Sarandi- Avanço do assentamento leva o MST a repensar as suas estratégiasA criação de novos assentamentos no Estado coloca em risco a principal bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a luta pela terra.
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), só em 2008 foram adquiridos 24.638 hectares de terra onde já começaram a ser assentadas 1.544 famílias no Rio Grande do Sul. As áreas compradas na região de São Gabriel, na Fronteira Oeste, esvaziam acampamentos de lona, impondo uma diminuição no número de pessoas que esperam a reforma agrária em território gaúcho.
Para discutir o futuro, 1,3 mil delegados de 24 Estados abriram ontem o Encontro Nacional dos 25 anos do MST em Sarandi, no norte do Estado. O encontro, que vai até sábado, está sendo realizado na antiga Fazenda Annonni, palco da primeira grande ocupação do movimento no Rio Grande do Sul, em 1985. Aproximar-se ainda mais das causas urbanas está na pauta das discussões.
– Quem disse que temos que agir somente no campo? – questionou um sem-terra.
Apesar de já insinuarem o novo caminho, os integrantes do movimento salientam que não abandonarão as lutas do passado. A foice, um dos símbolos mais populares e representativos do movimento, continua exposta na entrada da festa e inspirava os participantes a tirar fotos como recordação.
A coordenadora nacional do grupo, Marina dos Santos, colocou ontem a modernização da agricultura como um dos obstáculos ao processo de reforma agrária no país.
– Antes, a reforma agrária enfrentava apenas o latifúndio, que concentrava a terra de forma atrasada e arcaica. Hoje a modernização, através das empresas do agronegócio, impede a reforma agrária – disse Marina.
Uma herança que foi desperdiçada
A luta pela terra no Brasil não tem a idade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 25 anos. Ela é mais antiga. Há pelos menos dois séculos, os conflitos agrários vêm semeando sepulturas à beira de estradas dos sertões. Entre elas, as centenas deixadas pela Guerra do Contestado, um confronto travado (1912-1916) entre a população rural pobre e as autoridades da época pela posse do que é hoje uma parte do oeste catarinense. Por ser um dos herdeiros legítimos desses lutadores pela reforma agrária, o MST ganhou a simpatia popular.
O MST não soube cuidar dessa preciosa herança. Misturou os interesses dos sem-terra com a política partidária. Seus dirigentes transformaram em empregos permanentes os seus cargos. Para manter os privilégios, passaram por cima da decisão política de acampados e elegeram táticas de lutas, como o bloqueio de estradas, antipáticas à opinião pública. Fizeram da afronta moral e psicológica uma rotina aos funcionários públicos federais durante a invasão de prédios do governo, em especial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O resultado dessa estratégia: o isolamento público. Uma questão que não está na pauta de discussão dos líderes reunidos na Fazenda Annoni, em Sarandi. É um encontro sem transparência, a portas fechadas. À opinião pública, são passadas as bravatas, como a de romper com o governo federal. Como será feito, se é o dinheiro público que financia os assentamentos? Houve época em que havia fila de organizações sociais para fazer parcerias com o MST. Todas queriam pegar uma carona na popularidade dos sem-terra. As disputas internas na direção do movimento acabaram afastando os aliados. Inclusive destruíram ou abalaram alianças políticas importantes. Dificilmente o MST que irá sair desse encontro será o da voz dos acampados.
(Por Carlos Wagner, ZH, 21/01/2009)