O ano de 2009 é o último antes de vencerem as primeiras promessas de recuperação dos passivos ambientais em propriedades rurais na Amazônia Legal. Mas iniciou com crise no campo e, nessas condições, o uso do dinheiro é um tanto quanto criterioso. Investir na recuperação de reservas legais e de áreas de preservação permanentes requer incentivos do próprio governo para tornar a missão atraente, mesmo na adversidade. A começar pelo conhecimento do que existe de passivo ambiental na região, o que nem organizações civis acostumadas a monitorar o desmatamento conseguem desvendar.
Aí, quando a fiscalização bate à porta de quem está em situação irregular, é reclamação na certa. Mas pecuaristas e agricultores sabem que podem reduzir drasticamente suas multas se comprometendo com a recuperação florestal, exigida por lei. Só que pelos mais variados motivos, a bendita não sai do papel.
O pecuarista Luiz Castelo, dono de uma fazenda de 13 mil hectares no município de São José do Xingu (MT), quitou seu déficit de reserva legal comprando outras áreas para compensação ambiental. “Só consegui porque tinha renda de outras atividades, mas a maioria dos produtores, pequenos, médios e até os grandes, não está capitalizada para isso”, diz. “Se não tivermos fontes de recursos, ninguém recupera nada. Sabemos que há linhas no BNDES, mas não há como acessá-las”, reclama.
Castelo discorda principalmente das taxas de juros. “Já vi o ministro Carlos Minc falando em juros de 2%, mas nenhum banco oferece isso”. O ideal, para ele, seria ter juros baixos e carência para o pagamento dos financiamentos, de dez anos para cima. “Não se consegue fazer recuperação florestal do dia para a noite”, diz. Por causa da inviabilidade dos juros, pecuaristas como Castelo têm lançado mão de outras fontes, como no mercado de créditos de carbono.
Luciano Gonçalves, assessor técnico da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), justifica a demora em investir na recuperação ambiental no cenário econômico mundial. “Em função de um certo grau de endividamento, talvez os produtores encontrem dificuldade por ter cadastro inativo ou inadimplência”, diz, sugerindo que os ruralistas procurariam essas linhas de crédito para recuperação se não houvesse vinculação com outros tipos de financiamento, como para aquisição de maquinário.
Raul Andrade, engenheiro do Departamento de Meio Ambiente e Responsabilidade Social do BNDES, explica que é preciso enviar uma proposta numa carta-consulta, examinada pelos departamentos de Meio Ambiente e de Prioridades. Daí saem as primeiras recomendações do banco. “Uma que sempre fazemos para empreendimentos agropecuários é em relação à regularidade florestal, não apenas do postulante, mas quando este é uma empresa-âncora de uma cadeia de produção agropecuária (como frigoríficos, por exemplo), também a de seus fornecedores”, detalha.
Entre as 11 linhas de crédito oferecidas pelo BNDES, Andrade destaca o Propflora. “Este é um programa interessante para o pequeno proprietário, pois disponibiliza até 200 mil reais por ano para composição da reserva legal e para restauração de áreas de preservação permanente, a juros fixos e relativamente baixos”. Mas nenhum na casa dos 2%, como andou prometendo o Ministério do Meio Ambiente em agosto passado. Clique aqui e confira tabela com linhas de crédito para recuperação florestal oferecidas pelo BNDES.
Transparência
Diferentemente de incentivos para obtenção de crédito agrícola, daqueles oferecidos em qualquer agência bancária, conseguir informações sobre financiamento para recuperação ambiental é algo bem obscuro. Esta é outra queixa, não é só da Famato. “O BNDES tem a linha, mas ele não é um banco de varejo. Empresta para bancos oficiais e as informações de operação não são facilmente encontradas nas agências”, opina Henrique Santos, coordenador de conservação em terras privadas da The Nature Conservancy (TNC). Há mais de dois anos ele tem trabalhado junto a produtores rurais da região central de Mato Grosso para buscar alternativas de recuperação e de compensação ambiental em suas propriedades.
Outro obstáculo para este tipo de financiamento é econômico. “A recuperação em si é uma atividade que não gera lucro para o proprietário, então é preciso discutir se as linhas possuem juros e incentivos suficientes para que o interessado opere o financiamento e depois consiga pagar”, lembra Santos.
Como para muitos produtores que estão na Amazônia Legal os esforços para regularização ambiental são regidos por exigências do mercado externo, sobretudo o europeu, supõe-se que a recuperação florestal possa de alguma maneira agregar valor à sua produção. Isso se os consumidores continuarem a pressionar pela legalidade da cadeia produtiva, coisa com que os chineses pouco se importam. “Além de pagar o financiamento da soja, vão pagar o financiamento da recuperação. Se os juros não forem mais baixos e a carência para o pagamento aos bancos não for suficiente, não vai dar”, explica Santos.
Nem a Famato ou BNDES souberam dizer quantos produtores efetivamente aproveitam os mecanismos de recuperação florestal oferecidos pelo banco. “Será necessário fazer uma pesquisa inédita nos registros do BNDES, o que pode demorar”, responde Andrade. Ele reforça que as portas estão abertas e que o banco fica feliz quando proprietários tomam recursos para recomposição de áreas de preservação permanente e reserva legal “na medida em que as consultas satisfizerem nossos requisitos para enquadramento e controle do risco”, endossa.
Linha especial para compensação
No caso das reservas legais em lavouras consolidadas, recuperá-las dentro das propriedades muitas vezes não vale a pena. A solução é, então, comprar áreas com florestas nativas para compensação ambiental, garantindo a conservação desses locais, uma modalidade ainda inédita de financiamento para os bancos. “Estamos discutindo internamente a possibilidade de criar um programa para financiar a compra de florestas por um bloco de propriedades rurais, desde que as florestas sejam empregadas na regularização florestal”, explica Andrade. Para isso, o BNDES pretende exigir garantias de empresas-âncora das cadeias produtivas no município.
Para a Famato, enquanto a crise perdurar, nem esses novos mecanismos conseguirão surtir o efeito desejado. Segundo Gonçalves, este é um ano em que não está sobrando dinheiro para o produtor rural pagar suas dívidas, por isso nessas condições, acessar novos créditos se torna inviável. “Temos o mito de que o produtor compra avião, caminhonete, mas na verdade a grande maioria, quando consegue fazer investimento, é para compra de maquinário pesado de alta tecnologia para o manejo das lavouras. Essa necessidade de ser eficiente deixa o produtor sem capacidade operacional ou financeira para fazer este ajuste em áreas de reserva no prazo ideal”, justifica o técnico da Famato.
Ele garante que, em melhores momentos da economia, vai ser mais fácil procurar e acessar créditos para recuperação ambiental. Só que história tem mostrado, ao contrário, que quando a economia vai bem, o desmatamento segue o rastro. Ainda que a natureza não tenha mais tempo para se esconder atrás da crise, vale o desafio de ver como vão se comportar a destruição e a recuperação de florestas quando mais proprietários voltarem a ficar com dinheiro na mão.
(Por Andreia Fanzeres, OEco, 12/01/2009)