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2009-01-09
Secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas, entre 2003 e 2006, e Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, entre 2007 e 2008, o biólogo João Paulo Capobianco acredita que o Brasil avançou em relação às suas posturas tradicionalmente conservadoras em relação à Convenção do Clima, “mas o avanço está muito aquém do papel que deveria e poderia desempenhar”.  Atualmente em Nova Iorque, como professor visitante do Centro de Meio Ambiente, Economia e Sociedade (CEES, na sigla em inglês), da Universidade de Colúmbia, Capobianco também está atuando como pesquisador associado ao Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).  Nesta entrevista à Clima em Revista, o biólogo faz uma avaliação da gestão brasileira em relação às mudanças climáticas e suas expectativas para o futuro da Amazônia.

Clima em Revista – Como avalia a atuação do Brasil em relação às mudanças climáticas, tanto na gestão Marina Silva, da qual participou, como agora com Carlos Minc?

João Paulo Capobianco - O Brasil avançou em relação às suas posturas tradicionalmente conservadoras, mas o avanço está muito aquém do papel que deveria e poderia desempenhar.  Na gestão Marina Silva, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) teve uma inédida posição de liderança bastante positiva.  Foi neste período que o Brasil passou a trabalhar a relação entre clima e floresta, até então considerado um tabu para a nossa diplomacia.  Desse trabalho resultou a proposta brasileira de incentivos positivos para a redução de emissões provenientes do desmatamento, apresentada originalmente na reunião técnica promovida pelo secretariado da Convenção em julho de 2006 e, no mesmo ano, na Conferência das Partes de Nairóbi (COP 12).  Foi, ainda, resultado da interação entre os Ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores o avanço, protagonizado diretamente pelo ministro Celso Amorin na COP 13, em 2007, ao anunciar que o Brasil concordava com o estabelecimento de metas internas de mitigações "mensuráveis, reportáveis e verificáveis".  Muito mais do que um jogo de palavras, como alguns analistas vêm insistindo em caracterizá-la, trata-se de uma evolução de uma posição pré-Bali que mantinha o Brasil refém de uma infindável discussão conceitual sobre assumir ou não metas internas, escorado no mau uso do princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas.  Com essa nova postura, o País se colocou de forma ativa na discussão de como definir metas internas e que processos poderão ser adotados no âmbito da Conferência para que elas sejam reportadas e verificadas pelo conjunto das Partes.  Também partiu do MMA a proposta e a liderança das negociações que deram origem ao Fundo Amazônia, recentemente criado pelo presidente Lula, já na gestão de Carlos Minc.

Apesar desses e outros avanços, o Brasil ainda desempenha uma postura reativa nas negociações internacionais.  Mesmo com credenciais importantes, como possuir os mais altos índices de presença de fontes renováveis na matriz energética entre as Partes da Convenção, ser detentor do mais eficiente programa de biocombustível em execução no mundo e ter obtido reduções extremamante significativas nas emissões por desmatamento nos últimos anos, o Brasil insiste em ver a Convenção não como uma oportunidade, mas como uma ameaça ao seu desenvolvimento.  Com isso, deixa de exercer a liderança que lhe cabe entre os países em processo acelerado de desenvolvimento e, por consequência, não explora as potencialidades que as negociações climáticas internacionais têm a oferecer no apoio ao desenvolvimento sustentável.  Quanto a manutenção da liderança exercida pelo MMA na gestão Carlos Minc, tenho mais dúvidas do que certezas.  Aparentemente houve uma perda de protagonismo.  A fragilidade do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que não apresenta propostas concretas e mensuráveis à altura das capacidades do Brasil é uma referência neste sentido.  Mesmo a agora anunciada meta de redução do desmatamento em 40% entre 2006 e 2010, em relação à média do período 1995-2005, é muito pouco.  Isso porque essa meta já foi praticamente atingida, bastando manter o rítimo estável de desmatamento nos próximos dois anos a uma taxa absurda um pouco abaixo de 11 mil quilômetros quadrados.  O Plano era a oportunidade do MMA obter maiores compromissos dos demais órgões do Governo Federal, estados, setor empresarial e sociedade civil organizada na intensificação do combate ao desmatamento e no apoio a mudança de modelo econômico regional.

