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transgênicos monsanto
2009-01-19

Este livro escrito pela jornalista Marie-Monique Robin, recentemente traduzido no Brasil, é o resultado de três anos de pesquisa em vários países. Ele foi precedido por um documentário para o canal franco-alemão Arte. E as revelações são surpreendentes. A meu ver, é um livro de leitura obrigatória. Vou resumir as conclusões que me parecem mais graves.

1. Contrariamente à afirmação divulgada pela Monsanto, de que não há estudos conclusivos, está provado: os transgênicos fazem realmente mal à saúde. Várias pesquisas já o comprovaram.

2. Por que jamais chegam a nosso conhecimento as pesquisas sobre os transgênicos? Porque a Monsanto persegue os cientistas que as fazem - em qualquer lugar do mundo. O livro cita vários casos em que cientistas e suas equipes perderam seus postos, tiveram o financiamento de suas pesquisas suspenso e foram difamados em público. Isto ocorreu não só nos EUA, mas na Inglaterra e na Itália também. A Monsanto impede que o resultado de suas pesquisas seja publicado em revistas científicas e pagam outros cientistas para publicar artigos desmoralizando as pesquisas cujos resultados sobre os transgênicos sejam negativos (no sentido de que produzem efeitos nocivos no organismo humano).

O cientista de origem húngara Arpad Pusztai, pesquisador renomado em um instituto inglês, Rowett, desenvolveu uma pesquisa sobre o impacto dos transgênicos sobre a saúde humana. Ele fez parte de uma equipe de cerca de trinta pesquisadores que, no início, eram entusiastas da biotecnologia. Em sua experiência, ratos que se alimentaram com batatas transgênicas tiveram cérebro, fígado e testículos menos desenvolvidos que os ratos que se alimentaram com batatas comuns. Em um programa de TV da BBC em 1998, o cientista alertou que, antes de serem lançados no mercado britânico, os transgênicos deveriam ser mais pesquisados. Dois dias depois da entrevista, o cientista foi demitido do Instituto Rowett e a equipe de pesquisa foi dissolvida. Ele foi proibido de dar entrevistas. Enquanto isso, o diretor do Instituto, cientistas da Monsanto e conselheiros científicos do governo (Blair) difamaram publicamente o cientista e sua pesquisa.

Arpad Pusztai só foi salvo porque a Câmara dos Comuns decidiu ouvi-lo. Ele, então, enviou sua pesquisa a vinte cientistas reconhecidos de outros países para poderem avaliá-la. A conclusão destes cientistas foi amplamente favorável aos resultados obtidos por Pusztai e contrária ao que foi publicado por seus detratores. Graças a isso, na ocasião, os transgênicos não puderam entrar na Inglaterra.

Outro caso semelhante se deu na Itália: a pesquisadora Manuela Malatesta perdeu o posto que tinha na Universidade Urbino, assim como seu laboratório e sua equipe, porque chegou a conclusões preocupantes sobre a soja transgênica: os ratos alimentados com o transgênico tiveram prejuízo no fígado, no pâncreas e nos testículos, em comparação com aqueles que receberam alimento comum. Mais: ela afirmou que não se consegue recursos para fazer pesquisa sobre os transgênicos - a razão alegada pelas instituições para a recusa de recursos é que, supostamente, segundo a literatura científica, nada prova que os transgênicos provoquem problemas, portanto, não vale a pena pesquisar sobre eles.

Se, em épocas revolutas, o obscurantismo e o dogmatismo impediram o avanço da ciência, estamos claramente diante de um caso em que, ao final do século XX e início do XXI, para defender seus interesses comerciais, uma empresa multinacional  bloqueia a pesquisa científica. Mais que isso: esta empresa investe na destruição do trabalho e da reputação de cientistas que chegam a conclusões que possam prejudicar seus interesses. Quanto a suas próprias pesquisas sobre os transgênicos, a empresa só divulga suas conclusões (sempre positivas) e não disponibiliza os dados brutos para outros cientistas, sob pretexto de "segredo comercial". Mesmo assim, numa destas conclusões, a Monsanto afirma haver constatado diferenças no fígado, nos testículos e nos rins (dos ratos), mas que não atribui tais diferenças à manipulação genética...

Não só os cientistas têm suas pesquisas bloqueadas e seus relatórios não conseguem ser publicados. Jornalistas que fazem reportagens que possam comprometer algumas afirmações da Monsanto sofrem pressão das direções de seus órgãos de comunicação, por exigência da multinacional: um destes casos é relatado em detalhes no livro e os jornalistas acabaram perdendo seu emprego, além de sofrer processo, calúnia e difamação.

