Próximo a Manaus (AM), existe uma pequena cidade chamada Presidente Figueiredo. Seu nome não é uma homenagem ao general que dizia preferir o cheiro dos cavalos ao odor do povo, mas uma deferência ao primeiro presidente da antiga província do Amazonas, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. Não importa, para quem gosta de natureza, o lugar chama-se mesmo é Disneilândia Verde.
Presidente Figueiredo fica a 107 quilômetros ao norte da capital do estado, na estrada que vai para Boa Vista (RR). Tem cerca de 25 mil habitantes, um lago artificial com 1.580 quilômetros quadrados (Km2) e 105 cachoeiras catalogadas. Dentro dos limites do município, há dois parques naturais, uma reserva biológica (Rebio), uma área de proteção ambiental (APA) com 374.700 hectares, além de cerca de 500 hectares protegidos dentro de um punhado de reservas particulares (RPPNs).
A cidade vive basicamente de mineração, de royalties da geração da energia produzida pela hidrelétrica de Balbina e de uma empresa sucro-alcooleira. Também abriga 62 comunidades de assentados da reforma agrária conduzida pelo Incra, cuja produção contribui para engrossar o Produto Interno Bruto (PIB) municipal. No entanto, recentemente o município descobriu sua vocação para o ecoturismo. Os primórdios da atividade estão ligados à descoberta nas matas da região, em princípios da década de 1980, do Pau Rosa, cujo caule fornece uma essência utilizada para a fabricação do perfume Channel número 5.
Rapidamente, os espécimes que podiam ser encontrados às margens da rodovia foram dizimados. Mas, o danado do pau pagava bem e apareceu logo gente disposta a internar-se nas profundezas da floresta à procura de outros exemplares. E foi assim, embrenhando-se no desconhecido, que esses mateiros foram se deparando com aquela multitude de cachoeiras. Acharam cascatas despenhando-se dentro de cavernas, corredeiras com poços fundos e bons para banho, cataratas dignas de figurar nas fitas de Humberto Mauro, um dos pioneiros do cinema nacional.
Como diz o ditado popular, há males que vêm para bem. Os vetores da extração sistemática do Pau Rosa acabaram abrindo as trilhas que estruturaram o ecoturismo, que hoje pode ser o caminho para a preservação das matas figueiredas. Não demorou para que os manauaras descobrissem o paraíso às portas de casa. Começaram a ir para passar o dia, depois quiseram pernoitar. Uma pequena rede de pousadas acabou surgindo para atender ao anseio. Uns eram mais preguiçosos, gostavam de lagartear tomando sua cerveja e estimularam a criação de restaurantes à beira de alguns rios. Outros sentiram-se atiçados por sua curiosidade. Desejaram conhecer as cachoeiras mais longínquas, mais privativas. Remuneraram os mateiros, criaram uma demanda para o serviço de guias.
Afortunadamente, no caso de Figueiredo, o setor público percebeu o potencial que tinha nas mãos. Adiantou-se para que a galinha dos ovos de ouro não fosse cozinhada ao molho de cabidela. No plano estadual, foi decretada a criação da APA da Caverna do Maroaga, que protegeu uma grande parte dos atrativos ecoturísticos regionais. Enquanto, isso o município criou dois parques naturais, os cercou e mantém suas trilhas em bom estado de conservação. Guardas municipais fiscalizam cada parque, evitando a caça e a extração de madeira, e também impedindo que se escute música ou que se leve garrafas de vidro e latinhas para as cachoeiras. No início da trilha para a Cachoeira das Orquídeas, uma placa bem instrutiva resume a atitude do poder público: “Proibido descer com isopor ou garrafas. NÃO INSISTA!”.
Com o estímulo da Amazonastur, foi fundada uma Associação de Guias de Selva, cujos cerca de 30 membros frequentaram quase duas mil horas de cursos de capacitação em condução de visitantes em meios naturais e hoje são cadastrados pela Embratur. Não é só: o treinamento não pára nunca. Recentemente, a prefeitura colocou um ônibus para levar os guias a Manaus, de manhã, e trazer no fim do dia, durante uma semana inteira. Assim, assistiram às aulas e palestras de um curso dado por um especialista em observação de pássaros. Em paralelo, a Universidade Estadual do Amazonas abriu uma faculdade de Turismo lá em Figueiredo. A maioria dos professores não é residente. O curso de graduação é ministrado em módulos. Vêm professores dos quatro cantos do Brasil, ficam ali de uma semana a dez dias e dão toda a sua matéria durante aquele período (ou módulo). O método tem dado resultados, pois injeta idéias novas na comunidade e estimula a adoção de boas práticas ambientais na gestão do turismo.