O que espera das negociações para o pós-2012?  Como vê o papel do Brasil nesse processo?

Os avanços nas discussões em torno do mecanismo que deverá susceder o Protocolo de Quioto, a partir de 2012, são inexoráveis.  Vários fatores estão contribuindo para isso, mas dois são indiscutíveis.  Um deles é o grau de consciência da sociedade ter aumentado dramaticamente desde o último relatório do IPCC, criando um sentimento de urgência que nunca havíamos experimentado.  O outro é a mudança do governo norte-americano, que deve voltar a atuar politicamente de forma multilateral, valorizando os processos de negociação internacional.  O Brasil pode desempenhar um papel importante neste momento, em continuidade ao destaque que nossos negociadores tiveram nas discussões ocorridas em Bali.  O reconhecimento da contribuição brasileira ficou evidente com a escolha do Brasil, através do ministro Luiz Alberto Figueiredo, do Itamaraty, para presidir o grupo de diálogo no primeiro ano de implementação das medidas determinadas em Bali.  Minha expectativa é de que seja possível avançar concretamente no desenvolvimento de metodologias e processos que viabilizem a adoção de metas mensuráveis, reportáveis e verificáveis de redução de desmatamento.  Vejo, ainda, a possibilidade de que o Brasil avance para além dos mecanismos voluntários, como o que concretizamos através do Fundo Amazônia, e contribua para as discussões em torno da constituição de um mercado de crédito de carbono apropriado à questão florestal.

É bem possível que a crise tenha um impacto direto na dinâmica de degradação e desmatamento na Amazônia.  Há quem diga que o desmatameno vai cair significativamente.  Qual a sua opinião sobre o assunto?

Crise econômica não possui lado positivo.  Considero uma simplificação que beira ao ridículo algumas afirmações de que a crise será boa para a Amazônia, pois diminuirá a disponibilidade de capital para financiar o desmatamento.  Ao contrário, o que a Amazônia mais precisa para reverter a degradação é de recursos financeiros adequadamente planejados e aplicados.  Nos últimos quatro anos o Governo Federal praticamente restringiu seus investimentos estratégicos no combate ao desmatamento em ações de comando e controle e criação de áreas protegidas.  Basta analisar as iniciativas efetivamente desenvolvidas e implementadas do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, para ver como quase nada foi feito no eixo do desenvolvimento econômico sustentável.  É evidente que combater as práticas ilegais, criar unidades de conservação e reconhecer e homologar terras indígenas são ações fundamentais e que devem continuar de forma permanente e crescente.  Entretanto, o que poderá efetivamente mudar o quadro em definitivo é o desenvolvimento de um modelo econômico adequado para a região que concentra a maior floresta tropical do Planeta.  Para isso, é necessário investir intensamente em ciencia e tecnologia, em capacitação e formação de recursos humanos, em crédito para usos sustentável de recursos florestais e pagamento por serviços ambientais e no desenvolvimento de uma infra-estrutura apropriada para esses projetos.  Nada disso poderá ser concretizado sem significativos investimentos públicos e privados.  A crise econômica deverá, ainda, ter um fortíssimo impacto negativo com a redução de investimentos internacionais que começavam a fuir para as ações de redução de emissões de gases de efeito estufa.  Isso deverá afetar as perspectivas otimistas que muitos analistas vinham apresentando para o Fundo Amazônia e outros destinados a apoiar a redução do desmatamento no plano internacional.

Como vê o futuro da Amazônia e o papel no governo sobre mecanismos de redução das emissões da degradação e desmatamento (REDD) e o Fundo Amazônia?

