Da coleta da castanha-do-Pará (também chamada de castanha-do-Brasil) embaixo de árvores que ultrapassam 40 metros de altura - entre as mais altas da Amazônia - à luta pela abertura de mercados consumidores no Brasil e no exterior, as comunidades indígenas Kayapó são testemunhas de que o fortalecimento dos pilares da sustentabilidade é o caminho mais viável para garantir o futuro da floresta. Mas, reconhecem, também, que essa não é uma tarefa nada fácil, nem mesmo para povos assim tão guerreiros.
Apoiadas por Ongs desde o início desta década, quando foi vislumbrado o potencial de geração de renda no longo prazo oferecido pela castanha, as comunidades Kayapó vêm lutando para agregar valor ao produto que tem a cara do Brasil. Desde então, um longo caminho tem sido trilhado para o fortalecimento dessa cadeia produtiva que é considerada extremamente promissora, embora tenha inúmeros obstáculos pela frente. Participam desse esforço, organizações como a Associação Floresta Protegida (AFP), Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil), Instituto Raoni, e Instituto Kabu, entre outras.
Entre as dificuldades a superar, Adrian Garda, diretor do Programa Amazônia, da CI-Brasil destacou a necessidade de armazenagem adequada, garantia de certificação, além de atendimento às exigências fitossanitárias para a castanha, seja in natura, em óleo, além de outras formas. Os produtos têm forte apelo no exterior, diz ele, onde existe mais espaço para orgânicos, fair trade (comércio justo), além de outros diferenciais, mas chegar lá não é fácil.
A busca por atendimento às exigências dos importadores, no caso do óleo de castanha, muito usado pela indústria de cosméticos, está no caminho certo e tem grande capacidade de alcance social, segundo Garda, embora o processo exija mais ações de longo prazo. Para ele essa é uma importante alternativa de manutenção da floresta de pé, que foge ao modelo de exploração madeireira e mineral que impera na região. “Nossa intenção é que esse projeto sirva de modelo para replicar”, explica.
Adriano Jerozolimski que, coordena a AFP desde janeiro de 2007, conta que a associação indígena é parceira local da CI-Brasil e representa, atualmente, oito comunidades Kayapó localizadas no sul do estado do Pará. “O desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis, baseado no uso de produtos florestais não madeireiros, é uma das principais estratégias implementadas pela AFP para diminuir a vulnerabilidade das comunidades Kayapó quanto ao envolvimento com atividades ilegais e predatórias, que resultam em grande impacto ambiental e social”, explica.
A preocupação tem um grande motivo: espalhadas ao longo de 11 milhões de hectares, as aldeias Kayapó representam a maior área de floresta em boas condições de conservação que restaram entre o sul do Pará e norte do Mato Grosso, região conhecida como o Arco do Desmatamento da Amazônia. Nessas Terras Indígenas, que resguardam grande riqueza ambiental, social e cultural, vivem mais de 7 mil pessoas, das quais cerca de 1,7 mil são beneficiadas com as ações da AFP focadas na produção de castanha in natura.
Identificando alternativas viáveis
As melhores opções de beneficiamento da castanha para as comunidades Kikretum, Moikarakô e A´Ukre foram identificadas em 2005, quando a AFP iniciou o levantamento de informações de campo para subsidiar a elaboração de um Plano de Negócios (PN).
Segundo Jerozolimski, apesar de o PN ter indicado que a produção de castanha dry (tem casca e passa por um processo de secagem e polimento) seria a alternativa mais interessante para os Kayapó, pois poderiam produzir nas próprias aldeias, foi decidido iniciar os projetos com a castanha in natura. Para isso, focou-se na capacitação das comunidades, visando à produção de alta qualidade, com níveis de aflatoxina (toxina, produzida por fungos, que contamina diversas sementes e tem efeitos tóxicos para o ser humano) aceitos pelos mercados mais exigentes, incluindo os europeus.
“No segundo semestre de 2007, conseguimos recursos de doações, a fundo perdido, para investir na infra-estrutura destes projetos, com a construção de quatro galpões para secagem e armazenagem de castanha nas três comunidades Kayapó. Também iniciamos um processo de capacitação para o uso de boas práticas durante todas as etapas visando à produção que atenda às exigências fitosanitárias. As primeiras oficinas de capacitação foram realizadas em dezembro de 2007 e fevereiro de 2008. Novas oficinas serão realizadas em novembro deste ano”, diz o coordenador da AFP.
O coordenador reforça que a estimativa da capacidade produtiva das três comunidades juntas gira ente 50 e100 toneladas de castanha por ano. A expectativa é de expandir esses projetos para, pelo menos, outras duas representadas pela AFP (Kokraimoro e Pukararankre).
