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bicicletas
2009-01-08
Com todo o respeito pelos novos prefeitos, nesta hora em que eles fazem tudo para mostrar nos jornais que assumiram o cargo, a novidade do momento em administração municipal chama-se Janette Sadik-Khan. Ou seja, não é coisa nossa. Trata-se de uma ciclista devotada que, do alto de um diploma em Ciências Políticas e da experiência na direção da Parsons Brinckerhoff - firma de planejamento urbano fundada nos EUA quando o Brasil ainda discutia a abolição dos escravos -, virou em abril de 2008 comissária de Transportes de Nova York, nomeada pelo prefeito Michael Bloomberg.

De lá para cá, ela virou avenidas e ruas pelo avesso, transferindo mais de 4 mil m2 de pistas asfaltadas ao trânsito exclusivo de pedestres e ciclistas. Seu plano é inaugurar 320 km de ciclovias em Manhattan até o próximo verão, ou seja, até junho. E está em dia com a proposta. Conectou até agora uns 200 km de pistas exclusivas para bicicletas. E não só em caminhos secundários. Seus trajetos incluem, por exemplo, a Madison Square, o cruzamento da 5ª Avenida com a Broadway (que serviu de berço a seculares instituições americanas, como o beisebol profissional). Pronta, a rede atravessará a ilha inteira, em todas as direções, cruzando o rio para os bairros das outras margens.

Janette não atacou o problema do trânsito urbano pelas bordas, onde ele sempre se revela mais ou menos insolúvel. Pegou-o à unha, segurando o automóvel, cujo direito de ir e vir, queimando tradicionalmente o máximo possível de gasolina no trajeto, há menos de seis anos o presidente George W. Bush considerou indispensável ao estilo de vida americano, a ponto de preferir uma guerra no Iraque ao combate doméstico com a indústria automobilística, amotinada há décadas contra as metas de controle das emissões e os prazos para lançar motores menos vorazes.

Janette deu prioridade à minoria. Só 80 mil nova-iorquinos, segundo as estatísticas, usam bicicleta como meio de transporte regular. Esse contingente cresceu 124% nos últimos 25 anos. Mas continua pequeno, diante dos quase 200 mil nova-iorquinos que trafegam da casa ao trabalho sobre patins. Ela espera multiplicá-los, oferecendo prerrogativas como “roteiros amigáveis” e preferência nos cruzamentos. A mudança invade áreas de estacionamento. Abre canteiros ajardinados onde só havia asfalto. Dá mais tempo nos sinais aos pedestres e ciclistas. Divide pistas que sempre pertenceram só aos carros, e nem assim pareciam bastar-lhes, para reservá-las às bicicletas, aos pedestres e até espíritos contemplativos, que prefiram um banco para espairecer na calçada, assistindo o desfile da correria alheia.

Trata-se, enfim, de melhorar a vida em Nova York, não de consertar o trânsito. Procura ganhos em qualidade do ar, em economia de combustível, em índice de poluição sonora e até em orçamentos domésticos, mas dá ênfase aos “tremendos benefícios para a saúde”. Num mundo onde chineses compram 14 mil carros por dia, pedalar nos EUA pode ser um sinal de que o futuro não é bem aquele que se esperava até outubro.

Janette está na moda. Nos EUA, entrou em dezembro na lista da revista New York como uma das “razões para gostar da cidade”. E, no Brasil, foi citada pelo cientista político Sérgio Abranches como exemplo de política ambiental e pela colunista de economia Míriam Leitão como prova de que o Brasil anda meio distraído em relação ao resto do planeta. O que não daria qualquer prefeito por um comentário desses?

(Por Marcos Sá Corrêa, jornalista e editor do site O Eco, Estado de são Paulo, 08/01/2009)

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