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CPI das ONGs
2009-01-08

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não-Governamentais (ONGs), criada para apurar o desvio de recursos públicos por essas entidades, concentrou sua atuação na análise das investigações movidas contra a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), acusada de usar recursos públicos na reforma de um apartamento funcional ocupado pelo então reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland.

O trabalho atual do colegiado vem sendo prejudicado por uma luta travada entre os parlamentares governistas - contrários à aprovação de requerimentos de quebra de sigilo de pessoas físicas e entidades envolvidas nas denúncias - e os da oposição, que defendem o aprofundamento das investigações.

No final do ano passado, os trabalhos da comissão, instalada no início de outubro de 2007, foram prorrogados até julho de 2009. Autor do pedido de criação do colegiado, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) é o presidente da comissão, que tem como vice-presidente a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) e como relator o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). A comissão foi inicialmente presidida pelo senador Raimundo Colombo (DEM-SC), que deixou o cargo para se dedicar às últimas eleições municipais.

O requerimento de criação do colegiado explicava que a comissão seria instalada para apurar a liberação, pelo governo federal, de recursos públicos para ONGs e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), bem como a utilização, por essas entidades, desses recursos e de outros por elas recebidos do exterior, a partir de 1999 até 2006.

O plano de trabalho da comissão destacava que, com o aumento dos repasses de dinheiro público ao terceiro setor, crescia também a necessidade de criação de mecanismos eficazes de controle da aplicação desses recursos. De acordo com o documento, um dos sinais desse processo de crescimento e reconhecimento do terceiro setor foi a aprovação, em 1999, da Lei 9.790, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, e institui o Termo de Parceria.

Em entrevista à Agência Senado em fevereiro de 2008, Heráclito Fortes informou que a equipe que vinha fazendo cruzamentos de informações havia conseguido dados bastante esclarecedores que apontavam indícios de desvio de recursos públicos e existência de ONGs "de fachada".

Finatec

Em material examinado pela comissão, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) chegou à conclusão de que a Finatec consumiu R$ 470 mil, que deveriam ser destinados à pesquisa científica e tecnológica, na compra de móveis luxuosos para o apartamento funcional, incluindo uma lixeira no valor de R$ 990.

Para apuração das denúncias, foram aprovados requerimentos de convocação de dirigentes da Finatec e do próprio Timothy Mulholand. Em depoimento no colegiado, em março de 2008, o ex-reitor da UnB explicou que qualquer fundação, ao firmar parceria com a universidade, em obediência a uma resolução da própria instituição, deve criar um fundo de apoio institucional para o financiamento de programas e projetos, com a cobrança de uma taxa de 6% a 10% sobre o projeto de consultoria e contratos de outros serviços fechados com terceiros.

Os recursos desse fundo, segundo Timothy, têm aplicação ampla, podendo ser utilizados para qualquer tipo de investimento - inclusive a pesquisa científica, que interesse à universidade, após a aprovação do projeto pelo conselho gestor. Esses recursos, e não os especificamente destinados à pesquisa, foram utilizados pela Finatec no pagamento da reforma e decoração do apartamento e na compra de um automóvel que, posteriormente, foram doados à UnB. O ex-reitor disse ainda que o material usado na decoração foi especificado pela área técnica da universidade e que a Finatec tinha total liberdade para rejeitar as indicações.

Unitrabalho

Em março de 2008, a comissão ouviu o presidente da Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho), Arquimedes Ciloni, o qual negou que a entidade tenha praticado tráfico de influência junto ao governo Luiz Inácio Lula da Silva para a obtenção de mais recursos federais.

Confirmou, entretanto, que a Unitrabalho recebeu, somente no governo Lula, cerca de R$ 25 milhões. Os repasses entre 2003 e 2006 chegaram, segundo informou, a cerca de R$ 14,3 milhões. Ciloni tentou justificar a liberação dos recursos, considerados mais expressivos que os recebidos por outras ONGs, sob o argumento de que houve aumento no número de universidades no país e crescimento no número de projetos. Disse também que os recursos foram canalizados para programas ligados a treinamento e capacitação de pessoal.

Marco legal

No início de abril, Inácio Arruda apresentou um anteprojeto que estabelece um marco legal para a atuação das ONGs, cujo teor ficou disponível para consulta pública na página eletrônica da comissão.

