A Comissão Europeia está a investigar a possibilidade de o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hídrico, que envolve a construção de dez novos aproveitamentos em Portugal, violar a directiva-quadro comunitária sobre a água.
A hipótese foi levantada por associações ambientalistas portuguesas, numa carta enviada a Durão Barroso, que foi assumida como uma queixa por Bruxelas. Um dos argumentos é o de que as barragens, ao alterarem radicalmente os rios onde se localizam, podem comprometer a obtenção do "bom estado da água" que a directiva-quadro exige até 2015.
A directiva não impede a construção de novas barragens, mas exige uma série de condições, uma delas a de que estejam contempladas em planos de gestão de bacias hidrográficas. Mas os planos exigidos pela directiva ainda não existem. Até ao final deste ano, deverá haver versões disponíveis para consulta pública, informa a assessoria de imprensa do Ministério do Ambiente.
Organizações ambientalistas unidas em torno da Plartaforma Sabor Livre entendem que, ao aprovar as barragens antes da elaboração dos planos de bacia, Portugal está a violar a directiva-quadro da água. A Comissão Europeia confirmou ao PÚBLICO, através do gabinete de imprensa do comissário do Ambiente, Stavros Dimas, que está a investigar a queixa, sem fornecer mais detalhes.
Bruxelas, entretanto, já pediu a uma empresa externa uma proposta para uma "avaliação independente" do Programa Nacional de Barragens. Nos termos da requisição do serviço, anexados a uma carta enviada em finais de Novembro à empresa em causa, o foco da avaliação é o "cumprimento da legislação da União Europeia sobre a água".
Segundo o documento, o plano nacional não inclui "uma comparação adequada" entre os benefícios das barragens e os objectivos de qualidade da água impostos pela directiva. "Há muito pouca atenção aos impactos na água", diz o documento. O texto não reflecte uma posição formal da Comissão Europeia, pois ainda nem sequer foi aberto um processo de infracção à legislação comunitária.
A estudo deverá avaliar outras alegadas lacunas do programa de barragens, tais como o efeito das alterações climáticas sobre a disponibilidade de água para os empreendimentos propostos. O PÚBLICO não conseguiu confirmar, junto da Comissão, se o estudo já foi ou não adjudicado. Mas o desejo de Bruxelas era o de que a avaliação fosse feita entre Janeiro e Maio. O presidente do Instituto da Água, Orlando Borges, afirma que não há qualquer violação da legislação comunitária.
Orlando Borges afirma que o plano do Governo foi sujeito a uma avaliação ambiental estratégica, que permitiu afastar as opções claramente inviáveis em termos ecológicos. "O ambiente foi preponderante", diz.
Além disso, cada projecto individual vai ser alvo, agora, de um estudo mais aprofundado. "Todas essas barragens vão ter uma avaliação de impacte ambiental", explica.
O plano do Governo é reduzir a fatia de potencial hídrico não-aproveitado no país de 54 por cento para 33 por cento. Orlando Borges afirma que outros países europeus, com muito menos potencial hídrico por aproveitar, fizeram mais barragens do que Portugal nos últimos 15 anos.
Segundo Orlando Borges, Portugal já prestou vários esclarecimentos sobre o plano de barragens a Bruxelas, através do sistema Pilot, um procedimento agilizado de pedido e envio de informações sobre queixas apresentadas à Comissão Europeia.
O programa de barragens não envolve financiamentos comunitários, sendo a construção dos empreendimentos suportada pelas concessionárias que venceram os concursos lançados no ano passado - EDP, Iberdrola e Endesa. O Estado arrecadou 623 milhões de euros com os concursos. Se não surgir nenhum obstáculo, oito novas barragens do programa serão construídas até 2016. A esta somam-se três actualmente em obras ou prestes a serem lançadas. "Nunca em Portugal se fizeram tantas grandes barragens ao mesmo tempo", diz Orlando Borges.
(Por Ricardo Garcia, Ecosfera, 18/01/2009)