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pesquisas espaciais
2009-01-20

O Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009), que será lançado no Brasil nesta terça-feira (20/1), com cerimônias de abertura em 55 cidades, foi proclamado pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas para comemorar toda a inspiração e o conhecimento obtidos pela humanidade por meio da observação do céu.

Mas as centenas de atividades programadas no país deverão representar bem mais que uma imensa comemoração, segundo Augusto Damineli, coordenador nacional do evento. Ele espera que o AIA 2009 provoque uma verdadeira mudança cultural, eliminando uma defasagem de meio milênio na forma como a sociedade vê a astronomia.

“A ideia, cristalizada durante milênios, de que o céu e a Terra são coisas separadas, foi superada há 500 anos. No entanto, essa mudança de perspectiva ainda não faz parte da nossa cultura. As pessoas ainda mantêm uma imagem mental de que o céu é uma quintessência inacessível. O grande desafio deste ano será levar o público a restabelecer essas ligações cósmicas, compreendendo que nós estamos, de fato, no céu”, disse à Agência Fapesp.

Segundo o professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), o cotidiano na Terra, aparentemente tão distante dos eventos astronômicos, tem com eles uma ligação estreita e completa, que inclui todas as formas de energia utilizadas e os próprios átomos do corpo humano, provenientes das estrelas.

“O mais importante é que não estamos chamando as pessoas para uma realidade diferente da delas. A ideia é que, ao redescobrir essas ligações cósmicas, elas compreendam também que as descobertas da astronomia se transformam em tecnologias e penetram na realidade cotidiana. Estão presentes na cozinha, no escritório, no lazer”, apontou.

Para o astrônomo, a consciência das ligações cósmicas, antiga na astronomia, tornou-se essencial para a própria preservação da vida. “Somos produtos de um trabalho cósmico de bilhões de anos e carregamos conosco a herança dessa ligação cósmica. Se não tivermos essa visão planetária, não entenderemos a realidade e não conseguiremos sobreviver”, disse.

O principal ganho do AIA 2009 seria ultrapassar a mentalidade que estabelece uma separação artificial entre céu e Terra. “A realidade não é essa. É comum ouvir que os astrônomos são pessoas que vivem ‘no mundo da Lua’. Mas eles têm há muito tempo uma concepção mais realista de nossa posição no Universo”, disse.

Segundo Damineli, é possível observar o impacto da pesquisa astronômica no cotidiano em praticamente todas as áreas. A matemática, por exemplo, ganhou o cálculo integral e diferencial quando Isaac Newton deduziu a força gravitacional da Lua. “Nenhum edifício fica em pé sem esse produto teórico da astronomia”, disse.

Os produtos da conquista da Lua, para o professor do IAG, estão na cozinha, no computador, nos modelos de comunicações e nas atividades de supervisão ambiental. O estudo do Sol, por outro lado, levou à descoberta da fusão nuclear – uma potencial fonte de energia para o futuro.

Damineli lembra também que a espectroscopia – a análise da composição química dos astros – é hoje aplicada para supervisão ambiental, análise química em mineração e agricultura e em estudos com luz síncrotron.

“O ato fundador de tudo isso se deu quando Newton colocou o prisma em um raio de luz e descobriu o espectro luminoso. De modo semelhante, a fotografia é herdeira do telescópio de Galileu Galiei. Hoje é possível fotografar sem luz natural porque a sensibilidade fotográfica foi aperfeiçoada para atender ao uso do observatório de Monte Wilson [na Califórnia] e a Kodak transferiu ao mercado esses avanços”, disse.

O AIA 2009, segundo Damineli, poderá trazer outra mudança cultural importante: mostrar que, ao ampliar o conhecimento sobre o espaço exterior, a astronomia também contribui para o aumento dos limites da consciência humana. Para ele, a ideia pode ser traduzida na frase do poeta francês Paul Valéry (1871-1945): “Nós contemos o universo que nos contém”.

“Será importante relativizar essa idéia de que somos pulgas insignificantes na imensidão do Universo. Quando exploramos uma distância de 1 milhão de anos-luz, nosso espaço interior também se amplia, trazendo perspectivas muito ricas em termos de imaginário humano. O que a astronomia traz, ao nos fazer atuar em espaços mentais mais amplos, é exatamente o contrário da ideia de que não passamos de micróbios cósmicos”, afirmou.

Peso da astronomia amadora

A cerimônia oficial de abertura do AIA 2009 no Brasil será no dia 20, às 18 horas, no Planetário do Rio de Janeiro. A abertura contará com a presença do ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, e de representantes das principais instituições ligadas à pesquisa científica no país.

Em São Paulo, a cerimônia ocorrerá no próximo domingo (25/01), durante as comemorações de aniversário da cidade, no Planetário, a partir das 11 horas. Damineli participará das duas cerimônias. Entre os dias 19 e 28, outras 53 cidades brasileiras realizarão seus eventos de abertura.

O AIA 2009 foi proposto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) pela União Astronômica Internacional (UAI), em 2003. Brasil, França e Itália foram os países mais atuantes no processo de superar as resistências para a realização do evento. “Alguns países, como a Inglaterra, sustentam que anos internacionais não servem para nada, mas o Brasil teve um papel importante em persuadi-los”, disse.

Segundo o professor, a sociedade civil terá grande participação no evento. “Investimos na realização de algo muito grande, mas a dimensão foi muito além do nosso planejamento. A novidade será a participação maciça de pessoas sem ligação com instituições, como astrônomos amadores e professores. Isso será feito localmente, em rede, dando ao evento uma capilaridade que permitirá atingir a população”, explicou.

Os organizadores confirmam a participação de cerca de 30 clubes de astrônomos amadores, mas, segundo Damineli, 125 grupos se mostraram interessados em participar.

“Quando começamos a montar a rede, procuramos os setores de ensino, pesquisa, planetários, museus de ciências e astrônomos amadores. Esses últimos avaliaram que seriam capazes de fazer com que 1 milhão de pessoas vissem o que Galileu observou. Ficamos surpresos, porque isso equivale a 10% do que deverá ser observado durante o AIA 2009 em todo o mundo”, disse.

De acordo com Damineli, as sociedades de ciências amadoras começaram a se proliferar a partir do século 17, mas na astronomia elas se perenizaram. “A astronomia amadora tem muita força e chance de descobertas, como novos cometas, explosões de supernovas e estrelas variáveis”, disse.

A programação do AIA, com milhares de eventos, terá diversas atividades globais. Em abril, o programa “100 horas de Astronomia” proporcionará atividades intensivas dos mais variados formatos. Em agosto, o Rio de Janeiro sediará a Assembléia Geral da UAI, com diversos eventos associados. No fim do ano, haverá um fechamento do evento em Florença, na Itália, a cidade em que viveu Galileu.

“Além disso, haverá importantes eventos locais voltados para públicos específicos. Em Sobral, no Ceará, teremos uma atividade sobre a observação do eclipse, feita em 1919, que – ao mostrar que a gravidade do Sol agia como uma lente, desviando a luz das estrelas distantes que apareciam no céu em posições diferentes das originais – confirmou a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein”, disse.

De acordo com Damineli, uma avaliação geral das atividades será realizada em um congresso mundial, provavelmente em março de 2010. “Será a oportunidade para fazer um balanço do evento e avaliar o que foi feito para mudar a divulgação da astronomia”, disse.

(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 20/01/2009)


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