Segundo a Wikipedia, a enciclopédia livre, que afirma facilitar a nossa vida, o enxofre é um elemento químico de símbolo S, número atômico 16 e que se encontra, à temperatura ambiente, em estado sólido. Trata-se de um não-metal de coloração amarela, frágil, do qual se desprende um conhecido odor de ovo podre. Segundo a mesma fonte, a naftalina, ou naftaleno, é um hidrocarboneto aromático. Trata-se de uma substância cristalina branca, volátil, que se obtém por destilação do alcatrão da hulha. A naftalina é um híbrido de ressonância de três estruturas canônicas e, como o enxofre, tem odor peculiar, reconhecido nas populares esferas antitraça.
Além das propriedades odoríferas óbvias, enxofre e naftalina têm também propriedades metafóricas. O enxofre é comumente associado a Mefistófeles, ao mundo subterrâneo e às trevas. Recentemente, o enxofre foi também associado a um alto dignitário de uma nação amiga; no caso, o presidente George W. Bush, dos Estados Unidos. A associação, de cunho irônico, foi feita por outro alto dignitário de uma nação também amiga, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela.
Por sua vez, a prosaica naftalina não se presta a associações tão marcantes. Perde em dramaticidade, porém rivaliza em popularidade. Conserva até mesmo certa brejeirice, provavelmente por despertar sentimentos de nostalgia nas narinas crescidas no último quartil do século passado. O cheiro de naftalina está associado ao que é velho, anacrônico, fora de propósito ou deslocado no tempo. Não há registro de que o alto dignitário norte-americano tenha retrucado o intempestivo colega venezuelano, mas poderia tê-lo associado, por seu estilo e retórica, ao cheiro de naftalina.
Além das bancadas de laboratório e da tribuna da ONU, enxofre e naftalina também disputam a primazia odorífera no mundo corporativo. Muitos executivos hoje abraçam causas filantrópicas, comemoram balanços sociais e juram proteger a fauna e a flora. Porém, não escapa às narinas mais treinadas um indelével cheiro de enxofre. De seu lado, os sindicatos rosnam, uivam e esbravejam. O som e a fúria continuam a entorpecer os ouvidos, mas o que chega ao olfato é o odor que emana do discurso antigo e gasto: o cheiro de naftalina.
A crise econômica arrancou os telhados dos bancos de investimento e das montadoras de automóveis. Das exóticas e sofisticadas práticas bancárias desprendeu-se um nauseabundo odor sulfuroso, que rapidamente atormentou governos e pequenos investidores.
Das linhas de montagem emanou um inconfundível odor de naftalina, embora não se saiba se a origem é a gestão arcaica ou os produtos anacrônicos.
Os bancos de investimento talvez se juntem ao clube dos sulfurosos históricos: os fabricantes de armas, de bebidas alcoólicas e de tabaco; um seleto e poderoso grupo, formado por especialistas em evasão lógica e flexibilidade moral. Pelo noticiário, nota-se que o clube está em franca expansão. Os próximos associados provavelmente serão os laboratórios farmacêuticos, recentemente acusados, em um relatório da União Européia, de utilizar táticas condenáveis para proteger suas drogas mais lucrativas contra a entrada de genéricos. No dito clube, os sócios blasfemarão contra os órgãos reguladores, organizações não-governamentais e outros detratores. Objetivos e matreiros, discutirão métodos para manipulação da opinião pública, evasão fiscal e lavagem verde. Por sua vez, as montadoras de automóveis provavelmente ganharão título e carteirinha do clube da
naftalina. Talvez seus executivos estranhem as instalações decadentes, a piscina abandonada, as salas mofadas e os carpetes puídos. Entretanto, lá encontrarão seus camaradas das empresas estatais e das universidades públicas. Corteses, trocarão longos monólogos e discretos bocejos, discorrerão com pompa sobre glórias passadas, invocarão heróis e feitos d’outras gerações e lamentarão as injustiças e a má sina. Em ocasiões especiais, eles alugarão arranjos florais e convidarão autoridades eclesiásticas, civis e militares para a outorga de honrarias e a entrega de prêmios. Então, se submeterão a discursos longos e vazios, entremeados por aplausos formais.
Enquanto o clube do enxofre e o clube da naftalina crescem e prosperam, diminui a nossa sensibilidade nasal. Entorpecidos, percebemos cada vez menos as emissões gasosas e habituamo-nos ao mau cheiro. Neutralizado o olfato, as emissões turvarão nossa visão, paladar, tato e audição. Aos poucos, elas embotarão nosso senso crítico e corromperão nosso julgamento. Haverá resistência possível? Não se sabe, mas deixar de respirar não é opção.
(Thomaz Wood Jr., Carta Capital, 04/12/2008)