3. Nos EUA, a Monsanto conseguiu impedir a rotulagem de produtos que contêm transgênicos, sob a alegação de que esta medida seria discriminatória em favor dos outros produtos. Os produtores de alimentos não transgênicos não podem igualmente explicitar no rótulo de seus produtos que eles não têm transgênicos. Em outras palavras: os habitantes deste país não têm o poder de escolher o tipo de alimentos que querem consumir porque não podem saber se eles contêm ou não transgênicos.

Por que esta preocupação da Monsanto em não permitir a rotulagem de seus produtos? Porque, segundo especialistas, suas vendas cairiam em pelo menos 50%: qual o consumidor que, tendo à escolha, alimentos sem transgênicos e alimentos transgênicos (ou contendo transgênicos), vai escolher aqueles sobre os quais pairam sérias dúvidas?

Como a Monsanto conseguiu este feito? Primeiro, ela conseguiu colocar na agência governamental que fiscaliza alimentos e medicamentos, a FDA (Food and Drug Administration) cientistas e advogados que já trabalharam para a Monsanto. O livro cita o nome dos especialistas que ajudaram a elaborar uma diretiva da FDA que afirma a inocuidade dos transgênicos. A regulamentação publicada pela FDA em 1992 afirma a "equivalência em substância" entre as plantas geneticamente modificadas e os alimentos naturais: "seus componentes são os mesmos ou similares em substância àqueles que encontramos comumente nos alimentos". Se é assim, não há com que se preocupar. Mais: a FDA permitiu que os transgênicos sejam comercializados sem uma avaliação toxicológica preliminar. Estes alimentos foram considerados como "geralmente reconhecidos como seguros" e não como "aditivos alimentares". Os aditivos alimentares - um conservante ou um colorante, por exemplo - têm obrigatoriamente de ser submetidos a testes para provar que não são prejudiciais à saúde humana, antes de ser comercializados. Já os transgênicos puderam, graças àquele estratagema, escapar desta obrigação.

Cabe observar que vários cientistas da FDA, consultados internamente, exprimiram sérias inquietações quanto às conseqüências dos transgênicos sobre a saúde humana. A diretiva final, porém, não levou estas opiniões em conta.

A presença de gente da Monsanto entre as autoridades não se resume à FDA: em alguns cargos do governo George W. Bush, o ministro da Justiça, o secretário da Saúde, a secretária de Agricultura, o secretário da Defesa, e um membro da Suprema Corte, tinham sido financiados pela Monsanto ou tinham pertencido à Monsanto ou a uma de suas filiais. Vice-versa, pessoas que tinham sido do governo anterior estavam agora trabalhando em altos cargos da Monsanto. 

A empresa consegue se infiltrar inclusive em organismos da ONU como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). E consegue que estas organizações emitam um texto em 1990 - quando não havia ainda nenhum transgênico no mercado - que deixa livre o caminho para a comercialização (futura) dos transgênicos.  Em um documento publicitário da soja Roundup de 1998, a Monsanto afirma que o conceito de "equivalência em substância" foi estabelecido no início dos anos 1990 pela FAO, pela OMS e pela OCDE. Traduzindo: não há com que se preocupar, os transgênicos - segundo estas instituições internacionais - não fazem mal à saúde, podem ser consumidos à vontade.

No Canadá, o órgão correspondente à FDA dos Estados Unidos é a Health Canada. Para introduzir o hormônio transgênico que a Monsanto fabricou para as vacas produzirem mais leite, a autorização dependia desta instituição. Três cientistas da Health Canadá levantaram questões a respeito das conseqüências negativas para as vacas e também para o leite. Revelou-se também uma tentativa de corrupção por parte da Monsanto, na qual foram oferecidos entre um e dois milhões de dólares para a instituição liberar o transgênico. Depois da análise por parte de uma Comissão do Parlamento canadense, em que aqueles cientistas foram ouvidos, o hormônio transgênico acabou não sendo aceito no Canadá. Mas, em conseqüência de sua tomada de posição, por incrível que pareça, os três foram exonerados da instituição. É preciso observar que vários produtores de leite experimentaram o tal hormônio em algumas de suas vacas e as conseqüências foram sérias: as vacas passaram a emagrecer, a ter doenças nas tetas - o que exigia a utilização de antibióticos (que, logicamente, passaram para o leite) -, e a ter dificuldade de procriar (ou simplesmente não procriaram mais). Uma pesquisa da própria Monsanto também verificou tais resultados em uma parte das vacas que receberam o hormônio transgênico, mas a empresa nunca publicou esta pesquisa e nunca divulgou a possibilidade de efeitos negativos do seu hormônio transgênico, ao contrário. A divulgação da pesquisa foi resultado de um vazamento.

4. Qual o objetivo da empresa Monsanto com tudo isso?

O lucro, em primeiro lugar.

De que forma?

