Escassez de alimentos faz com que répteis saiam da água para caçar pombas
Uma cena de documentário sobre a vida selvagem se descortina em plena zona urbana de Porto Alegre. Em imagens raras captadas pelo fotógrafo Ronaldo Bernardi, de Zero Hora, cágados seguem seu instinto e caçam pombas na beira do lago do Parque Moinhos de Vento (Parcão). Com agilidade surpreendente, os répteis capturam as presas e arrastam as aves para a água, onde são devoradas pelo grupo.
Quem confirma a raridade do registro é Clóvis de Souza Bujes, doutor em biologia animal e coordenador do Projeto Chelonia-RS da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele afirma nunca ter visto esses ataques documentados, mas considera o comportamento normal, dado o local onde se encontram.
– Eles vivem em um ambiente muito pequeno, onde o estresse por alimento e espaço é constante, e a administração (do Parcão) não os alimenta. É um ambiente urbano em que vivem competindo por alimento – explica.
Acesse o vídeo que mostra o momento exato do ataque
A administradora do Parcão, Gisalma Puggina, confirma que somente patos e marrecos são alimentados. Como a disputa por comida é grande, os animais até saem da água, onde normalmente se alimentam, para acuar as pombas. Pode ser doloroso aos mais sentimentais ver a ave fazer parte do cardápio dos répteis. Mas o biólogo pondera que o rumo da natureza deve seguir normalmente. No caso, esse mecanismo serve também para regular a população das pombas.
– Isso tem que ser visto como algo natural. É como o leão pegando uma zebra. Não vá salvar a pomba – diz.
A espécie é onívora, ou seja, come de tudo, desde pequenos animais até plantas e bichos mortos.
– Uma de suas funções na natureza é manter o ambiente limpo. Tem o papel equivalente ao urubu, mas num ambiente aquático – compara.
Encabeçado por Bujes, o Projeto Chelonia-RS tenta verificar a população de cágados no Estado e definir ações para a sua conservação. O recolhimento de dados se iniciou em 2004 nos lagos de Porto Alegre – no Parcão, essa fase vai até março. Com o resultado do estudo, os pesquisadores traçarão um plano de ação.
Raio X
Nome científico: Phrynops hilarii
Nomes populares: cágado-de-barbelas ou cágado-cinza
Região de ocorrência: nativo do Rio Grande do Sul, ocorre também em Santa Catarina, Uruguai e nordeste da Argentina
Alimentação: peixes, aves, répteis, pequenos mamíferos e animais mortos
Período de vida: até 40 anos
Tamanho máximo: 40 cm de casco
Peso máximo: cinco quilos
Saiba mais
Fêmea e macho caçam. O cágado não tem dentes, nem é venenoso. Em caso de mordida onde haja sangramento, é possível haver infecção, em decorrência das bactérias que todos os animais têm na boca. Se ocorrer, é preciso fazer a higienização normal do ferimento
(Por André Mags e Ronaldo Bernardi (fotos), ZH, 22/01/2009)