Ao final de uma semana em que os termômetros marcaram recordes de temperatura para esta época do ano, chegando aos 32º, o domingo trouxe praia e preocupações para a Califórnia. Animados pelo calor, moradores do litoral tiraram biquinis e sungas do fundo do guarda-roupas para curtir o verão fora de época. Uma multidão invadiu a praia de Santa Mônica, em Los Angeles, para viver um típico dia de verão, com direito a banho de sol, chope na calçada e até um banho de mar para os mais corajosos. Bares e restaurantes lotados trocaram a calefação pela refrigeração enquanto baixavam os estoques de cerveja.
A animação da praia, porém, é só uma face da moeda. Na outra, governo, agricultores, empresários e o serviço de combate a incêndios florestais torcem por chuva e neve. E muita. Janeiro e fevereiro são estatisticamente os meses mais chuvosos da Califórnia, quando rios e reservatórios são recarregados com uma média de 90 mm3 em cada mês. Mas as chuvas andam escassas ultimamente. Em Los Angeles, não houve um único dia de precipitações desde o começo do ano. O serviço meteorológico prevê que a estiagem na Califórnia deve durar até o fim do governo George W. Bush. As primeiras chuvas, dizem os prognósticos, só ocorrerão sob mandato de Barack Obama, na quarta-feira, dia 21, um dia depois da posse.
Segundo o climatologista Michael Anderson, do Departamento de Recursos Hídricos da Califórnia, este deve se confirmar como um dos janeiros mais secos da história do Estado. Segundo dados do Departamento, os níveis dos reservatórios estão 30% abaixo da média para esta época do ano. Em janeiro de 2008, estavam 14% abaixo. Nas montanhas, a queda de neve está também 30% abaixo do normal.
A seca, que já dura pelo menos dois anos, traz uma série de problemas à economia do estado. Um dos setores mais prejudicados é a agricultura. Praticamente todas as culturas da Califórnia, desde as uvas no Napa Valley, que resultam em alguns dos melhores vinhos do mundo, até os laranjais do sul do Estado, crescem em lavouras irrigadas. Morangos orgânicos, azeitonas, maçãs, tomates, milho ou cebola, tudo irrigado. O clima da Califórnia tem a má sorte de não ver coincidirem calor e chuva, duas boas condições para o crescimento de plantas. Os verões são secos e os invernos, chuvosos. Ou pelo menos deveriam ser, embora nos últimos dias as estatísticas venham sendo desafiadas.
Mesmo em condições normais as chuvas na Califórnia são tão generosas quanto nos lugares mais áridos do Nordeste Brasileiro: cerca de 400 mm ao ano – aproximadamente 25% do que chove no Rio Grande do Sul e cinco vezes menos que na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Por isso, para manter suas plantações, os agricultores californianos recorrem ao bombeamento de água subterrânea, dos poucos rios da região ou dos reservatórios que acumulam águas das chuvas e do derretimento das neves nas montanhas. Mas agora há áreas de cultivo que estão sob restrição do bombeamento de água. Em algumas, os agricultores recebem somente 40% do total da permissão. E a perspectiva é que este índice caia ainda mais, caso a seca se mantenha. A agricultura da Califórnia, uma das maiores dos Estados Unidos, vendeu cerca de US$ 37 bilhões de dólares em 2008, segundo dados do Departamento de Alimentação e Agricultura do Estado.
A escassez também pode prejudicar a abertura de novos negócios nas cidades. Os governos locais podem suspender a concessão de novas licenças, caso não haja água disponível, segundo a diretora-adjunta do Departamento de Recursos Hídricos da Califórnia, Sue Sims. A seca golpeia a economia da Califórnia em um mau momento. O estado enfrenta cortes de US$ 42 bilhões no orçamento, em função da crise, que também aumentou o número de desempregados e as execuções hipotecárias no estado.
(Por Warner Bento Filho, especial para a EcoAgência, 20/01/2009)