Enquanto isso, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) enviou dez proprietários de pousadas para conhecer a experiência de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Ao ver os sucessos obtidos por lá, os empresários pareceram captar a mensagem do potencial do ecoturismo para sua própria região. Arregaçaram as mangas e, junto ao Poder Público, empenham-se em zelar pela qualidade do “produto Figueiredo”. Naquela cidade amazonense, as trilhas têm um bom nível de drenagem e manutenção, os locais são limpos e há fiscalização intensa. Fala-se, agora, em ampliar o naipe de atrativos, com trilhas com pernoite na floresta e passeios de bicicleta.
Até o prefeito Antônio Fontes Fernandes Vieira, o Fernandão, entrou na onda. Depois de criar uma APA municipal e os parques naturais municipais, contratou planos de manejo para todos eles, desmembrou as secretarias de Turismo e de Meio Ambiente e destinou um pelotão da Guarda Municipal para atuar exclusivamente em ações de proteção ao meio ambiente. A população aplaudiu. Fernandão foi o primeiro alcaide a ser reeleito na história de Figueiredo. Estimulado pelo apoio dos eleitores, mandou que fossem feitos estudos para a criação de mais dois parques e de um monumento natural.
Vizinhos da hidrelétrica
A 87 quilômetros de Presidente Figueiredo, está o Distrito de Balbina, que é a vila dos funcionários da hidrelétrica de mesmo nome. Balbina foi inaugurada em 1987 e inundou uma área de proporções oceânicas. A compensação ambiental foi a criação da Reserva Biológica do Uatamã, com 942.780 hectares de mata bem conservada. De lambujem, a reserva engloba também metade das águas do reservatório, onde é proibido pescar ou mesmo navegar a lazer. A Manaus Energia também mantém, em parceria com o Ibama, o Centro de Preservação e Proteção dos Mamíferos Aquáticos. A instituição funciona como um centro de triagem e de recuperação de animais apreendidos. Ali, uma equipe de veterinários e biólogos tratar de animais apreendidos com vistas a reintroduzí-los na natureza. Embora o centro esteja focado nos peixes-boi, aceita em suas instalações araras, antas, capivaras e outras espécies animais.
Ao que parece, se o saldo da conta não chegou a ter sido positivo, tampouco foi negativo. O impacto causado pela usina energética acabou sendo compensado pela criação da Rebio e o conseqüente aumento da presença das autoridades ambientais do governo federal na região. Quando indaguei ao membro da Associação de Guias de Selva de Presidente Figueiredo, Eduardo Ribeiro Benezar, se o Ibama (a marca de grife Chico Mendes ainda não se instalou no inconsciente coletivo por essas bandas) era efetivo, ele respondeu categórico: “Eles são ótimos. Fiscalizam mesmo. Dia e noite. Não deixam caçar, nem pescar, nem tirar madeira. Com eles por aqui, fica difícil fazer alguma coisa errada”.
O que poderia parecer bravata, logo se mostrou realidade, nua e crua. Já era fim do dia e voltávamos de uma caminhada à belíssima Cachoeira da Neblina. No meio da estrada, uma equipe mista do ICMBio e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente havia montado uma barreira. Liderados pelo chefe da Rebio em pessoa, vasculhavam carros e ônibus em busca de tucunarés pescados ilegalmente. Benezar aplaudiu: “Esse é o meu ganha pão e o maior ativo do município. O governo está de parabéns”.
De fato, os efeitos da fiscalização dura já são sentidos em Figueiredo. Em meados de 2008, dois amigos foram caçar na região e, para fugir dos fiscais e dos “dedos duros” que vivem do ecoturismo e não querem saber de caça, se embrenharam profundamente na floresta. Confiaram demais em sua abalizada experiência de mato. Perderam-se. Brigaram e cometeram um erro crasso. Separaram-se. Um deles acabou encontrando o asfalto, após quatro dias. Já o outro não aparecia. Seu pai mobilizou a comunidade e organizou uma operação de busca e salvamento. Depois de dez dias, nem sinal do caçador. Aos poucos os voluntários foram desistindo, esmorecendo. Só o pai não amoleceu. Seguiu tentando achar o filho. Finalmente, após 44 dias de procura incessante, acabou encontrando-o. Estava com apenas 30 quilos. Não resistiu à desnutrição e faleceu nos braços paternos.
Essa terrível tragédia marcou os habitantes de Presidente Figueiredo. “Foi o dia da caça”, comentou tristonho um dono de pousada, para logo acrescentar resoluto: “Que daqui para a frente as pessoas só venham aqui caçar paisagens e banhos de cachoeira”. Com efeito, se esse for o objetivo, não faltam ao município presas para serem abatidas
(Por Pedro da Cunha e Menezes, OEco, 20/01/2009)