É duro preservar em um país cuja população só vê coisas negativas nas matas e em quem luta para preservá-las, em benefício de todos. Ignorância e violência são armas da destruição.
Por ousarem desafiar os limites da natureza, o “fim do mundo” chegou antes para boa parte dos moradores da região do Morro do Baú, no município de Ilhota, região mais afetada pela tragédia recente em Santa Catarina.
Durante os períodos de tempo bom, com dias ensolarados, todos acham inúteis e um grande estorvo as tais leis ambientais que protegem as matas nativas, os morros e as margens dos rios. Basta um período com chuvas mais intensas para perceberem que a legislação ambiental precisa ser até mais rigorosa e respeitada, pois pode salvar vidas.
A pouco mais de 100 quilômetros em linha reta do Morro do Baú, em Itaiópolis (SC), no planalto norte, onde nasci e fui passar o Natal na casa de parentes, pude vivenciar como as pessoas odeiam a natureza e também quem a defende. Em ambos os casos, o ódio é mortal.
Recebi de herança de minha mãe, Josepha Kalabaide Woehl, falecida há dois anos, um fragmento de Mata Atlântica preservadíssimo, com características de floresta primária, na região urbana daquele município. O terreno mede 11 mil m2 (pouco mais de um hectare), sendo um dos últimos fragmentos de Mata de Araucárias, ecossistema em extinção. A área é bem plana, muito valorizada e cobiçada pela exploração imobiliária.
Muitos poderiam imaginar que os moradores do entorno deste paraíso, em plena área urbana, são sortudos por residirem ao lado de uma exuberante floresta repleta de biodiversidade, sobretudo de aves, com ar puro, o frescor da mata e livres dos problemas de enxurradas já que a mata absorve boa parte da água das chuvas. O que é melhor ainda: toda esta qualidade de vida proporcionada pela mata preservada é de graça! Pois existe alguém que banca os custos. Além de abrir mão de usufruir deste patrimônio, todos os anos minha mãe pagava o IPTU, que não é barato pelo fato de ser uma área com matagal em cima (sem edificações).
No entanto, estes moradores não conseguem enxergar os benefícios da mata, só as coisas negativas como sombra no quintal, risco de queda de árvores sobre a churrasqueira, muros e rede de energia elétrica, esconderijo de ladrões etc. Árvores ameaçando cair sobre residências não há, porque já foram abatidas - sem autorização, obviamente. Quando vou a Itaiópolis não tenho sossego de tantas reclamações por tentar manter esta pequena amostra de Mata com Araucárias para as gerações futuras.
Como de costume, fui privado também do sossego neste último Natal. Um agricultor de uma localidade já totalmente devastada em Itaiópolis, denominada de Leonel, resolveu se mudar com sua família para a área urbana e comprou a residência que faz divisa com a área preservada.
Na primeira semana em sua nova moradia, não se conformou em ver aquela mata, pedindo uma motosserra. Não imaginava que um fragmento de Mata Atlântica pudesse ter escapado da devastação - e ainda por cima no centro de Itaiópolis! No dia 13 de dezembro passado, mal havia descarregado a mudança, não conteve sua compulsão de desmatar o que via pela frente. Sua a primeira providência foi reunir mais duas pessoas devidamente equipadas com motosserras e invadir minha área preservada. Endoidecidos, começaram a desmatar uma faixa da floresta na divisa com seu terreno, uma linha de cem metros aproximadamente.
Quando a segunda árvore centenária tombou, minha irmã, que mora nas proximidades, percebeu do que se tratavam aqueles roncos de motosserras e os estrondos de árvores tombando. Imediatamente ela os interpelou. Justificaram a ação alegando que aquele terreno deve ter uma faixa desmatada na divisa e que eles duvidavam que eu tivesse a escritura daquele terreno. Na visão deles, uma área preservada – ou matagal - em área urbana significa que não tem dono. Afinal, quem seria louco de deixar um terreno daquele, bem localizado, plano, com uma mata preservada? Mas, de forma heróica, minha irmã conseguiu interromper, por enquanto, esta ação criminosa, estragando a festa de deles.
No Natal, pela manhã, fui conferir o dano causado e fazer algumas fotos de insetos e anfíbios, como sempre faço. Quando estava fotografando os cepos das árvores abatidas dois cães ferozes deste morador me atacaram violentamente. Por pouco não tive as pernas dilaceradas.
Em seguida o morador veio correndo em minha direção e começou a me destratar e ameaçar. Disse não temer a Justiça e repetiu o que dissera para minha irmã, que aquela mata não deve ter dono. Demonstrou estar furioso com minha irmã (sua vizinha) pelo fato dela ter me contado das árvores abatidas e revelou já saber quem eu era. De forma muito clara disse: “Você mora em São Paulo, por isso pode escapar, mas sua irmã mora aqui sozinha e nós somos em dois” (ele e seu irmão). E advertiu: “Sua irmã está ferrada!”
Num dado momento, simulou sacar uma arma e pediu para que eu mostrasse o que tinha numa bolsa. Queria saber se era uma arma. Então, calmamente abri a bolsa e lhe mostrei minha poderosa “arma”: uma filmadora Sony 8 mm, TRV-351. Neste momento, sua esposa, que o tempo todo o instigava para me agredir (através da cerca, várias vezes ele tentou desferir-me golpes de soco), desesperadamente pediu (gesticulando muito) para que ele se calasse e ambos saíram correndo dali.
Convenci minha irmã a fazer um boletim de ocorrência. Passamos a tarde toda do Natal na Delegacia de Itaiópolis, onde fomos muito bem atendidos. Na manhã seguinte, uma viatura foi até a casa do morador lhe entregar uma intimação e um perito da Polícia Civil foi conferir os cepos das árvores abatidas (crime ambiental). O incrível foi que este morador não apenas abateu as árvores como também se apropriou de toda a lenha resultante para consumo próprio, como assar o churrasco de Natal.
A sociedade brasileira não entende o que é conservação da natureza, tem horror às matas preservadas. Por isso, não se importa muito com a devastação.
Lembro-me da cerimônia do plantio de árvores na escola, em Itaiópolis (SC), no final dos anos 1960, para celebrar o Dia da Árvore. Se naquela época, pelo menos neste dia, os professores pedissem para os alunos olharem além do muro da escola, para a exuberante Mata de Araucárias, repleta de vida, e explicassem que são aquelas árvores que deviam ser protegidas, respeitadas e consideradas como parte de nossas vidas, não teríamos hoje uma situação tão dramática das nossas florestas.
Tampouco a sociedade seria ignorante a ponto de aceitar a sádica propaganda do Rodoanel na capital paulista que diz: “Plantaremos em dobro a vegetação que foi destruída”. Quem viaja de avião facilmente pode notar que no traçado da rodovia caprichosamente miraram nos últimos fragmentos de áreas preservadas de Mata Atlântica. A propaganda induz às pessoas a acreditar que a natureza ainda saiu no lucro com toda aquela brutal devastação provocada pela obra.
(Por Germano Woehl Jr., OEco, 07/01/2009)