Ações atingem 1.500 militantes da entidade, que completa 25 anos; entre mandantes de crimes contra sem-terra, nenhum cumpre pena
Stédile foi denunciado por ato de que não participou; segundo Ministério Público, ele "exerceu função decisiva no planejamento de crime"
Foram centenas de invasões de propriedades rurais, saques a caminhões e protestos em órgãos públicos nos 25 anos de história do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), completados nesta semana. As estratégias teriam forçado o governo a assentar cerca de 370 mil famílias, segundo cálculo da entidade.
O MST pagou um preço, com 31 mortos e mais de 600 processos judiciais contra cerca de 1.500 militantes tornados réus ou candidatos a réus na Justiça em praticamente todos os Estados. Como o MST não existe juridicamente, as ações atingem seus coordenadores.
Dos principais nomes, poucos escaparam de alguma medida judicial. José Rainha Júnior, hoje desligado da entidade, respondeu a cerca de 47 processos, segundo a assessoria jurídica do MST, incluindo a acusação de homicídio de um policial, pela qual Rainha foi absolvido, no Espírito Santo.
O economista João Pedro Stédile responde hoje a um processo aberto com base na Lei de Segurança Nacional, criada na ditadura militar.
Mesmo longe do ato, Stédile foi denunciado pelo Ministério Público de Barra do Barreiro (RS) por suposta participação na destruição de 1 milhão de mudas de eucaliptos e dos laboratórios da Aracruz Celulose, em março de 2006, feita por mulheres da Via Campesina.
A denúncia do Ministério Público reconhece a ausência de Stédile. "O denunciado João Pedro Stédile, em que pese não ter sido comprovada sua presença no local dos fatos, exerceu função decisiva no planejamento e na execução do crime, na medida em que estimulou os demais denunciados à prática do delito (participação moral)."
"Dissolução"
A acusação contra Stédile é parte de um recente movimento judicial de "criminalização do MST", segundo acreditam os advogados da entidade. Para o assessor jurídico Juvelino Strozake, setores do Ministério Público e do Judiciário de primeira instância buscam a "dissolução" da entidade, como a pedida no ano passado pelo Ministério Público gaúcho.
"Cabe ao Ministério Púbico agir AGORA [sic]. "Quebrar a espinha dorsal do MST." O momento é histórico e se constitui no maior desafio já apresentado à instituição pós-1988: a defesa da democracia. Não importa o desgaste eventual aos simpatizantes do movimento", escreveu o relator do caso no conselho do Ministério Público gaúcho, Gilberto Thums.
Os promotores tiveram como apoio um relatório do coronel Waldir João Reis Cerutti, da Brigada Militar gaúcha. Citando "fontes de inteligência" não identificadas, o relatório diz que o MST pretende promover no norte do Estado um suposto "controle territorial branco tão lucrativamente adotado pelas [guerrilhas comunistas] Farc na Colômbia".
O MST recorreu e fez uma campanha contra a acusação. Segundo Strozake, promotores de Justiça, delegados de polícia e juízes passaram a recorrer a uma teoria que nasceu na Alemanha no final dos anos 30, o "domínio do fato". Por esse raciocínio, passam a acusar os líderes sem-terra mesmo que não estejam no local dos fatos. São acusados de "planejar", "fomentar" ou "organizar" os atos.
Segundo Strozake, a tese tem sido derrotada nas instâncias superiores do Judiciário.
Em contrapartida, dos 31 crimes contra militantes do MST desde sua criação, nenhum acusado de crime de mando está preso. O MST registrou 21 mortes no Pará -incluindo o massacre de Eldorado do Carajás-, cinco em Minas, em Felisburgo, e cinco no Paraná.
Por outro lado, seis integrantes do MST foram acusados pelo assassinato, em 1990, do cabo da Brigada Militar Valdeci de Abreu Lopes durante uma passeata em Porto Alegre. Os acusados cumpriram pena de seis anos de reclusão.
Presos
Os sem-terra detidos por participarem de invasões de terra são obrigados a dividir celas com traficantes, assaltantes, estupradores. Um dos líderes do MST no Pontal do Paranapanema (SP), Felinto Procópio, 41, preso duas vezes, passou oito meses em cinco penitenciárias e cadeias. O juiz disse que a prisão era necessária para "preservação da ordem pública".
Procópio ficou dez dias no RDD, o regime de isolamento mais duro das penitenciárias brasileiras e que é aplicado a acusados de crimes graves, como líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital). "Você vira um réu "vitalício". Em todos os processos seu nome é citado, assim você fica eternamente sendo chamado e envolvido nos processos", disse Procópio.
(Por RUBENS VALENTE, Folha de S. Paulo, 20/01/2009)