Segundo ele, o período de queda dos ouriços da castanha (fruto com cerca de 1 quilo que contém as sementes) é entre final de novembro e final de fevereiro. A coleta de castanha normalmente é feita entre janeiro e fevereiro quando já existe uma grande quantidade de frutos no chão da floresta e o risco de caírem frutos na cabeça dos índios é menor. “O início de 2009 será o primeiro ano que iremos apoiar de fato a comercialização da castanha manejada e coletada por essas comunidades. Estamos nos articulando para identificar bons compradores o que tem sido um trabalho bastante árduo. Mas estamos otimistas em relação a esses projetos”, ressalta o coordenador da AFP.
Entre tantos outros benefícios, a coleta de castanha também é uma atividade que promove a conservação do patrimônio cultural material e imaterial Kayapó, já que, segundo ele, nos acampamentos feitos nos castanhais, onde muitas vezes os índios passam mais de duas semanas, os mais velhos contam histórias e transmitem seus conhecimentos aos mais novos. “Além disso, a coleta de castanha contribui para a proteção dos territórios Kayapó contra a prática de atividades predatórias e ilegais por terceiros, já que promove o uso de áreas mais vulneráveis (distantes das aldeias), funcionando como uma atividade de vigilância”.
No exterior, os Estados Unidos são os maiores consumidores de castanha, seguidos da União Européia. “Porém, também existe espaço no Brasil e estamos buscando mercados diferenciados que valorizem também os benefícios que a exploração deste produto florestal pode ter para as comunidades locais e a contribuição que podem representar para a conservação das florestas do sul do Pará”, explica.
Já Garda ressalta que para a CI Brasil, o fortalecimento institucional, além do apoio à vigilância territorial e o uso sustentável da biodiversidade, junto às comunidades Kayapó, estão entre as maiores preocupações da organização, que juntamente com parceiros como o Instituto Kabu e a AFP, entre outros, busca fechar a outra ponta da cadeia da castanha, com conquista de espaços no mercado. “Tem-se buscado compradores dentro e fora do Brasil. O Trabalho está bem encaminhado”, assegura. No entanto, conquistar compradores perenes exige garantia de fluxo, já que os contratos fechados até agora, ainda são esporádicos.
Entre outros importantes diferenciais dos Kayapó, se destaca a certificação, concedida, no final de 2006, pelo Conselho de Manejo Sustentável (FSC, na sigla em inglês) à Terra Indígena do Baú. Com 1,5 milhão de hectares essa é considerada a maior área de floresta tropical certificada do mundo, o que garante aos mercados consumidores os valores socioambientais agregados aos seus produtos.
Estruturar a cadeia, um desafio
Para Luis Carlos da Silva Sampaio, do Instituto Kabu, estruturar a cadeia produtiva da castanha a partir das comunidades Kayapó representa a maior dificuldade encontrada pelos parceiros, seja para a produção de óleo, frutos in natura, entre outras opções. “Hoje os Kayapó têm muita vontade de produzir, produzem com qualidade, mas a demanda brasileira é muito restrita”, ressalta.
Segundo Sampaio, ainda que muitas empresas façam propaganda e falem de sustentabilidade, na realidade, ainda existem as que “compram produtos ilegais, mal explorados, sem critérios de manejo e sem certificação”, o que a seu ver prejudica projetos como os que estão sendo desenvolvidos junto a esses povos indígenas em áreas de grande vulnerabilidade socioambiental.
Soma-se à dificuldade de garantir a capacitação das comunidades, os obstáculos para assegurar mercado consumidor. “Como você vai programar a sustentabilidade de um projeto tão importante como esse se não tem um mercado do qual a comunidade participe e que seja justo?”, questiona Sampaio. Ele acrescenta que, nesse caso, é fundamental que existam parcerias com empresas capazes de reconhecer o valor socioambiental agregado ao produto. “Não existe sustentabilidade sem essa parceira,” opina.
Para o futuro do projeto, a expectativa do Instituto Kabu é que se amplie a cesta de produtos das comunidades incluindo, por exemplo, outros óleos, cipós, folhas e sementes. “Olhando por esse ângulo, a outra perspectiva é de que os produtos bem explorados, com selos orgânico e fair trade, sejam cada vez mais aceitos no mercado internacional. Isso é bom para o Brasil, para mostrar como a Amazônia oferece uma infinidade de produtos geradores de riqueza para o país”, observa Sampaio.
Informações castanha-do-Pará Kayapó: institutokabu@hotmail.com
Esta reportagem especial é destaque na edição 9 (nov/dez) de Plurale em revista
(Plurale, Amazonia.org.br, 30/12/2008)