Acaba de ser lançado, sob a responsabilidade editorial do Conselho Indigenista Missionário – CIMI e autoria da professora Rosane Lacerda, um livro que registra e avalia a participação indígena no processo constituinte de 1987–1988.
Publicado pelo CIMI, uma das entidades mais atuantes na luta pelos direitos indígenas na Assembléia Nacional Constituinte, o livro traz em suas 240 páginas o resgate histórico da intensa mobilização dos povos indígenas e de seus aliados no palco da ANC.
A publicação reúne também diversas fotografias e documentos do período relativos a cada fase do andamento dos trabalhos da ANC em torno da questão indígena. Além de marcar as comemorações pela passagem dos vinte anos da CF/88, o trabalho visa subsidiar pesquisas relativas à participação dos movimentos sociais na elaboração da Carta Fundamental do país.
O lançamento ocorreu no SESC Ceilândia, no final de novembro, com a presença de Dom Erwin Kräutler, Bispo de São Félix do Xingu e Presidente do CIMI, e fez parte das atividades do Seminário Constituição 20 anos: Estado, democracia e participação popular, promovido pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
A autora, Rosane Lacerda, é uma das principais expressões da assessoria jurídica à causa indígena, e é também de sua autoria uma dissertação de mestrado exemplar Diferença não é Incapacidade. Gênese e Trajetória Histórica da Concepção da Incapacidade Indígena e sua Insustentabilidade nos Marcos do Protagonismo dos Povos Indígenas e do Texto Constitucional de 1988 - que tive o privilégio de orientar no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UnB. Rosane escreve regularmente no Observatório da Constituição e da Democracia, publicação mensal que resulta de uma bem-sucedida parceria entre a UnB (Faculdade de Direito) e o Sindjus-DF.
Conforme indicou a própria autora, compõem o livro duas partes principais. Na primeira, dividida em dois capítulos, ela buscou oferecer ao leitor uma panorâmica dos problemas vividos pelos povos indígenas no momento pré-constituinte, a inserção do movimento indígena no conjunto maior dos movimentos sociais em luta pela construção de um regime ver dadeiramente democrático, plural e participativo, bem como as mobilizações destinadas à participação na feitura da nova Carta Constitucional do país. Na segunda parte ela narra, a partir de cada fase dos trabalhos da ANC, os embates em torno das propostas relativas aos direitos indígenas, os obstáculos encontrados em meio ao percurso e as estratégias utilizadas tanto pelos povos indígenas quanto por seus aliados, culminando com o texto finalmente aprovado.
Nesse momento em que se comemora os vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988– a “Constituição Cidadã”–, a presença indígena nos corredores do Congresso Nacional em meio à Assembléia Nacional Constituinte é fato freqüentemente lembrado. Contudo, não havia ainda recebido um tratamento mais detido e específico. O livro é, pois, o significativo esforço de um resgate sistematizado sobre a histórica participação do movimento indígena no processo constituinte de 1987–1988. É fruto não apenas de pesquisas documentais nos anais, arquivos e publicações da época, mas também da perspectiva de quem acompanhou e testemunhou de perto aqueles acontecimentos.
Visando servir de subsídio a pesquisas sobre a participação dos movimentos sociais na Constituinte, o livro disponibiliza aos seus leitores diversos documentos de valor histórico relativos ao tema, como depoimentos de lideranças indígenas, militantes indigenistas e especialistas, dados perante a fase das subcomissões, assim como o inteiro teor das propostas relativas aos direitos indígenas e as propostas de emendas populares à Constituição. Além disso, traz diversos registros fotográficos dos momentos mais marcantes das mobilizações em torno da luta pelos direitos indígenas na ANC. Uma luta, em suma, com alto teor de exemplaridade para a construção social da cidadania, sobretudo quando se leva em conta debates, inclusive acadêmicos (debate de Valladolid), travados ao longo do século XVI, quando pairava a dúvida – se é que não paira ainda – acerca da própria humanidade dos indígenas.
Trata-se, enfim, de um tributo à memória de todos os que acreditaram e participaram daquele processo, e uma fonte importante de pesquisas para as gerações mais novas, para as quais estes fatos já constituem história.
(Por José Geraldo de Souza Júnior*, Sidjus, CIMI, 15/01/2009)
*Professor da Faculdade de Direito e Reitor da Universidade de Brasília (UnB)