Conseguindo que os agricultores sejam obrigados a usar suas sementes e seus herbicidas. A natureza não precisa ser paga por gerar novas sementes, que podem ser utilizadas pelo agricultor. Mas a Monsanto não permite a utilização das sementes produzidas pela plantação de alimentos transgênicos, o agricultor tem de comprar novamente as sementes fabricadas pela Monsanto. Ao comprar pela primeira vez sementes da Monsanto, o agricultor tem de assinar um termo em que concorda com esta exigência. Se ele não cumpre, se por acaso usa as sementes que nascem de sua plantação para nova semeadura, é processado pelo batalhão de advogados da empresa e é obrigado a pagar. Nos EUA, agricultores que não aceitaram isso se viram arruinados em razão do processo que tiveram que enfrentar.

Além disso, à medida que as sementes de transgênicos são plantadas, o processo natural espalha as sementes nos campos vizinhos, os transgênicos vão se proliferando e contaminam as outras áreas. Técnicos da Monsanto vão a estes outros agricultores, investigam seus campos e os obrigam a pagar pelas sementes que eles não plantaram mas que se encontram em suas terras.

A conseqüência mais grave, para a agricultura e para a humanidade, é que, nas terras onde se planta uma vez transgênico, em seguida não se consegue plantar sementes orgânicas. A terra fica viciada. Isto torna os agricultores (e o país) dependentes da empresa que fabrica os transgênicos, a Monsanto.

Mas como é que a Monsanto consegue convencer os agricultores a comprar, pela primeira vez, um produto transgênico? Simples: ela mostra que o agricultor gastará muito menos em agrotóxicos. Plantando soja transgênica, por exemplo, basta usar o herbicida transgênico fabricado pela Monsanto, pois ele mata todas as ervas (daninhas ou não), menos a soja (que, geneticamente modificada pela Monsanto, resiste a este agrotóxico). Como diz a autora do livro, isto só é verdade para os primeiros dois anos de plantação. A partir do terceiro ano, novas ervas ficam resistentes ao herbicida e o agricultor passa a ter de usar 3 a 4 vezes mais herbicida que antes. Passa, portanto, a gastar muito mais que antes, além de ter de comprar, todo ano, as sementes da Monsanto.

A Monsanto quer obter o controle da agricultura mundial, através da patente da semente: fazendo com que todos tenham de pagar a ela, Monsanto. A Monsanto controla 90% das sementes transgênicas no mundo. Em 2007, as culturas transgênicas cobriam 100 milhões de hectares: mais da metade se situavam nos EUA, seguidos por Argentina, Brasil, Canadá, Índia, China, Paraguai e África do Sul. E 70% dos transgênicos vendidos eram resistentes ao Roundup, o principal herbicida produzido pela Monsanto.

5. Apesar do imenso poder demonstrado pela Monsanto, já houve algumas vitórias importantes.

No Canadá, praticamente não há mais canola (colza) que não seja transgênica. No entanto, além do hormônio transgênico para vacas, conseguiu-se barrar a introdução do trigo transgênico. Como 80% do trigo é exportado, para a Europa e para o Japão, estes países explicitaram aos produtores canadenses que não comprariam mais o seu trigo se ele fosse transgênico. Este foi o argumento determinante.

Graças, em boa parte, à campanha de várias organizações de camponeses e do Greenpeace, as sementes transgênicas tiveram sua entrada barrada na Europa (à exceção da Espanha). A opinião pública foi particularmente alertada por causa do escândalo da "vaca louca". E passou a pressionar mais diretamente os governos e os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização dos alimentos.

A tecnologia Terminator - que geraria sementes estéreis -, outro produto da Monsanto, foi denunciada publicamente como um risco para a agricultura, pois poderia contaminar as sementes orgânicas, que se tornariam também estéreis. A empresa teve de desistir de produzi-la.

No Brasil, embora o governo Lula tenha liberado a soja e o milho transgênicos, o estado do Paraná proíbe a plantação de transgênicos.

O livro de Marie-Monique Robin, até dezembro de 2008, tinha sido traduzido em 20 países, cem mil exemplares haviam sido vendidos na França e o documentário tinha sido exibido em 13 países.

Uma última observação: segundo a própria autora, que esteve no Brasil em dezembro para divulgar o livro, boa parte do que é denunciado ali se encontra também na internet. Naturalmente, a autora não se contentou com isso, como se vê pelas inúmeras entrevistas que realizou e os locais que visitou (algumas das quais aparecem no documentário que ela realizou). Mas quem tiver dúvidas, é só procurar na rede.

O endereço recomendado pela autora, onde ela disponibilizou os dados de sua pesquisa é aqui.

* Resenha do livro de Marie-Monique Robin
(Editora Radical Livros, São Paulo)

(Por Ivo Lesbaupin *, Adital, 18/01/2009)
* Sociólogo. Professor da UFRJ.


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