O desafio da Amazônia é o estabelecimento de um modelo econômico apropirado à região, baseado no seu maior ativo que é a floresta em pé.  Para isso, serão necessários recursos significativos para financiar a transição do atual modelo predatório para o modelo sustentável capaz de gerar uma dinâmica econômica não apenas ambientalmente adequada mas, tão importante quanto, socialmente inclusiva.  Para tanto, todos os mecanismos com potencial de direcionar recursos para esse propósito devem ser considerados e estimulados.  Uma das etapas fundamentais para criar um ambiente favorável para atrair investimentos para a Amazônia é o aumento da governabilidade.  Nesse sentido, os avanços obtidos nos últimos anos são muito positivos.  Uma redução de 58% nas taxas de desmatamento no período de 2004 a 2007 não é pouco e isso é reconhecido nacional e internacionalmente como um mérito que credencia o Brasil a disputar recursos para incrementar suas ações nesse campo.  Alguns resultados importantes já puderam ser contabilizados.  O crescimento de mais de 1.000% da área de florestas sob manejo florestal certificado desenvolvido por empresas privadas na Amazônia é um deles.  Outro é o sucesso inicial do Fundo Amazônia que já captou recursos significativos do governo da Noruega e, segundo vem sendo noticiado, possui vários outros em negociação.  Entretanto, sendo um fundo voluntário, é cedo para dizer se estes recursos efetivamente virão, pois será necessário um ativo processo de liderança política por parte do Brasil que ainda não está claro se haverá após as mudanças ocorridas no MMA.  Quando ao REDD, considero que esse mecanismo, baseado em créditos de carbono, deverá se tornar uma das boas opções para viabilizar o ingresso de recursos significativos e permanentes para os países detentores de florestas.  Para tanto, será necessário criar as condições para que alguns de seus riscos sejam equacionados.  Um deles é de que os investimentos em carbono florestal sejam considerados apenas uma forma dos países industrializados obterem créditos baratos ou uma mera oportunidade para os paises florestais receberem recursos novos, sem que as Partes assumam um consistente compromisso com a redução do desmatamento no longo prazo.  Outro risco é que não haja efetivamente nenhuma adicionalidade que beneficie o quadro climático, caso todos os créditos de desmatamento evitado se convertam em manutenção de emissões nos países compradores.  Para evitar isso, é fundamental que qualquer crédito originário da redução do desmatamento gere aumentos de compromissos de redução de emissões nos países desenvolvidos.  Finalmente, entendo ser importante que o REDD viabilize metodologicamente mecanismos para a valoração de serviços ambientais e sociais das florestas a serem apoiadas, a fim de estimular a conservação da biodiversidade a da sociodiversidade a elas associadas.

O que o levou aos EUA e quanto tempo pretende ficar por aí?

Fui convidado para passar um ano na Universidade de Colúmbia como professor visitante junto ao Centro de Meio Ambiente, Economia e Sociedade.  Criado em 2006, o CEES é vinculado à Faculdade de Ciências e Artes da Columbia e tem como objetivo pesquisar e formular metodologias que subsidiem estratégias de fomento ao desenvolvimento sustentável, aliando governos, setor privado e organizações sociais na implementação de novos negócios e oportunidades econômicas inovadoras.  Meu objetivo é realizar uma reflexão aprofundada dos cinco anos e meio que passei no governo federal.  Neste período tive a oportunidade de coordenar a elaboração, desenvolvimento e implementação de inúmeras políticas públicas voltadas à conservação e ao desenvolvimento sustentável.  Além disso, estou trabalhando para aperfeiçoar os meus conhecimentos na intrincada correlação entre meio ambiente e economia.  Ou seja, como identificar e desenvolver processos econômicos capazes de viabilizar o desenvolvimento baseado no uso sustentável dos recursos naturais e, portanto, à conservação ambiental, com inclusão social.  Este conceito apesar de óbvio e largamente utilizado, não está adequadamente equacionado no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.  Neste campo, a correlação entre floresta e clima abre uma grande oportunidade para países como o Brasil.  Mecanismos como o pagamento por serviços ambientais, incentivos econômicos positivos pela redução do desmatamento e a criação de um mercado de crédito de carbono florestal constituem novas possibilidades de financiamento para a criação de uma economia florestal capaz de viabilizar uma saída definitiva do atual modelo predatório.

