As discussões que aconteceram na CoP-14, em Poznan, Polônia, entre os mais de 10.500 participantes de 187 países, podem gerar algum benefício prático no que se refere aos interesses do Brasil em reduzir o desmatamento, em pelo menos um aspecto: a eventual instituição do REED, mecanismo de redução de emissões de GEEs pelo pagamento ao desmatamento evitado, que poderá ser formalizado nas convenções sobre mudanças climáticas para depois de 2012, quando se encerra o “mandato” do Protocolo de Kyoto.
A idéia básica é simples: evitar o desmatamento gera um benefício para “todo o mundo” em termos de aquecimento global e preservação da biodiversidade, e por esta razão todos deveriam contribuir com esta causa. A proposta em si parece já estar tacitamente aceita, embora deva ser aprovada formalmente só na próxima CoP, no ano que vem em Copenhague, mas os participantes se dividem no que se refere à forma como isto poderia ser feito: alguns países acreditam que este financiamento poderá ser realizado no contexto do já existente mercado de créditos de carbono, enquanto outros propõem que seja feito através da criação de um fundo específico. Esta linha de trabalho, proposta pelo Brasil, recebeu inesperado apoio da União Européia em Poznan, esta semana, quando os 27 países do bloco decidiram-se pela criação de fundos ambientais ao invés de utilizar o mecanismo do mercado de carbono.
O Brasil vem trabalhando pela segunda proposta e até mesmo já criou o Fundo Amazônia que, espera-se, deve contar com doações de países estrangeiros – já recebeu uma doação de US$ 1 bilhão da Noruega que serão disponibilizados até o ano 2015, caso o Brasil consiga manter o desmatamento abaixo de 19.500 Km2, o índice de 2005. Discutido inicialmente na CoP-13 em Bali, ano passado, quando foi incluído no chamado “mapa de ação”, o REED - desmatamento evitado vem sendo estudado por um grupo de trabalho próprio que se reuniu três vezes nos últimos 12 meses, sob a liderança do diplomata brasileiro Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Experiências bem sucedidasO Brasil já tem algumas experiências pontuais bem sucedidas nesta área. Uma delas é o Programa Desmatamento Evitado, uma iniciativa da ONG paranaense SPVS – Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – para preservar áreas de matas com araucária remanescentes no Paraná e Santa Catarina, que já garantiu a adoção e preservação de 1.763,63 hectares em 14 propriedades privadas em pouco mais de um ano. Estas áreas estão sendo protegidas por empresas como o banco HSBC (R$ 1,5 milhão investidos), Grupo Positivo e Kapersul, que apóiam o programa pagando aos proprietários das áreas o valor estimado de cerca de 120 toneladas de carbono armazenado por hectare de floresta de araucária preservada.
A contribuição do banco HSBC está sendo feita a partir da escolha de seus produtos financeiros pelos clientes. A cada contratação ou renovação de apólice de seguro feita no banco, o cliente ganha um bônus (do banco) para preservar uma área nativa de 88 m² - no caso de seguro veicular - ou de 44 m², se for um seguro residencial.
Reduzindo a devastação na AmazôniaOutra experiência bem sucedida de incentivo financeiro para a preservação é da Fundação Amazonas Sustentável – FAS, que vem fazendo o pagamento de uma Bolsa Floresta para comunidades de moradores do estado do Amazonas preservarem a floresta do entorno onde moram. Criada a partir da associação do banco Bradesco com o governo do Estado do Amazonas em fins de 2007 para financiar programas de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, a experiência já beneficia mais de 5.000 famílias com R$ 600,00 por ano. Segundo o Bradesco, os recursos totais a serem investidos na Fundação (R$ 20 milhões já foram doados e o compromisso é doar mais R$ 50 milhões nos próximos 5 anos) também sairão do mercado, através da comercialização de produtos – como os mais de 190.000 títulos de capitalização Pé Quente Bradesco FAS já vendidos.
A experiência da FAS foi apresentada como modelo de projeto de desmatamento evitado no “Forum on Readiness for REED” em Gana, na África, em agosto deste ano, pelo diretor executivo da Fundação, Virgilio Vianna, no contexto do grupo de trabalho criado pelo “mapa de ação” do CoP 13 de Bali. A estimativa do estoque de carbono nos 17 milhões de hectares das 31 Unidades de Conservação gerenciados pela FAS em convênio com o Estado Amazonas é gigantesco – 67 bilhões de toneladas – e poderia gerar algo em torno de US$ 100 milhões anuais em créditos de carbono, caso o desmatamento evitado fosse aprovado com os mecanismos atuais do Protocolo de Kyoto.
A Fundação Amazonas Sustentável é responsável também pelo primeiro projeto brasileiro certificado de REDD, através da preservação de uma área de 366.000 hectares da floresta amazônica dentro da Reserva Juma, no Amazonas, até o ano de 2050, gerando uma redução de 210 milhões de toneladas de CO2. Este projeto atraiu outros parceiros para a FAS, além do Bradesco e do governo do Amazonas. É o caso da rede de hotéis Marriott, que vai investir US$ 2 milhões nos próximos anos na Reserva para melhorar as condições de vida das pessoas e além disso vai incentivar seus hóspedes a doarem US$ 1,00 por noite – o que poderá gerar espantosos US$ 400 mil dólares por dia, já que a rede tem cerca de 500.000 leitos.
O papel das políticasO Paraná deu outro bom exemplo de experiência de pagamento para incentivar o não-desmatamento: trata-se do ICMS Ecológico. Criado em 1991 a partir da aliança do governo do estado com municípios, tem como objetivo devolver parte do ICMS arrecadado aos municípios que tenham grande parte do território ocupado por florestas, como forma de compensá-los pelo não uso da terra e incentivá-los a preservar as áreas. Nestes quase 15 anos o ICMS Ecológico transformou-se também em instrumento de incentivo direto à conservação ambiental para proprietários de terras além dos municípios (o que já vem sendo feito no Paraná) e já está presente em São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
O exemplo negativo da inércia e incompetência do poder público em relação ao assunto vem do vizinho estado de Santa Catarina - que deve boa parte de seu sofrimento com as chuvas de outono ao desmatamento de áreas incentivado por políticos inescrupulosos. Santa Catarina não só ainda não adotou o ICMS Ecológico, como tem pautado sua gestão pública estadual por iniciativas que nadam contra a correnteza, incentivando a destruição.
Incentivar o não-desmatamento com compensações financeiras – pagar pela floresta em pé - é uma desejável prática porque sabemos que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso – e pouquíssimas pessoas, sejam do governo ou sejam proprietários privados, vão conseguir resistir muito tempo à pressão por “fazer dinheiro”. Que façam dinheiro, sim, mas da maneira correta, fazendo “business do bem”.
(Por Rogério Ruschel*, especial para
Envolverde, 11/01/2009)
* Rogerio R. Ruschel é editor da revista eletrônica “Business do Bem – Economia, Negócios e Sustentabilidade” que pode ser acessada em http://www.ruscheleassociados.com.br.