A Petrobras está importando diesel S50 para abastecer as frotas de ônibus das duas capitais. E vai investir US$ 4 bilhões até 2012 para produzir o combustível no País. Começa a ter um desfecho a crise que, desde o ano passado, vem colocando em lados opostos a maior empresa brasileira, a Petrobras, e importantes organizações da sociedade civil, como o Movimento Nossa São Paulo e o Instituto Ethos. Um dos capítulos mais contundentes foi a exclusão da Petrobras do Índice de Sustentabilidade (ISE) da Bovespa, que teve como contrapartida o desligamento do Ethos do Conselho do ISE, órgão que analisa o desempenho das empresas em busca da sustentabilidade.
Esta semana a Petrobras divulgou que está investindo US$ 4 bilhões para a produção até 2012 do diesel S-50 (com 50 partes por milhão de enxofre), dez vezes menos poluente do que o S-500, utilizado atualmente nas grandes cidades e áreas metropolitanas de todo o país. Mais US$ 2 bilhões ainda deverão ser utilizados para o fornecimento do diesel S-10 a partir de 2013. O anúncio foi feito pelo diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, durante entrevista coletiva em São Paulo, num balanço após os primeiros dias abastecendo as frotas de ônibus urbanos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro com o combustível menos poluente. Esta providência traz uma melhoria de cerca de 10% na qualidade do ar destas cidades. Estão sendo importados e disponibilizados 60 mil m³/mês do S-50 para a cidade de São Paulo e 30 mil m³/mês para o Rio de Janeiro, 30% do volume de diesel utilizado nesses municípios.
A iniciativa é parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado junto ao Ministério Público Federal (MPF), sob orientação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), no final de outubro do ano passado, pelo não cumprimento da Resolução 315/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que estabelecia para o dia 1º de janeiro de 2009 a comercialização de combustíveis que emitam menores teores de enxofre e de óxidos de nitrogênio para 100% da frota nacional.
A Petrobras apresentou também outras partes do TAC previstas para ter início a partir de janeiro: A substituição do diesel S-2000 - que é 75% de todo o diesel produzido no Brasil e distribuído no interior do país (2,5 milhões de m³/mês) - pelo S-1800, com 200 ppm a menos e que deverá ser gradativamente substituído pelo S-500 até 2014; Investimento de R$ 1 mi para o programa de fiscalização de emissão de fumaça preta da Cetesb em São Paulo; Desenvolvimento das atividades do Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados do Petróleo e do Gás Natural (Conpet); e cronograma de distribuição do S-50 nas regiões que precisam de diesel menos poluente.
A partir de maio deste ano toda a frota de veículos metropolitanos em Fortaleza (CE), Recife (PE) e Belém (PA) receberão esse combustível (90 mil m³/mês). Em agosto, Curitiba o terá disponível para seus ônibus (10 mil m³/mês). Em janeiro de 2010 será a vez das frotas de ônibus de Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA) (22 mil m³/mês) e de toda a região metropolitana de São Paulo (30 mil m³/mês). Em janeiro de 2011, o combustível será fornecido também às frotas cativas de ônibus urbano de outras três Regiões Metropolitanas do Estado de São Paulo (Baixada Santista, Campinas e São José dos Campos) e Região Metropolitana do Rio de Janeiro (50 mil m³/mês). “Essa é uma medida muito importante para todos os centros metropolitanos”, afirma Carlos Eduardo Komatsu, gerente do Departamento de Tecnologia do Ar da Cetesb. “Somente com a troca do combustível, sem instalar nenhum dispositivo, será possível retirar algumas toneladas de material particulado do ar”, analisa.
Empurra-empurra
A Resolução 315 do Conama, de 2002, estabeleceu novos limites de emissões veiculares para o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) que deveriam ser atendidas a partir de janeiro de 2009. Os anos se passaram e em 2008 pouco ou quase nada havia sido feito para que a Resolução fosse cumprida. Um jogo de empurra, do tipo “o ovo ou a galinha”.
Como a 315 não fala em tipo de combustível, mas em limite de emissão para os veículos novos produzidos a partir de janeiro deste ano, a Petrobras alegou publicamente por diversas vezes que não poderia cumprir a norma por não haver no Brasil veículos com motores que estariam aptos a seguir a determinação do Conama. A indústria automobilística por sua vez, através da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), argumentava que não poderia desenvolver motores que atendessem a Resolução sem que houvesse o novo combustível e normas por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em outubro de 2008 ambas alegaram falta de tempo hábil para o cumprimento da norma. “Nós não ficamos parados, estamos investindo desde 2003”, alega Paulo Roberto Costa. “Não é fácil desenvolver algo assim, não basta dinheiro. É preciso adquirir tecnologia, montar novas plantas, a logística de distribuição, adaptar os postos de serviço etc. São 11 unidades em construção. Isso tudo não se faz em 4, 5 anos”, pondera.
Costa repetiu diversas vezes que sem um motor que atenda as especificações da Resolução não irá emitir muito menos poluentes por causa do novo combustível. “A melhora será somente de 5 a 10%, quando deveria ser de até 40%”, enfatiza. A posição oficial da Petrobras é que “é enganosos afirmar que reduzindo o teor de enxofre do diesel será resolvido o problema da qualidade do ar”.
Melhorias com o acordo
Em vista do não cumprimento da Resolução, a Petrobras, assim como as montadoras, foi impetrada uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, que busca garantir que a norma do Conama seja cumprida. “O TAC tem por objetivo mitigar o problema ambiental, a ação civil continua correndo. Mas é com satisfação que recebo a notícia que já foram cumpridas as primeiras fases do acordo com a Petrobras previstas para 1° de janeiro”, diz em tom de comemoração a procuradora do MPF, Ana Cristina Bandeira Lins. A promotora destacou que o acordo acabou trazendo novas fases que a Resolução Conama 315 não vislumbrava, como a antecipação de limites mais restritivos de emissões a partir de 2012, similar aos limites europeus Euro 5, e a oferta do diesel S-10 a partir de janeiro de 2013. Será realizado também um estudo financiado pelo setor automobilístico para averiguar se o objetivo da Resolução foi alcançado, podendo assim dar início a novas fases de melhoria, tanto nos combustíveis como nos motores.
O xis da questão
“Não adianta melhorarmos o diesel e os motores se a frota não for renovada”, enfatizou Ana Cristina. Segundo ela, a Organização Mundial de Saúde recomenda que a frota seja trocada a cada 10 anos, com vistoria de regulagem de emissões periódicas. Rudolf de Noronha, diretor do Departamento de Qualidade Ambiental do MMA, disse que a discussão sobre esta questão existe dentro do governo, mas ainda é embrionária. “Vimos programas em países com características parecidas com as do Brasil, como México e Colômbia, mas ainda não há nada nesse sentido. Teria de ser uma troca gradual, uma vez que proprietários de veículos mais velhos são de baixa renda, não teriam condições de comprar um novo”, analisou.
Questionada sobre a vistoria obrigatória realizada em São Paulo, a promotora se diz satisfeita pelo município estar cumprindo a legislação, vigente há 15 anos, mas que lamenta que atinja somente veículos fabricados a partir de 2003, que poluem menos e já atendem normas do Proconve. “Estudos encomendados para a negociação do acordo aponta que o grande vilão, responsável por mais de 90% das mortes ocasionadas pelos efeitos da poluição do ar, são os carros antigos”, conclui.
(Por Wilson Bispo, Envolverde, 14/01/2009)