maior que o dióxdo de carbono (CO2), ou seja, a emissão de uma tonelada de metano equivale à emissão de 21 toneladas de CO2. Com a queima do metano e a transformação deste em CO2, deixa-se de emitir, então, toneladas do dióxido no ambiente.
Possibilidades
Segundo Vanessa, o intuito é traçar cenários que mostrem “o que pode acontecer" após a implantação do projeto, em termos de retorno financeiro e de impactos socioambientais. Além da produção de energia elétrica de uma forma que não prejudique tanto o meio ambiente, o processo pode tornar os aterros autossuficientes em energia e, muitas vezes, produzir um excedente de eletricidade que pode ser comercializado.
De acordo com a previsão, o aterro Essencis começará a produzir energia elétrica em dois meses. O sistema de iluminação nos postes entra em vigor em três. A expectativa do resultado é otimista: a coordenadora afirma que a energia produzida em Caieiras será mais barata que em outros aterros, já que a tecnologia custa menos, por ser produzida no Brasil. Dos quatro aterros sanitários brasileiros que geram energia elétrica a partir do biogás, apenas o do Projeto Vega, em Salvador, tem tecnologia nacional. Os outros três - São João e Bandeirantes, em São Paulo; e Nova Gerar, no Rio de Janeiro - têm sistema gerador importado, o que encarece a produção da energia e a manutenção das máquinas.
Apesar de a produção de eletricidade a partir de biogás não ser inédita, pouco se estudou sobre as possíveis vantagens desse processo – e mostrá-las é a maior meta do trabalho do Cenbio. “O interesse dos outros aterros é fechado [em objetivos internos]. Ninguém consegue informação”, lamenta a coordenadora. “Fazemos um estudo procurando abrir para que qualquer pessoa com interesse em pesquisar essa área ou instalar um projeto semelhante tenha as informações necessárias.”
(Por Saulo Yassuda, Agência USP, 22/01/2009)