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poluição urbana emissão de ruídos
2009-01-07

O produtor musical Marco Morgione, um italiano de 32 anos residente em Barcelona (Espanha) há mais de uma década, realizou recentemente seu grande sonho: após investir dezenas de milhares de Euros e meses de trabalho duro, finalmente tem seu próprio estúdio de gravação profissional, no tranqüilo bairro da Sagrera, região leste da cidade, com dois andares, isolamento acústico e equipamentos de última geração.

Precavido, tratou de cuidar de um detalhe final cuja falta o obrigaria a gastar em multas seus primeiros rendimentos no novo local de trabalho. Instalar o ar condicionado de forma que, quando fecha a porta de ferro do estúdio, o aparelho não aparece na frente do prédio. “Em princípio, os condicionadores de ar não podem fazer parte da fachada de um edifício”, conta.

Desta forma, evitou a possibilidade de ser enquadrado segundo as normas de duas campanhas municipais: a Barcelona Posa’t Guapa (do catalão, Barcelona, fique bonita), que há mais de duas décadas procura preservar a feição original das fachadas, entre outras medidas estéticas, e também o mais recente e agressivo Control de Soroll (Controle de ruídos).

Trata-se de grande empreitada de caça aos ruídos urbanos na capital da Catalunha (a segunda mais povoada e a quarta mais rica comunidade autônoma da Espanha – algo remotamente semelhante aos estados americanos).

Guerra contra o barulho
A diminuição do barulho produzido por aparatos de refrigeração de ar é apenas uma das metas da equipe encabeçada por Imma Mayol, vice-prefeita e secretária municipal de Meio Ambiente de Barcelona pelo partido ICV (Iniciativa pela Catalunha Verde), com apoio da ONG Accca (Associação Catalã Contra Contaminação Acústica). É um trabalho que visa dar continuidade a uma considerável tradição de combate aos abusos do gênero. No começo do novo milênio, por exemplo, a cidade se tornou a primeira da Europa a contar com o chamado “asfalto silencioso”, um tipo de pavimentação porosa que reduz entre dois e quatro decibéis o ruído provocado pela passagem de veículos. Atualmente há meio milhão de metros quadrados desse asfalto em Barcelona.

“O ruído não é um incômodo, é um problema de saúde pública”, afirma Esther Melcon, da Accca. “A incidência direta sobre o aparelho auditivo se manifesta com, por exemplo, tinnitus [zumbidos no ouvido] e surdez. A indireta, com falta de descanso e estresse derivado de uma exposição contínua a partir de 65 decibéis em infartos, problemas respiratórios, agravamento de doenças mentais, acidentes por cansaço e falta de atenção, transtornos do sono etc. E, em termos de impacto ao meio ambiente, o ruído do tráfego vem acompanhado de emissões tóxicas”, completou.

Percebe-se que as pessoas envolvidas levam a causa extremamente a sério. E, de fato, há dados que alimentam essa urgência: em abril deste ano, um informe da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos) apontou a Espanha como o segundo país mais ruidoso do mundo, perdendo apenas para o Japão. Segundo o mesmo levantamento, a cada dia cerca de 12 milhões de espanhóis – aproximadamente um quarto da população do país – se expõe ao nível de decibéis superior aos 65 citado por Melcon, limite máximo tolerável segundo a OMC (Organização Mundial de Saúde). “Em qualquer ponto da Europa há mais sensibilidade e menor nível de exposição que na Espanha”, acusa Melcon.

Ações nas ruas
Diante de tais indicadores, a prefeitura de Barcelona está prestes a aprovar, no início de 2009, uma verba de 112 milhões de euros (cerca de R$ 377 milhões) para colocar em ação o pacote de medidas atualizadas sobre o assunto. Segundo afirmou Imma Mayol em recente entrevista coletiva sobre o tema, o novo programa, denominado Plano de Ação para a Redução da Contaminação Acústica, é “exigente, operativo e facilmente aplicável”. O objetivo é controlar os decibéis produzidos pelo ronco de motores de carros e, sobretudo, motos –  há cerca de 200 mil registradas na cidade -, e a média terá que cair de 98 para 91 decibéis. Estão na mira, também, as sirenes ensurdecedoras de veículos de emergência, marteladas e serradas de incontáveis obras – visa-se a abolição delas aos domingos -, os já citados aparelhos de ar condicionado e até mesmo gritos e risadas de baladeiros (festeiros), entre outros possíveis barulhentos.

Na prática, muitas providências já vinham sendo tomadas antes de se falar em tais cifras, e embora Mayol, Melcon e seus companheiros de causa façam estardalhaço, o índice de ocorrências ligadas a excesso de ruído na verdade vêm caindo nos últimos quatro anos. O que o ICV, a Accca e a prefeitura querem é uma ofensiva final e incisiva.

Em maio, a Guardia Urbana, polícia municipal de Barcelona, chegou a fazer 30 ações diárias para calcular decibéis, com o auxílio de um aparelho medidor (imagem acima) da marca local Cesva (que custa a partir de 75 euros, ou cerca de R$ 250). Os veículos que excediam o limite em 5 decibéis eram obrigados a sair de circulação e seus donos tinham 15 dias pra “silenciá-los”. Para completar o pacote prévio ao plano, um “mapa do ruído” foi traçado, constatando que 11,5 % das ruas da cidade não respeitam os limites sonoros durante a noite e apontando os bairros campeões do áudio-incômodo (os animados Gràcia e Cidade Velha pela Noite, o comportado Sarriá-Sant Gervasi ao longo do dia).

Somente em 2007, 5.666 motoristas foram denunciados por excesso de barulho pela mesma Guardia Urbana, (cerca de mil a menos que no ano anterior, quando 385 das denúncias se transformaram em multa, pelo não cumprimento dos motoristas da determinação em de deixar seus veículos mais silenciosos). No primeiro trimestre deste ano, outros 1.306 condutores receberam alertas.

A Justiça também já vinha colocando a mão na massa. No ano passado, entre outros casos, houve o de Joan S.A., 27 anos, habitante da cidade costeira de Montgat, próxima a Barcelona, que foi condenado a dois anos de prisão e a pagar multa de 820 euros (algo como R$ 2,8 mil) por “contaminação acústica e delitos contra os recursos naturais e o meio ambiente”. Ele infernizava os vizinhos ao ligar freqüentemente suas caixas de som em volumes absurdos.

Sempre em alerta
“Muita coisa melhorou, mas continuamos em um meio mais ruidoso do que nossa saúde e qualidade de vida merecem”, continua Esther Melcon, da Accca. “Não se resolve isso somente com medidas econômicas. A solução passa por uma reorganização da mobilidade, de um transporte público eficiente e sustentável. O resto é um problema de incivilidade, de impunidade para as condutas ruidosas, de descontrole de um turismo invasivo”, concluiu.

Pode parecer uma opinião muito dura para quem vive em uma cidade que investe na bicicleta como transporte público, tem uma política inovadora de investimento em energia solar, coleta lixo de forma exemplar e utiliza biodiesel nos ônibus. Mas talvez seja essa insatisfação e busca constante por melhora, o “reclamar de barriga cheia”, um elemento essencial para a formação de uma mentalidade a favor de uma cidade mais agradável de se viver.

(Por Daniel Setti*, OEco, 06/01/2009)
*Jornalista e vive desde 2006 em Barcelona, na companhia de 1,6 milhão de pessoas.


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