A Amazônia é geralmente vista como a solução para o aquecimento global e sua destruição como causadora de mudanças climáticas mais extremas. Mas um ponto pouco divulgado é que a maior floresta tropical do mundo também pode sofrer impactos com a mudança no clima. Para os principais pesquisadores que trabalham com clima e Amazônia, o principal problema seria uma mudança no regime de chuvas devido ao aquecimento da terra.
"É fato que a floresta amazônica, se mantida em pé, poderá contribuir em muito para o não agravamento do aquecimento global. Também é verdade que se este aquecimento aumentar poderá afetar a floresta, especialmente em consequência a mudança no regime global de chuvas", explica o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Com a combinação entre o aquecimento global e o desmatamento, os episódios de seca na Amazônia tornam-se mais intensos e mais frequentes e os incêndios florestais serão cada vez mais comuns. Segundo Moutinho, mesmo as florestas mantidas dentro das reservas biológicas e unidades de conservação ficarão mais suscetíveis ao fogo. A situação será ainda pior na fronteira agrícola, onde as queimadas são comuns. Além disso, com a redução das chuvas a capacidade de reprodução das árvores entrará em declínio. "Alguns estudos indicam um declínio superior a 50%".
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) Carlos Nobre também considera a Amazônia muito vulnerável à mudança climática. "Em estudos realizados por nosso grupo de pesquisa, estimamos que um aquecimento global de 4º C ou maior poderá desencadear um colapso parcial de partes da floresta tropical, principalmente no leste, sudeste e sul da Amazônia. A floresta seria substituída por uma savana tropical empobrecida de biodiversidade", explica.
População localA população da Amazônia também sofrerá com um grande aumento na temperatura. Segundo Paulo Moutinho, o impacto será drástico e pode ser avaliado com base na seca que castigou a região em 2005. "Embora seja difícil ainda afirmar que tal seca seja já uma conseqüência da mudança do clima, foi possível se ter uma idéia dos estragos que estão por vir", analisa.
Em 2005, um aquecimento das águas no hemisfério norte produziu uma mudança na temperatura, com redução de chuvas e aumento dos períodos de seca na Amazônia oriental. "Naquela ocasião, mais de 250 mil famílias na Amazônia ficaram sem água potável ou perderam produção. Um prejuízo econômico até hoje não quantificado".
O aumento dos incêndios também terá um impacto negativo na saúde da população local, e no orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS). "Os incêndios acidentais podem ter gerado um prejuízo de mais de 11 milhões de dólares em 1998 para o SUS, somente com tratamento de problemas respiratórios provocados pela fumaça", diz Moutinho.
BiodiversidadeCarlos Nobre explica que o aquecimento global afeta a floresta direta e indiretamente. "Diretamente, porque muitas espécies evoluíram dentro de certos envelopes climáticos e, quando a temperatura aumenta consideravelmente, muitas não conseguem adaptar-se e desaparecem. Há uma grande carência de estudos que identifiquem claramente quais são as espécies mais susceptíveis a desaparecer".
No impacto indireto, as mudanças no ciclo hidrológico vão fazer com que as espécies que precisam de água durante todo o ano desapareçam. "Temperaturas mais altas induzem maior evaporação e menos água no solo. Se isso não for compensado por aumento das chuvas, muitas áreas com climas sazonais poderão perder as florestas tropicais".
Moutinho explica que a chave para enfrentar esses problemas é manter a floresta preservada. "Uma Amazônia mais preservada poderá contribuir mais para reduzir o problema da mudança do clima e será mais resistente aos efeitos do aquecimento global. Para isto, é fundamental extinguir o desmatamento que mina essa resistência da floresta e altera o clima regional", conclui.
(
Amazonia.org.br, 22/01/2009)