Administração do parque explicou que répteis não são alimentados porque encontram comida no ambiente
Curiosas sobre os ataques de cágados a pombas relatados por Zero Hora em sua versões impressa e online, pessoas foram ao Parque Moinhos de Vento (Parcão) nesta quinta-feira para tentar presenciar o fato. A aposentada Tereza Faria, 58 anos, lê Zero Hora todos os dias e, após ver a matéria, foi conferir "o que estava acontecendo". Tereza estava acompanhada do neto Mario, de oito anos, que observava os cágados à espreita das pombas na beira do lago.
— Essas pombinhas não têm noção do perigo! — riu a aposentada.
O comerciante Fernando Pedroso, 33 anos, leu a notícia em zerohora.com e levou a filha Julia, quatro anos, para dar uma olhada. A surpresa maior foi com a determinação do cágado-de-barbelas (nome popular do Phrynops hilarii) no avanço contra a ave.
— Viemos conferir. Achei que eles consumiam apenas peixes, mas realmente acontece. Ele vai para cima da pomba!
Pai e filha acompanhavam a tentativa de um cágado de abocanhar uma pomba na beira do lago. Até aquele momento, sem sucesso.
Jardineiro do Parcão há 26 anos, Luiz Antônio Gonçalves Fraga, 51, contou já ter visto diversos ataques. Até hoje, sente pena da pomba, mas lembra que a natureza do cágado é atacá-la. E não é a falta de comida que o faz deixar a água e pegar a pomba, salientou.
— Tenho um gato que está sempre alimentado e, mesmo assim, ele pega passarinhos.
A administradora do parque, Gisalma Puggina, disse que alguns frequentadores, penalizados com as pombas, pediam que os cágados recebessem alimentação para não as atacarem, conforme relato de funcionários. "Pô, não alimentam os cágados!" e "Mas isso é uma barbaridade!" foram alguns dos comentários ouvidos pelos funcionários no Parcão.
— É a lei da vida, assim como o socó (tipo de ave) come uma tartaruguinha ou um marreco recém-nascido — comparou Gisalma.
A administradora do Parcão explicou que os patos e marrecos recebem alimento porque o ambiente onde vivem não oferece recursos. Por isso, comem duas vezes ao dia o milho fornecido pela prefeitura da Capital. O total mensal é de 250 quilos da ração. Ao contrário, os cágados encontram alimento naquele ambiente. O réptil é onívoro, isto é, come de tudo, de vegetais a animais putrefatos.
No entanto, a questão é descobrir se a população desse quelônio está grande demais para o lago. É isso que investiga o projeto Chelonia-RS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Um estudo sobre a quantidade e as espécies de cágados na área definirá até março ações que podem incluir a retirada de alguns exemplares do local.
No começo, eram os cisnes
A revitalização do Parcão ocorrida durante a administração da engenheira agrônoma Maria Angélica Teline, entre 1978 e 1988, deu origem ao atual lago do parque. Naquele local, existia um recanto infantil, mas o Parcão estava abandonado e vertentes de água volta e meia enchiam a baixada onde funcionava o espaço, conta a engenheira. Ela tocou um projeto para criar um lago naquele lugar, utilizando essas vertentes.
Depois de criado, era preciso dar vida ao lago. Com esse objetivo, Maria Angélica iniciou uma campanha para que as pessoas levassem aves para lá. No princípio, até cisnes podiam ser vistos nas águas. Na época, o nome do local era uma herança do antigo jóquei. Quando os cavalos dobravam ali, se sabia que estavam passando pela Curva dos Olhos D'Água.
O tempo foi passando e as pessoas diversificaram sua contribuições. Entre os animais que acabaram descartados no lago estão os cágados. Hoje em dia, às vezes surge alguém para deixar algum animal.
— Tem gente que chega e diz, "Ah, larguei minha tartaruga (sic) lá!", como se estivesse fazendo um bem. Antes (de largar algum animal), peço que consultem a administração do parque.
Saiba mais
Nome científico: Phrynops hilarii
Família: Chelidae
Nomes populares: cágado-de-barbelas ou cágado-cinza
Diferenças entre espécies: o cágado vive na água doce, a tartaruga, no mar, e o jabuti, na terra
Região de ocorrência: nativo do RS, ocorre também em Santa Catarina, Uruguai e nordeste da Argentina
Surgimento da espécie: no Carbonífero, há aproximadamente 340 milhões de anos
Alimentação: peixes, aves, répteis, pequenos mamíferos e animais mortos
Período de vida: pode durar até 40 anos
Tamanho máximo: 40 centímetros de casco
Peso máximo: cinco quilos
Reprodução: em dois períodos (de agosto a dezembro e de fevereiro a abril)
Cópula: dentro da água. A fêmea pode estocar espermatozóides de vários machos
Postura: de um a 24 ovos, depositados em ninhos escavados pela fêmea na terra, podendo ter mais de uma ninhada por estação
Nascimento: ovos eclodem em seis meses
Taxa de eclosão: muito baixa. Na natureza, mais de 80% dos ovos são comidos por outros animais
Hibernação: durante todo o inverno. Normalmente, enterram-se no lodo do fundo de rios, lagos e lagoas
Predadores: em Porto Alegre, os filhotes podem ser predados por aves e peixes grandes. No Parcão, os predadores em potencial são o biguá, a garça branca e o socó
Características: visão e olfato são muito apurados. As barbelas, abaixo do queixo, têm função tátil, utilizada para se movimentar na água turva de um lago, por exemplo. Também funciona na reprodução, no reconhecimento de uma fêmea receptiva
Caça: fêmea e macho caçam. O cágado não tem dentes, nem é venenoso. Em caso de mordida onde haja sangramento, no entanto, é possível haver infecção, em decorrência das bactérias que todos os animais têm na boca. Se ocorrer, é preciso fazer a higienização normal do ferimento
Proteção à espécie: o cágado-cinza, como todas as espécies, é protegido por lei. Matar um exemplar é crime ambiental, assim como mantê-lo em cativeiro. Essa última ação também é caracterizada como maus-tratos, já que um ambiente artificial não supre as necessidades do animal, como hibernação anual, dieta alimentar rica e variada e longos períodos de exposição ao sol.
(Por André Mags, ZH, 23/01/2009)