Mercado dobrou em menos de 10 anos e agora terá regras padronizadas de cultivo, colheita e armazenamento
Dez anos após aparecerem nas prateleiras dos grandes supermercados, os alimentos orgânicos finalmente terão uma regulamentação e um selo único para orientar o modo de produção e a escolha dos consumidores. Até o fim do ano, os cerca de 15 mil produtores do País, mais de 85% deles pequenos e em propriedades familiares, deverão adotar procedimentos básicos de cultivo, colheita e armazenamento, fazendo um cadastro no Ministério da Agricultura e exibindo documento que garanta sua origem.
Isso porque, apesar do crescimento de 114% no número de agricultores em menos de dez anos (de 7 mil em 2000 para 15 mil em 2008) e do salto de 196% na área de plantio (de 270 mil hectares para 800 mil hectares no mesmo período), segundo o Ministério da Agricultura, os orgânicos começaram a perder o status de produto restrito a um nicho de mercado.
Melhoraram de aspecto, deixando de ser aquela fruta ou legume pequeno e feio, e ganharam em variedade. Hoje, em redes de supermercado, lojas de produtos naturais, mercearias ou mesmo feiras especializadas é possível comprar um leque grande de frutas, legumes e verduras, além de açúcar, café, leite, achocolatado, biscoito, bolo, queijo, iogurte, doces em compota, geleia, pão, azeite e vinagre orgânicos. Há ainda chá, vinho e cerveja orgânicos, as carnes bovinas e frangos - de animais que crescem soltos, sem receber antibióticos ou hormônios.
Sem contar os cosméticos e produtos de higiene pessoal, como sabonete, xampu, detergente, desinfetante e até mesmo algodão para fabricar tecidos. "Hoje eu distribuo orgânico para grandes redes e também para padarias de bairro, mercadinhos, lojas menores. Definitivamente deixou de ser um produto que apenas as classes A e B consomem, como era até pouco tempo", diz Antonio Sá, sócio do Empório em Casa, especializado em delivery semanal de cestas com produtos orgânicos, e da Orgânica Mix, uma das maiores empresas de distribuição e representação de orgânicos no País. "Empresas e hotéis começam a colocar em seus cardápios, sem contar as escolas, abrindo mercado", afirma.
Identificação
Sá trabalha com diversos fornecedores, de vários Estados, levando para grandes e pequenos pontos-de-venda os produtos. Cada um deles, para provar que é orgânico, paga uma taxa que varia de R$ 500 mil a R$ 5 mil a uma empresa certificadora, que lhe dá um selo de garantia - hoje existem mais de 20 dessas empresas, o que confunde o consumidor. Além disso, cada certificadora tem suas próprias regras para definir o que é alimento orgânico.
"Vejo um pé de alface que custa R$ 50 e outro que custa R$ 1,50 e como vou ter certeza que ele é mesmo orgânico?", questiona a professora de educação física Natália Gratenberg, de 27 anos, adepta de uma alimentação saudável, com menos produtos químicos possíveis. "Na dúvida, tem dia que acabo comprando e tem dia que não. Ou então, compro os produtos nos quais a diferença de preço não é tão grande", conta.
Justamente para acabar com esse tipo de dúvida e regular o setor, ajudando a identificar com maior precisão onde estão e quantos são os produtores, que o selo foi criado. Ele vem com uma regulamentação maior para a área, que inclui regras de produção, comercialização e mecanismos de controle. Aprovada em 2003 no Congresso e em vigor desde o fim de 2007, ela estabeleceu dois anos para produtores se adaptarem.
"A regulamentação é importante para que os produtores possam se organizar melhor e para que o consumidor saiba o que é o orgânico, que vai muito além do que só ser um produto que não usa agrotóxicos", explica Rogério Dias, coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura. "O orgânico é um alimento feito sem uso de agrotóxicos, sem condições de trabalho degradante, com manejo para uso adequado do solo e água. Ou seja, é um alimento em harmonia com o ambiente."
Com isso, até o fim do ano, produtores que vendem em feiras deverão se organizar em associações, que terão registro no ministério e darão direito a um documento (espécie de alvará). Quando ele for vender direto ao consumidor, deverá exibir esse documento para provar que está de acordo com as normas. Já os produtores maiores, que trabalham com redes de distribuição, levarão o selo único. Nesse caso, as certificadoras serão optativas e terão de se adequar à lei. [OS ORGÂNICOS]Por terem sido definidas com o setor, não deve haver resistências no cumprimento das regras do ministério, segundo José Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial da Agricultura Orgânica. "Para os produtores, a diferença será pouca. Eles terão de seguir normas que são consenso no mundo."
Para Dias, a normatização ajudará a venda ao mercado interno - muitas vezes as exportações o deixam em segundo plano. De agosto de 2006 a setembro de 2008, o Brasil exportou 37 mil toneladas em produtos orgânicos, que equivale a uma receita de US$ 26,7 milhões.
SAIBA MAIS
Cultivo: sem agrotóxico ou adubo químico nem herbicida sintético
Solo: produzido em locais com manejo do solo para não esgotar a terra. Não podem ser feitas queimadas sistemáticas
Água: guarda distância de manancial e rio para não poluir a água
Não usa: mão de obra infantil ou em condição precária nem hormônios de crescimento
Algumas regras do Instituto Biodinâmico (umas das maiores certificadoras nacionais): desintoxicar o solo; não utilizar adubos químicos e agrotóxicos; atender às normas do Código Florestal; recompor matas ciliares; preservar espécies nativas e mananciais; respeitar acordos internacionais do trabalho e o bem-estar animal
Diferenças: além dos orgânicos, existem no mercado rótulos de alimentos naturais (mais genérico, já que todo produto de origem animal ou vegetal é natural; geralmente é usado em produto integral); hidropônicos (cultivados em água adubada com químicos solúveis, mas sem defensivos agrícolas); dietéticos (sem adição de açúcar); light (com teor reduzido de algum produto, açúcar ou gordura) e funcionais (com propriedade que ajuda a prevenir ou controlar sintomas ou doenças)
(Por Simone Iwasso, Estadão On line, 18/01/2009)