O tariano Pedro Garcia e o baniwa André Fernando tomaram posse de seus cargos de prefeito e vice de São Gabriel da Cachoeira, no dia 1º de janeiro, eleitos em outubro, com 43% dos votos. Ambos expressaram seu desejo de compartilhar a gestão com a população, as instituições parceiras e assim avançar rumo ao desenvolvimento sustentável do município.
Em São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas, o dia primeiro de janeiro último não foi diferente do de outros municípios brasileiros: posse de prefeito e vereadores. A novidade aqui é que o novo prefeito e seu vice são indígenas, tariano e baniwa, representantes dos principais e mais povoados rios da região, Uaupés e Içana. Eles tiveram uma votação expressiva (43%), numa disputa com mais quatro candidatos (três deles ex-prefeitos).
A nova administração indígena foi muito comemorada em São Gabriel da Cachoeira, que se destaca por ser o município mais indígena do país (por volta de 90% do total), por serem, ambos, lideranças que fizeram sua carreira política no movimento indígena, e ex-diretores da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, que abrange uma rede de mais de 60 organizações indígenas de três municípios do Médio e Alto Rio Negro). Nesse município, a maioria da população e do eleitorado vive fora da área urbana, em comunidades situadas em oito terras indígenas.
No dia primeiro, já às oito horas da manhã houve um culto ecumênico, seguido pela posse dos nove vereadores, tudo no ginásio esportivo da cidade. Foi feita a eleição da mesa diretora da Câmara, ficando a presidência com Rivelino de Iauaretê, ele também indígena. Cada vereador teve tempo para uma breve fala, quando agradeceram o apoio dos eleitores e familiares. Na seqüência o prefeito e seu vice fizeram seus discursos de posse, quando enfatizaram a importância da participação e do trabalho junto com as comunidades indígenas, como o povo.
Descentralização, articulação, participação
Pedro começou seu discurso em tukano, a língua mais falada na Bacia do Uaupés. “Duhib¡r¡ti m¡hsã, y¡ ahkawerã. M¡hsã mera ¡hsã puro ekati ¡hsar† heõperã ¡hsar† oasãpã m¡hsã oasãkaro nhota, y¡ m¡hsãre nikãromerã dararã niw£”. Agradeceu a confiança de todos, expressou sua alegria e o desejo de trabalhar junto.
André falou de descentralização, articulação e participação. Disse: "a única forma de não errar mais é garantir um governo de gestão compartilhada com as instituições parceiras e com a população". E ainda: "não podemos mais dar lugar ao modelo atrasado e autoritário de uma administração centralizada, pois certamente será ineficiente e reprovada pelo povo. Num país em transformação, é importante se orientar por um conceito novo do que é ser gestor. Significa dizer: ter visão, articulação ampla, definir políticas e práticas que possam resolver problemas, colocar nosso município no eixo das grandes realizações em favor da comunidade, aquilo que são suas necessidades básicas. Dessa forma podemos avançar na perspectiva do desenvolvimento sustentável em nosso município."
Depois ambos, com suas esposas, desceram do palco e houve uma cerimônia com o grupo de dança tuyuka de São Gabriel, formado por Mario Tenório, Mandu Lima, Lourenço Prado, João Paulo Vidal, junto com Luiz Aguiar, tariano. Na véspera, Mario, que é kumu (benzedor), fez um benzimento a pedido de Pedro, para proteção, com cera-de-abelha e tabaco. Durante a posse, entregaram para o prefeito e seu vice, em uma fala cerimonial. Presentearam a ambos com lanças-chocalho, símbolo do poder criativo e de conexão entre diferentes níveis do cosmo, segundo as concepções dos povos Tukano. Entregaram também a cuia com cera-de-abelha benzida e um porta-cigarros.
À noite houve festa na praia do Rio Negro, onde foi montado um palco. Houve alimentação para todos, distribuída em marmitex. Ao anoitecer caiu um forte temporal. Mas depois das 20h o tempo abriu e grupos de dança puderam se apresentar.
(Por Aloisio Cabalzar, ISA, 20/01/2009)