Entre as inovações, o anteprojeto estabelece a obrigatoriedade de que os repasses de verbas públicas ocorram mediante concurso de projetos apresentados pelas ONGs, e não mais de forma facultativa. Também fica vedada a celebração de convênio gerencial com entidade privada sem fins lucrativos que tenha menos de quatro anos de existência e funcionamento. As entidades também ficam obrigadas a apresentar comprovante de registro do estatuto em cartório, além de documentos atualizados de trabalho realizado anteriormente à celebração do convênio gerencial, que deverá ter pertinência técnica com o objeto do acordo que se pretende celebrar.

A proposta determina ênfase no controle e na fiscalização preventiva, ao estabelecer que, antes da celebração do convênio, o administrador público deverá descrever quais são os meios disponíveis e que serão utilizados para fiscalizar e controlar a execução do projeto, ficando responsável por eventual inexecução.

Também estabelece um rol de hipóteses em que administradores públicos, gestores, pessoas que elaborem pareceres técnicos e dirigentes de entidades responderão civilmente pela inexecução total ou parcial do convênio. O objetivo é fazer com que aqueles que detenham algum tipo de poder estatal, gerenciem ou utilizem recursos públicos afirmem a existência de capacidade técnica e operacional de entidades para realização de determinadas atividades com recursos públicos.

A prestação de contas nos convênios de baixo valor, de acordo com o anteprojeto, deverá estar centrada unicamente na realização dos objetivos propostos, no cumprimento das metas ou realização das atividades pré-definidas. Para os convênios de maior valor, fica mantido o modelo burocrático atual, com regulação e fiscalização também quanto aos meios empregados na execução do convênio. O anteprojeto também prevê a criação de mecanismos processuais para aumentar o grau de efetividade de cobrança judicial, como forma de garantir que a verba indevidamente utilizada seja ressarcida aos cofres públicos.

De acordo com Inácio Arruda, o fundamento constitucional da lei que se pretende criar é o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição, que estabelece competência privativa da União para legislar a respeito de normas gerais em todas as modalidades de contratação para a administração pública em todos os níveis (União, estados, Distrito Federal e municípios). A proposta incorpora diversas recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), aplicáveis a qualquer modalidade de parceria com entidades sem fins lucrativos.

A proposta reconhece e mantém os termos de parceria, que vem a ser a modalidade de acordo entre o Estado e o terceiro setor, com legislação própria, mas não abrange o contrato de gestão com organizações sociais, que continua regido unicamente pela Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação dessas entidades.

Monitoramento

Ainda em abril de 2008, a comissão enviou ao Departamento de Monitoramento do Sistema Financeiro e de Gestão da Informação do Banco Central (Desig) uma relação com os nomes e Cadastros Nacionais de Pessoas Jurídicas (CNPJs) de ONGs suspeitas de terem recebido irregularmente recursos do exterior.

A decisão foi tomada após um representante do órgão informar que toda e qualquer operação de troca de moeda recebida do exterior ou mesmo enviada a outro país tem que passar obrigatoriamente pelo Banco Central, mas que, por ter um cadastro único e sem identificação específica, a instituição não teria condições de enviar à comissão uma relação com todas as ONGs que recebem recursos do exterior.

A comissão também analisou uma série de documentos sigilosos enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre o registro de operações que teriam indícios de irregularidades em saques ou depósitos de recursos públicos superiores a R$ 100 mil.

Projetos em tramitação

Esta é a segunda CPI das ONGs no Senado. A primeira, que funcionou em 2001 e 2002 sob a presidência do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), apresentou alguns projetos de lei que ainda tramitam na Casa.

Entre eles, o PLS 11/03, que caracteriza como crime, punível com reclusão de dois a quatro anos e multa, o ato de "introduzir ou divulgar em território nacional mapa ou qualquer documento que o retrate ou descreva sem parte dele integrante". A proposta encontra-se na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

E ainda o PLS 12/03, que altera o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) e a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73). A proposta, que aguarda a designação de relator na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), condiciona a participação de entidades que tenham sócios estrangeiros e que atuem na região amazônica à autorização do Ministério da Justiça e à elaboração de relatório bienal sobre suas atividades.

(Por Paulo Sérgio Vasco, Agência Senado, 07/01/2009)


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