Como estão as discussões sobre mudanças climáticas na Universidade de Colúmbia?

Não seria exagero dizer que a Columbia está dominada por esse tema.  A quantidade de debates, mesas redondas, apresentação de resultados de pesquisas e palestras sobre as várias dimensões das mudanças climáticas é impressionante.  Tenho dito a vários interlocutores que se não tomar cuidado, corro o risco de passar um ano participando destes eventos sem sobrar tempo para concluir o trabalho que me trouxe a Nova Iorque.  A Columbia possui doze unidades de pesquisa e ensino diretamente voltadas ou envolvidas com o tema das mudanças climáticas (informações detalhadas sobre cada uma destas unidades podem ser obtidas no site http://www.earth.columbia.edu/articles/view/2124). Para integrar esse conjunto de unidades de ensino e pesquisa foi constituído recentemente o Centro de Clima da Columbia.  O Centro integra estudos nas áreas das ciências físicas e naturais, engenharia, direito, saúde, socioeconomia e política.  Seus objetivos são coordenar as pesquisas científicas em andamento, promovendo a troca de informações e a sinergia entre os diversos grupos; delinear opções para a adaptação e mitigação, antecipando impactos das mudanças climáticas; e desenvolver um quadro de profissionais capazes de fornecer análises e subsídios para formadores de opinião e formuladores de políticas públicas.

Como estão os debates sobre mudança climática nos Estados Unidos, principalmente a partir da eleição de Barak Obama e da crise econômica mundial?  A postura norte-americana sobre mudanças climáticas deve mudar?

Os Estados Unidos estão em um processo altamente positivo e não há dúvida entre os que debatem esse tema por aqui de que a posição americana deve evoluir muito a partir de agora no campo político.  A expectativa é de que os EUA se envolvam ativamente na negociação do mecanismo que deverá suceder o Protocolo de Quioto, a partir de 2012.  A COP de Poznan, que está em andamento, é a oportunidade para vermos como essa mudança de postura se dará, antes mesmo de que Obama assuma a presidência, o que só ocorrerá em 20 de janeiro próximo.  As dúvidas são no campo das ações práticas, já que a crise econômica está interferindo de forma muito intensa na definição das prioridades a serem assumidas pelo presidente Obama.  De qualquer forma, mesmo com um ímpeto de investimentos menor nesse momento, há um enorme otimismo no sentido de que tenhamos avanços importantes nas negociações no âmbito da Convenção do Clima com o esperado maior protagonismo norte-americano.

Que papel está desempenhando agora no IPAM?

Como pesquisador associado ao Ipam, estou participando da elaboração de publicações sobre o Decreto Federal 6321/07, com a descrição detalhada de seus dispositivos e processo de elaboração e de uma avaliação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e suas perspectivas frente a atual conjuntura política.  Também estou participando do processo de avaliação do desmatamento na Amazônia, com análise de resultados e tendências, a partir dos dados do Prodes 2008, a serem disponibilizados pelo INPE nos próximos dias.  Para tanto, estou contribuindo para a definição de termos de referência para as análises espaciais a serem desenvolvidas e elaborando avaliações específicas a serem apresentadas no Seminário Técnico Científico a ser organizado pelo MMA e MCT em dezembro de 2008.  Finalmente, pretendo colaborar com a divulgação de informações e análises através do site Clima e Desmatamento e participar dos debates sobre políticas públicas para a Amazônia, em especial nas que envolvem aprimoramentos do Código Florestal Brasileiro, junto com a equipe do IPAM.

(IPAM - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Amazonia.org.br, 09/01/2009)

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